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Agricultores no Brasil trocam cana por soja diante de apetite chinês com guerra comercial

Agricultor realizou uma avaliação mais criteriosa dos resultados obtidos em sua fazenda


No ano passado, o agricultor brasileiro Gustavo Lopes realizou uma avaliação mais criteriosa dos resultados obtidos em sua fazenda, esmiuçando números das áreas com grãos e da parte cultivada com cana-de-açúcar. Ele também considerou as tendências globais, incluindo as crescentes tensões comerciais, e o excesso de oferta persistente do mercado de açúcar. Então, ele decidiu acabar com o último canavial que ainda existia na fazenda e terminou um contrato de fornecimento de décadas com uma usina de açúcar local.

Lopes agora planta apenas grãos na fazenda de 1.600 hectares no interior de São Paulo, com a soja tomando toda a área no verão, uma aposta que tem dado bom retorno especialmente nos últimos meses, quando compradores chineses se voltaram para a soja da América do Sul depois que Pequim impôs tarifas sobre a oleaginosa dos Estados Unidos.

O agricultor vendeu a sua soja restante pelo maior preço que já conseguiu. “Isso foi incomum para essa época do ano”, disse Lopes durante entrevista em sua fazenda, onde ele se prepara para plantar mais uma safra de soja a partir de setembro. “Deve ser resultado da demanda chinesa.”

As mudanças dos fluxos comerciais estão redefinindo a paisagem agrícola brasileira, estimulando mais produtores a alinharem as suas lavouras aos apetites chineses. As plantações de soja do país cresceram 2 milhões de hectares em dois anos - uma área do tamanho do Estado norte-americano de Nova Jersey - enquanto a região usada para cana diminuiu quase 400 mil hectares, de acordo com dados do governo.

A demanda crescente de carne da China supervalorizou as importações da soja usada para ração animal. O gigante asiático pagou 20,3 bilhões de dólares no ano passado por 53,8 milhões de toneladas de soja do Brasil, quase metade de toda a produção nacional. Em 2012, as importações foram de 22,8 milhões de toneladas, para efeito de comparação.

Uma nova tarifa chinesa de 25 por cento sobre a soja norte-americana, em retaliação às taxas impostas ao país pelo presidente dos EUA, Donald Trump, deve levar as exportações brasileiras da oleaginosa para uma máxima da série histórica neste ano.

As exportações de soja do Brasil para a China subiram para quase 36 milhões de toneladas na primeira metade de 2018, alta de 6 por cento ante o ano passado. Em julho, houve uma alta de 46 por cento na comparação com 2017, para 10,2 milhões de toneladas. O boom da produção brasileira de grãos colocou o Brasil como principal rival dos EUA como o maior produtor de soja do mundo neste ano, depois de ultrapassar as exportações norte-americanas nos últimos anos.

Toda essa soja está consumindo o cinturão de cana do Brasil, que está sofrendo com as mínimas de múltiplos anos dos preços do açúcar. As tarifas chinesas sobre o adoçante pressionaram o mercado global da commodity, que já sofria com o excesso de oferta. Além disso, há um movimento em nações desenvolvidas de corte no consumo do produto. “Nós perdemos 3 mil hectares de área de cana para os grãos nos últimos dois anos”, disse Roberto de Rezende Barbosa, presidente da Nova América, uma das maiores produtoras de cana do Brasil, que gerencia aproximadamente 110 mil hectares de áreas agricultáveis.

Rezende disse que ele tem visto agricultores migrarem da cana-de-açúcar para os grãos em quase todos os Estados em que as duas safras são viáveis comercialmente.

Usinas de açúcar fechadas

A mudança eleva as dificuldades para as usinas de açúcar e etanol brasileiras. Cerca de 60 usinas já fecharam as portas no país nos últimos anos em meio a prejuízos constantes e alto endividamento, após um longo período de baixos preços do etanol durante o governo Dilma Rousseff e muitos anos de valores reduzidos para o açúcar.

As usinas que ainda resistem estão se desdobrando para garantir matéria-prima suficiente para operar durante toda a safra. A consultoria Agroconsult, uma das principais do setor agrícola brasileiro, tem recebido pedidos de usinas para realizar estudos sobre o quanto a mais elas devem oferecer para donos de fazendas para evitar que eles encerrem contratos de arrendamento para plantio de cana.

Douglas Duarte, um dos diretores na usina Londra, em Itaí —que costumava arrendar uma parte da fazenda de Lopes— diz que a unidade tem planos antigos de elevar a capacidade de moagem de cana em 500 mil toneladas anuais, mas que ele ainda precisa ver como vai conseguir essa cana.

Com muitos agricultores na região focados em grãos, ele diz que busca casos de famílias que possuem terras agrícolas, mas que não têm intenção de se envolver diretamente na atividade, preferindo arrendar as áreas. “Em lugares onde os donos produzem e tem experiência com grãos, possuindo equipamentos e tudo mais, não dá para competir”, Duarte disse.

Em outras áreas, o fechamento de usinas também levou ao fim de canaviais e abertura de novas áreas para soja e milho.

O produtor Antonio de Morais Ribeiro Neto erradicou uma grande parte de cana de sua fazenda na região de Maracaju, no Mato Grosso do Sul, após a Biosev parar a operação na usina que possui no município.

Ribeiro vai plantar soja em 400 hectares que anteriormente eram tomados por cana, acrescentando mais área aos 2 mil hectares de grãos que já cultivava. Para lidar com a operação de grãos maior, comprou dois novos silos, plantadeiras e colhedoras.

Apostando alto

Mesmo as usinas de açúcar, que normalmente cultivam uma boa parte da cana que processam, decidiram se aproveitar do bom momento no setor de grãos.

É crescente o movimento de usinas que usam o período de renovação de canaviais, quando as áreas ficam sem o cultivo durante alguns meses, para plantar soja em apenas um verão e embolsar os rendimentos. “No passado, essas áreas de cana que passavam por renovação ficavam um tempo sem cultivo”, afirmou Victor Campanelli, que explora esse tipo de atividade em usinas.

A empresa em que ele é sócio, a Agro Pastoril Paschoal Campanelli, faz todo o planejamento para o plantio de apenas uma safra de soja em áreas de renovação de cana das usinas, dividindo os resultados com elas.

Mas ainda que o momento do mercado de soja, turbinado pela demanda chinesa, esteja dando um bom resultado para os agricultores, alguns ficam com o pé atrás sobre apostar tanto em uma só cultura, e em um só comprador. “Isso tem atraído todo mundo”, afirmou o agricultor Marcos Cesar Brunozzi, que também mudou uma parte de suas terras de cana para soja. “Espero que essa situação não mude completamente de uma hora pra outra, porque estamos apostando alto”.

Gustavo Lopes não tem arrependimentos após erradicar a área de cana. Na última safra, enquanto o rendimento com a cana era de 480 reais por hectare, ele conseguiu um retorno de 2.600 reais por hectare com a soja. “Eu sei que não será sempre assim tão bom”, ele afirmou. “Mas ainda assim, é uma grande diferença”.

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