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Casal de agricultores do Sul de Minas faz sucesso na produção de café orgânico

Produtores contam com assistência da Emater-MG


Foto: Divulgação

Quem toma pela primeira vez o café orgânico e especial, produzido pelos pequenos produtores Luciene Santos Mota, 42 anos,  e José Wilson da Silva, 46 anos, nem de longe imagina a trajetória dessas vidas, antes da bebida chegar pronta  às mãos dele e de outros consumidores. Até chegar ao atual estágio de produção, com as marcas Café Luci e a mais recente, Café Alecrim Dourado, os produtores de Pedralva, Sul de Minas Gerais, passaram por muitas dificuldades. No entanto, com persistência e a ajuda da assistência técnica e extensão rural pública estadual, solidariedade dos arrendatários, donos das terras onde eles realizam quase todo o processo de produção do café, eles superaram e alavancaram o negócio. Depois de muito aperto financeiro e de uma vida de trabalho pesado, hoje eles respiram mais aliviados. A renda familiar melhorou. Agora a família tem a casa própria reformada, carros, filho na faculdade, qualidade de vida e fazem planos para o futuro.

A atividade, que só conta com a mão de obra familiar, é realizada em três propriedades de mesmo nome: Alecrim Um, Alecrim Dois e Alecrim Dourado. Todas localizadas na Comunidade Alecrim, na zona rural do município de Pedralva.  Os sítios têm respectivamente 500 pés de café, 6 mil e 2 mil. Duas propriedades são arrendadas e a menor delas, de 1 hectare, é herança da mãe de José Wilson. Todas elas têm certificação do sistema participativo da Central das Associações de Produtores Orgânicos do Sul de Minas (Orgânicos Sul de Minas). As duas maiores também têm o Certifica Minas Café, do Governo do Estado, sendo que a mais produtiva delas, a dos 6 mil pés de café, possui ainda, a certificação Fairtrade, por meio da Associação dos Cafeicultores do Vale do Rio Verde (Ascarive), de Carmo de Minas. No geral todas as certificações podem ser consideradas uma espécie de atestado, que comprovam entre outros itens, que o produto tem qualidade, rastreabilidade e respeita normas socioeconômicas, ambientais, trabalhistas e de comércio justo.

Com estimativa de produção, entre 20 e 25 sacas de café para este ano de 2021, mesmo quantitativo alcançado em 2020, os produtores não têm do que se queixar. As duas linhas do produto têm garantido mercado, em empórios, cafeterias, lojinhas de orgânicos, casas de produtos naturais, porta a porta e quitandas, entre outros estabelecimentos comerciais do ramo.  A comercialização acontece localmente, em outras cidades mineiras e até em estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2016, o café da família, ainda sem uma marca, rendeu 50 sacas, que foram exportadas para o Japão, por meio da Cooperativa Regional dos Cafeicultores do Vale do Rio Verde (Cocarive), de Carmo de Minas. De lá pra cá, em decorrência de intempéries da natureza e perdas de alguns pés de café, mal podados, a produção caiu e a exportação para o país asiático findou após dois anos.  Entretanto, o que faltou em quantidade, sobrou em qualidade, segundo Luciene.

“Tivemos perdas com alguns pés de café sim e isso derrubou a quantidade de sacas. Mas tivemos a qualidade reconhecida. No ano de 2018, não exportamos, mas conseguimos vender para a Três Corações. Fechamos com preço muito bom”, diz a produtora, sem revelar o valor.  Luciene acrescenta que, no mesmo ano de 2018, recebeu de presente dos arrendatários, que ela chama de parceiros, a marca Luci Café Orgânico e passou a comercializar diretamente com os compradores. “Fazemos todo o trabalho de colheita e pós-colheita, limpamos e descascamos, mas a torra é terceirizada, porque precisaríamos de ter um local exclusivo para essa finalidade, um profissional especializado em torra e a autorização da Vigilância Sanitária. É um projeto que ainda podemos realizar. Fechamos parcerias com cafeterias e torrefações. Estamos tendo muitos pedidos, inclusive pelo Instagram, WhatsApp e Correios. Isso está sendo muito bacana”, afirma.

A família dos cafeicultores também é composta pelos filhos João Mateus, 15 anos e Breno, 21 anos. O dois sempre ajudaram os pais. O mais novo, ainda em casa, cuida do pequeno rebanho de bovinos e as tarefas correlatas. O filho mais velho tornou-se universitário do Instituto Federal do Sul de Minas (IFSul), onde cursa Gestão Ambiental, e agora mora, faz estágio e trabalha em Inconfidentes. A previsão é que ele se forme, neste ano de 2021. Era ele, que desde os 11 anos de idade, fazia as anotações das atividades, uma vez que os pais abandonaram cedo a escola e tinham dificuldades em executar os lançamentos. “Esperamos que os nossos filhos deem a continuidade sucessória. Temos o conhecimento da prática e eles também, mas estão buscando o conhecimento teórico. Nossa expectativa é que tragam”, revela a mãe.

