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RS: um ano depois, integrantes da ATeG já colhem os resultados

Viver da atividade rural no século 21 não é tarefa para amadore


Foto: Divulgação

Viver da atividade rural no século 21 não é tarefa para amadores. Alcançar produtividade com lucratividade exige não apenas conhecimento técnico, mas também uma administração eficiente de custos e recursos. Foi para auxiliar o produtor nessa jornada que o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) criou o Programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG). 

No Rio Grande do Sul, a implantação do programa completou um ano em fevereiro, contemplando atualmente 2.562 agricultores e pecuaristas das cadeias produtivas da Agricultura, Bovinocultura de Corte, Bovinocultura de Leite, Ovinocultura e, mais recentemente, da Fruticultura. Atividades relativas a Apicultura e Aquicultura devem ser iniciadas ainda em 2021.

O público-alvo da ATeG são produtores rurais que não recebem assistência técnica regular e que ainda têm dificuldades em fazer a gestão financeira de suas propriedades. Para transformar essa realidade, eles recebem assessoria gratuita, com visitas mensais dos técnicos do Senar-RS, durante dois anos.

Como funciona?

O trabalho parte de diagnóstico das potencialidades e dificuldades da propriedade para elaboração de um planejamento estratégico. Atingir os objetivos ainda passa por adequação tecnológica e capacitação profissional do proprietário. Cada passo dado - da despesa feita ou à receita que chega ao caixa - tudo precisa ser registrado pelo produtor, permitindo a avaliação sistemática dos resultados.

Criar essa cultura nas famílias rurais foi um dos desafios enfrentados pelos 91 técnicos e 12 supervisores de campo que atuaram no programa ao longo do último ano. Mas, na maioria dos casos, a semeadura de boas práticas rendeu bons frutos.

“Me orgulho em dizer que se perguntarem para meus 30 produtores, cada um deles saberá dizer quantos cordeiros foram vendidos no ano passado, qual foi a receita da venda da lã, quanto está custando hoje a implantação das pastagens de inverno. Eles estão apropriados dos números de seu sistema, sabem quanto custa produzir. Isso é muito gratificante”, conta a engenheira agrônoma Luiza de Ávila Sphor, técnica de campo da ATeG Ovinocultura nos municípios de Pedro Osório e Cerrito.

Para celebrar o primeiro ano da ATeG no Estado, conversamos com técnicos e produtores que participam do programa desde o ano passado. Nesta e na próxima página, você encontrará um balanço de atividades e dos avanços de quem já colhe resultados.

CORAGEM PARA FAZER MUDANÇAS RADICAIS

A propriedade rural onde Divo Knebel cria gado para corte, em Guaíba, está na família há 45 anos. O pecuarista e os irmãos a adquiriram para ser moradia dos pais agricultores, que moravam no interior e não queriam ficar longe do campo. Há pouco mais de um ano, nem as lembranças eram suficientes para demovê-lo da ideia de vender a terra e abandonar a pecuária.

“Sempre tentamos fazer uma criação, trabalhar com pecuária de forma extensiva. Fizemos muitas tentativas sem acompanhamento técnico, de acordo com nosso conhecimento ou da que imaginávamos que daria certo. Isso nunca funcionou e, com o tempo, a gente se deparou com prejuízo. Aos poucos, a gente foi se desestimulando da atividade, a ponto em que chegamos a pensar em nos desfazer da propriedade, porque não era uma coisa viável”, lembra.

No começo do ano passado, Knebel se inscreveu no programa ATeG e uma esperança se reacendeu. Em função da pandemia, as visitas do técnico Guilherme Machado Fróes só começaram em junho. Mas quando o trabalho começou, as mudanças foram radicais.

“Num primeiro momento, ele sugeriu trabalharmos só com as matrizes e a venda de terneiros, que era mais adequado. O sistema de cria, recria e engorda numa propriedade pequena é muito demorado e sem lucratividade. Então, vendemos todo o gado que a gente tinha, e ficamos só com as matrizes”, conta o pecuarista.

Knebel conta que aceitou prontamente a mudança drástica em busca de outra perspectiva de resultado e tornar o projeto viável. Isso exigiu investimentos também na melhoria das pastagens. Antes de implantar o sistema rotacionado, foi feita correção e adubação do solo. Áreas degradadas estão sendo recuperadas e a perspectiva é de que a nutrição dos animais seja favorecida com a qualidade das espécies nativas e cultivadas de forrageiras.

