Cacau do Pará se reinventa: de cultivo tradicional à produção sustentável e certificada
Cacau, matéria-prima nativa da Amazônia e essencial na cadeia do chocolate

O cacau, matéria-prima nativa da Amazônia e essencial na cadeia do chocolate, vive um momento de transformação no Brasil, especialmente no Pará, estado que lidera a produção nacional. Em meio à alta histórica nos preços das amêndoas devido à quebra de safra em países africanos e à crescente demanda, produtores como João Batista, de Medicilândia (PA), protagonizam uma mudança de paradigma: da agricultura tradicional para um modelo sustentável, tecnificado e certificado – com o impulso do programa “Sustenta e Inova”, do Sebrae.
Aos 43 anos, Batista está à frente do Viveiro Tabosa, herdado do pai no sítio “Baixão”, a cerca de oito quilômetros do centro da cidade. O produtor cresceu entre as mudas de cacau do pai, aprendendo desde cedo os segredos do cultivo. “Via desde criança como funcionava a criação de cacau e já sentia a responsabilidade de um dia assumir os viveiros”, conta. Mas foi a partir de 2022 que ele viu o negócio dar um salto, após passar pelas etapas de capacitação e formalização de negócio, promovidas pelo Sebrae no Pará, com apoio do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Antes, Batista produzia mudas de cacau em pequena escala, com técnicas tradicionais e estrutura limitada. Até que veio o ponto de virada com a chegada do Sustenta e Inova e o resultado foi exponencial, com a produção saltando de 5 mil mudas para 10 mil, depois para 20 mil; em 2024, alcançando 50 mil mudas até, este ano, em que a expectativa é de 100 mil mudas certificadas, empregando até 10 pessoas durante o ano.
Segundo Rubens Magno, diretor superintendente do Sebrae no Pará, é gratificante acompanhar o crescimento dos empreendedores também no campo. “Nós enxergamos a dedicação e a vontade de empreender nesses projetos apoiados financeiramente e com suporte de orientação. A eficiência na gestão, associada a conhecimentos técnicos sobre novos métodos de irrigação mais sustentáveis e novas estufas, estão gerando emprego e renda. Isso demonstra que os pequenos negócios paraenses, da Amazônia, podem ser protagonistas de uma nova economia, mais sustentável e alinhada aos desafios ambientais e climáticos que o Brasil e o mundo enfrentam”, ressalta.
Batista confirma que o apoio do Sebrae/PA foi fundamental. “Sem o projeto Sustenta e Inova eu não chegaria onde estou, então foi muito importante esse incentivo, numa relação de carinho e respeito”, afirma. O viveiro, agora certificado e reestruturado, atrai não só clientes privados, mas também prefeituras da região interessadas em adquirir mudas de alta qualidade.
A virada de chave o fez alcançar o Renasem, um registro nacional que autoriza empresas a atuarem na produção, comércio e análise de sementes e mudas, seguindo normas do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). “Essa certificação trouxe mais segurança jurídica e fitossanitária, valorizando o meu produto e atraindo compradores de outras regiões, até prefeituras, em adquirir essas mudas especialmente para projetos de reflorestamento e produção sustentável”, afirma o produtor João Batista.
O programa, segundo a analista do Sebrae em Altamira, Márcia Carneiro, foi desenhado para fomentar toda a cadeia produtiva do cacau, desde a produção de mudas até o chocolate, com foco em capacitação, gestão, marketing e certificação. “A certificação junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e as adequações estruturais permitem que pequenos viveiros se transformem em verdadeiros empreendimentos escaláveis e competitivos no mercado”, explica.
“O principal gargalo que temos superado é a falta de informação. Muitos produtores já têm a boa vontade e quando estão munidos com informações de como alavancar seus resultados, chegamos a este resultado que obtivemos em parceria com o IPAM”, destaca Márcia Carneiro.
O cenário global do cacau reforça a importância da iniciativa. Com a quebra de safra em países africanos, o preço do cacau atingiu recordes históricos, chegando a US$11.040 por tonelada em 2025, o que representa um aumento de 190% em dois anos. O Brasil, sexto maior produtor mundial, ainda não é autossuficiente e precisou importar 43.300 toneladas em 2023, principalmente da África. No Pará, maior produtor nacional, a produção cresceu 3,8% em 2024, impulsionada pela valorização do preço pago ao produtor, que triplicou em relação a anos anteriores.
O Sustenta e Inova, ao investir em capacitação, certificação e inovação sustentável, contribui para consolidar o Pará como protagonista nacional do cacau, promovendo geração de renda, inclusão social e preservação ambiental. A experiência na região de Medicilândia mostra que, com orientação técnica e políticas de incentivo, é possível aliar crescimento econômico, sustentabilidade e protagonismo amazônico no mercado global do cacau.
Desafios e perspectivas
O ciclo do cacaueiro é longo – de 4 a 6 anos até a produção plena –, o que limita uma resposta imediata à alta dos preços. Ainda assim, o movimento de expansão no Pará é notório, estimulado pela valorização internacional e pelo trabalho de capacitação e inovação promovido por programas como o Sustenta e Inova.
A produção sustentável de cacau, com boas práticas agrícolas, certificação e gestão profissional, é hoje o grande diferencial para acessar mercados exigentes, garantir renda ao produtor e contribuir para a preservação ambiental. O exemplo de João Batista mostra que, com apoio técnico e visão empreendedora, é possível transformar a tradição do cacau em um negócio moderno, sustentável e lucrativo – consolidando o Pará como referência nacional e internacional na produção de cacau de qualidade.