Assim, enquanto o Breno estuda, Luciene se viu diante de outras demandas, como a de fazer os apontamentos, relativos à rastreabilidade do produto, uma norma das certificadoras, entre outras anotações. Também acumulou funções de secretaria, além dos trabalhos inerentes da produção de café. Ela, que deixou a escola muito cedo, voltou a estudar para substituir o filho Breno, nas tarefas que ficavam sob responsabilidade dele.  Atualmente está quase concluindo o ensino médio. “Como o meu irmão, eu não quis estudar, então fui trabalhar na roça, primeiro acompanhando os meus pais que eram trabalhadores rurais e atuavam na coleta de café. Depois casei, vim morar na propriedade herdada pelo meu marido, onde moramos até hoje, e onde comecei a produzir e vender hortaliças convencionais”, conta.

Desafios

Mas até chegar aos dias atuais, Luciene e Wilson viveram dias difíceis, no sitio herdado. Enquanto Wilson trabalhava em lavouras convencionais, ela colaborava na renda, cuidando das poucas vacas da propriedade, vendendo frango e outros produtos artesanais como queijo e iogurte, além das hortaliças na feira de Pedralva. Em 2009, mesmo ano em que a Emater-MG, vinculada à Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), passou a atender o casal, a saúde de Wilson ficou abalada. Com problemas respiratório e de coluna eles decidiram investir em hortaliças orgânicas. Com a permissão de um amigo do Wilson, que cedeu suas terras ociosas, o casal passou a produzir hortaliças orgânicas nesse outro sítio, já que o deles ainda não tinha água.

Após algum tempo e com a orientação dos técnicos locais da Emater-MG, o casal de produtores começou a fornecer hortaliças para as escolas de Pedralva e municípios vizinhos, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Em paralelo, continuou a comercializar na feira de orgânicos do município. “Vendemos muito tempo, mais ou menos uns 5 anos para o Pnae. A maior participação foi no ano de 2015, onde a gente tinha variedades de hortaliças para oferecer às escolas”, explica Luciene. De acordo a produtora, tudo começou a mudar, quando o amigo do esposo que havia emprestado o seu sítio para o casal produzir hortaliças, decidiu vender a propriedade. “Eu avisei aos meus clientes que não iria mais vender os produtos. Um casal cliente e amigos meus, que eu chamo de anjos, comprou o sitio e continuamos com o nosso trabalho”, relembra.

Foi a partir daí que o desejo de se tornarem cafeicultores começou a ser construído, segundo a produtora de Pedralva. Os novos donos do sitio assinaram um contrato de arrendamento em nome do esposo José Wilson da Silva. E eles continuaram com as hortaliças, mas plantaram 500 pés de café. Para completar a alegria do casal de produtores, um outro sitio vizinho de 12,4 hectares e 6 mil pés de café já em produção, também foi adquirido pelos mesmos donos do primeiro sitio e arrendado para o casal, por meio de outro contrato. Deste vez, firmado em nome de Luciene Santos Mota. À frente da exploração dessa nova propriedade, a produtora conseguiu a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) e o reconhecimento oficial de sua atividade.

“A carteirinha de produtora rural foi um grande sonho realizado.  Até então eu era reconhecida como doméstica e do lar, mas na verdade eu não era. Porque fui parceira, em tudo que fiz.  Desde os meus pais até o meu esposo eu sempre tive uma participação ativa, na lavoura, na agricultura”, argumenta. Entre os muitos desafios enfrentados pelo casal de produtores, Luciene pontua alguns: levantar de madrugada com o filho de quatro anos para ir vender na feira, enfrentando o clima frio; o período de transição das hortaliças e do café convencionais (6 mil pés) para o sistema orgânico, quando muitas pessoas duvidavam desta possibilidade e a saída do filho Breno para estudar e morar fora, obrigando ela a assumir tarefas que exigiam mais estudo e até a mexer no celular.

Mas com o tempo, Luciene e o marido vêm superando as limitações, inclusive participando de capacitações sempre que podem. O casal tem muitos planos para o futuro e já trabalha para concretizá-los. Um deles é tornar o próprio sitio, onde moram, numa propriedade produtiva e diversificada, apesar do pequeno tamanho. O primeiro passo foi o plantio de 2 mil pés de café. Desses, 600 pés já produziram a primeira safra que resultou no lançamento do Café Alecrim Dourado, há dois meses, em nome do produtor José Wilson. “É um produto orgânico como o Luci Café, pois os tratos culturais são os mesmos, mas ainda não tem o selo, por isso está sendo vendido como café agroecológico.  Estamos regularizando a parte burocrática”, informa Luciene.