“Na capacidade de alimentação, fomos de um para cinco animais por hectare. Poderia ter mais cabeças, mas como estou fazendo investimento bastante significativo por alimentação, para ganho de peso e não apenas manutenção, vou continuar melhorando a pastagem para depois aumentar o rebanho”, planeja.

Knebel é um dos cases de sucesso do técnico Guilherme Machado Froes, que atende a 25 pecuaristas nos municípios de Guaíba, Eldorado do Sul e Mariana Pimentel. Ele conta que, no início do trabalho, a principal dificuldade de todos era a falta de lucratividade.

“Baseado nisso, abrimos os olhos deles para a falta de uma boa gestão. Saber o que produziam, eles até sabiam, mas não se seria suficiente para pagar as despesas, qual o custo da produção. Se não é, a gente tem que fazer um planejamento para aumentar a produção ou adotar outras estratégias para ter lucro. A partir daí, eles começaram a anotar mensalmente suas despesas para saber o quanto algo gera de custo durante o ano”, explica o veterinário.

Criar um novo hábito nos produtores não foi fácil, bem como convencê-los a fazer determinados investimentos, em função de aumento nos desembolsos. Porém, Froes observa que a obtenção de resultados gera uma reação em cadeia no grupo como um todo.

“Um primeiro produtor faz, os demais veem o resultado e começam a fazer pelo exemplo. Eles vão acreditando. É um efeito positivo da ATeG. Outro é o acompanhamento mensal para acompanhar os resultados.  Acho que a ATeG vai ser um divisor de águas para essas famílias”, opina o técnico de campo.

É PRECISO ACREDITAR NO PROJETO

Confiança é a palavra-chave da relação do pecuarista Sidnei Gonçalves com a ATeG. Desde que passou a integrar o programa, ele reduziu de 19 para 12 o número de matrizes Hampshire Down. Tudo por acreditar no projeto desenhado junto com a técnica do Senar para reduzir o tamanho do rebanho para diminuir o custo com ração. 

“Minha área é muito pequena para plantio, mas tinha necessidade de produzir alimento para as ovelhas. Se você não produz, tem que comprar. Se você mesmo planta vai ter mais lucro do que despesa. Então, com a ajuda da técnica, começamos a implantar piquetes de rodízio para ir fazendo pasto”, relata Gonçalves, que costumava empatar receita e custo em função dos gastos com ração.

O produtor conta que a suspensão das atividades no início da pandemia retardou um pouco a implantação das pastagens, mas nada que atrapalhasse o sucesso do plano: 

“Apesar de tudo, 98% do que tínhamos planejado, aconteceu. Hoje, tem pasto sobrando. Vai sobrar alimento e poderemos aumentar a quantidade de animais. Vamos esperar passar este inverno. A intenção é dobrar o número de ovelhas e carneiros”, revela, acrescentando que o rebanho deve voltar ao tamanho original ainda este ano.

Segundo a engenheira agrônoma e técnica da ATeG Luiza de Ávila Sphor, que atende a produtores nos municípios de Pedro Osório e Cerrito, o manejo de forrageiras foi uma preocupação bastante comum, bem como os cuidados com a saúde os animais

“Dentro da ovinocultura, um dos grandes custos é manter em bom estado a saúde dos animais, e o manejo sanitário é bastante dispendioso financeiramente. Mas uma das coisas que vejo é que eles melhoraram muito foi na melhor utilização dos medicamentos, os momentos para se utilizar. Hoje os rebanhos estão melhores nesse aspecto”, conta.

A técnica avalia que cada propriedade e proprietário, por terem características diversas, obtiveram diferentes avanços durante um ano. Mas todos avançaram em seus propósitos de melhorar seus resultados, especialmente na parte gerencial, já que a maioria dos produtores não tinha o hábito de controlar entradas e saídas financeiras.

“Das 30 propriedades que atendo, nenhuma é igual a outra. Cada produtor é ímpar. Uns são mais abertos à inovação, a novos manejos, outros são mais tradicionais e eu preciso de mais tempo para inserir alguma coisa no sistema dele. Mas me orgulho em dizer que hoje eles sabem quanto custa produzir dentro da ovinocultura, eles têm o controle”, elogia Luiza.