Outro projeto, segundo a cafeicultora, é construir uma pequena cozinha industrial, na própria casa, para fabricar geleias e desidratados, aproveitando as frutas do local, plantadas junto ao cafezal, como as variedades de bananas, abacate e abacaxi.  A ideia é colocar em prática, em parceria com outras mulheres vizinhas que também precisam de uma renda extra.  A proposta, de acordo Luciene, é também ajudar na complementação da renda do filho Breno que, para se manter, cultiva hortaliças orgânicas com um colega, na fazenda da faculdade e vende a consumidores da cidade de Inconfidentes. “Temos muitos planos sim e a gente espera realizá-los com bastante êxito. Queremos mostrar que nesse pequeno pedaço de terra a gente consegue viver e produzir muito e tirar uma boa renda desse lugar.

Emater-MG

Para Luciene, a Emater-MG foi fundamental desde os primeiros atendimentos ao casal, quando o agrônomo da época orientou os produtores a participarem da feira e do Pnae. Segundo ela, foi na ocasião que começou “o laço de união” que tem hoje com a empresa pública de extensão rural, seja por meio do escritório local ou da unidade regional do órgão, na cidade de Pouso Alegre. “A Emater teve papel fundamental pra nós desde o começo. Estamos sempre nos comunicando, através da Orgânicos Sul de Minas.  E somos muito agraciados com esses atendimentos. Costumo dizer que, quando o extensionista chega na propriedade, não traz apenas o conhecimento de como semear e produzir. Ele traz a semente da esperança, pois mostra que temos capacidade de transformar a nossa terra. Somos muito gratos à Emater”, ressalta.

Atualmente, os produtores Luciene e José Wilson estão focados no cultivo de café e não produzem mais hortaliças para a comercialização, mas ainda mantém as estufas de verduras, para consumo deles e dos parceiros, além de familiares de ambos, amigos e vizinhos. “Não há divisão de lucros, mas tudo que produzimos aqui é compartilhado com nossos parceiros”, afirma a cafeicultora. De acordo a produtora, as hortaliças continuam sendo cultivadas no sistema orgânico. 

Especial, orgânico e concurso

O café produzido nas duas propriedades arrendadas e no sitio do casal é da espécie coffea arábica, a mais usada na produção de café especial. As variedades cultivadas em talhões divididos são: Catuí Vermelho e Catuí Amarelo. No final de 2018, eles plantaram 1.800 pés da nova cultivar Arara, que segundo Luciene vem sendo considerada mais resistente a doenças, principalmente a ferrugem. “A primeira colheita vai ser esse ano. São essas as variedades que temos por aqui. Elas geram essa bebida diferenciada, que vem se destacando no mercado”, afirma.

O engenheiro agrônomo Cleber da Mota Pereira, do escritório local da Emater-MG, em Pedralva, que vem acompanhando e orientando o casal há cerca de dois anos, confirma que o café é de alta qualidade. “São produzidos em um sistema diferenciado. Eles colhem somente os cafés maduros de forma seletiva, grão a grão. Eles são secados em estufas e terreiro suspenso (bancada de madeira forrada com um sombrite). Esses grãos não têm contato com solo e são secados de forma natural. Por esses cuidados eles atingem pontuações superiores a 85 pontos, o que caracteriza um café ser considerado especial, conforme a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA)” explica.

Todas as lavouras, segundo a produtora, são tratadas com produtos naturais dos próprios sítios. Os tratos culturais, incluem esterco de gado e galinha; palha de café, capim e cana para fazer composto orgânico. A adubação verde também é usada, assim como caldas, cujas receitas são da Emater-MG. Os cuidados incluem também monitoramento anual da saúde da planta e do solo pra ir dosando o uso dos produtos. “A gente faz todo ano a análise de solo e de folha, pra ver o que café está precisando. Se tiver algum talhão que não tem necessidade de potássio, a gente não incorpora a palha do café na compostagem. Mas se acaso, tiver necessidade a gente coloca também a palha do café”, informa Luciene.

Além de orgânico e especial, o café dos produtores de Pedralva também já acumula bons desempenhos em variados concursos promovidos por instituições e empresas do setor cafeeiro. Em 2017, ficou em 9º lugar, entre os dez cafés top do Concurso Café Mantiqueira de Minas, promovido pela Ascarive Fairtrade e Cocarive. No ano de 2018, conquistou o 3º lugar do Concurso Florada Premiada, da Três Corações e da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), concorrendo com 633 amostras. O mesmo feito se repetiu em 2019, novamente em 3º lugar.  Também em 2019, conquistou o 2º lugar na 16ª edição do Concurso Qualidade dos Cafés de Minas Gerais, da Emater-MG, Região Sul de Minas, na categoria Café Natural.

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