CONHECIMENTO PARA COMBATER A DESCONFIANÇA

O engenheiro agrônomo Carlos Augusto Lisboa Kuze, técnico de campo da ATeG Agricultura em Pinhal da Serra, diz que notou uma reclamação frequente entre os produtores, quando começou a atendê-los no ano passado:

“Muitos desenvolveram uma certa desconfiança a respeito dos técnicos de cooperativas ou representantes que vendem insumos. Eles não têm certeza de que o produto indicado é o que eles precisam. Muitas vezes, nem veem a necessidade daquele gasto”.

Dono de uma propriedade de 50 hectares dedicados ao cultivo da soja e do milho, o agricultor Paulo Costa Almeida disse que se sentiu ludibriado pelos vendedores mais de uma vez.

“A gente compra herbicida, fungicida para melhorar a produção. Esses produtos não são baratos, mas às vezes acho que eles nos passam um produto mais caro que o necessário, quando poderiam passar um mais em conta. Também acho que nem tudo o que comprei para usar na lavoura funcionou”, diz.

Esses questionamentos se inserem em uma das maiores preocupações de Almeida: a gestão financeira da propriedade.

“A gente tenta colher o máximo possível gastando menos para obter mais lucro. Não quero gastar em excesso”, justifica.

Segundo o agricultor, a proximidade com o técnico deu a ele mais segurança na hora da compra de insumos. Além disso, ele criou o hábito de anotar receitas e despesas em um caderno especial, fornecido pelo programa.

“Antes [da ATeG], eu anotava, mas não era tão exato quanto agora. Hoje, estou 100%. Isso é importante para saber no que vale a pena investir ou mudar, e saber quanto vai sobrar para viver”, valoriza.

DO DESINTERESSE À FALTA DE VAGAS

O engenheiro agrônomo Alex Antônio Peretto é o técnico de campo da ATeG Bovinocultura de Leite nos municípios de Barra do Guarita e Derrubadas, no norte do Estado. Ele conta que, no início dos trabalhos, em fevereiro de 2020, encontrou bastante resistência dos produtores rurais

“Eles estavam desanimados com a atividade leiteira e sua baixa rentabilidade. Sendo assim, houve pouca adesão de produtores no projeto nos primeiros meses. Mas após alguns meses houve até falta de vagas”, lembra.

Segundo o especialista, os produtores da cadeia do leite estavam muito carentes de conhecimento técnico que permitisse melhor condução sobre gestão e manejo da atividade leiteira. Melhorar a qualidade e a quantidade da produção se fazia urgente e, graças a introdução de técnicas como manejo de passagens no sistema Rotatínuo e nutrição individual dos animais de acordo com sua produção, os pequenos produtores sentiram forte evolução durante este primeiro ano da ATeG.

O casal Julmir e Rosane Consatti, de Palmeira das Missões, é exemplo disso. Hoje, suas 16 vacas leiteiras produzem cerca de 4 mil litros de leite por mês. Antes da assistência do Senar-RS, a produção era 50% menor. Segundo Rosane, o salto na produtividade se deve aos conhecimentos adquiridos sobre pastagem e nutrição bovina.

“Quando começou a ATeG, descobrimos que plantávamos pasto em um piquete muito pequeno. E a gente dava pasto verde e silagem para os animais, mas o técnico falou que, por causa do rúmen, elas precisam comer pasto seco. Agora damos feno, ração. Mas para a vaca que dá menos leite eu dou menos ração. Antes a gente dava para todas elas a mesma coisa. Agora não. É uma estratégia para que as melhores vacas sigam dando muito leite”, relata a produtora.

Rosane conta, orgulhosa, que em sua propriedade hoje usa-se boas práticas de higiene na hora da ordenha, como uso de pré e pós dipping: secar as tetas mamárias, lavar o sistema de ordenha com água quente e detergente alcalino e ácido. O manejo sanitário também é mais cuidadoso:

“O técnico nos ensinou a fazer a ‘vaca seca’ para evitar mastite. Quando a vaca está prenha, aos sete meses, ela deve ser colocada em um piquete separado. Aí, a gente protege os tetos com uma bisnaga, o que ajuda a prevenir inflamação. Isso dá muito resultado. Essa doença causa uma perda muito grande de produção e a gente gasta com antibióticos, porque tem que tratar o bicho”, explica.

A produtora e o marido contam que a qualidade do leite aumentou, o que incrementou a lucratividade da propriedade.  Para manter esse sucesso em marcha, eles já planejam construir uma sala de ordenha e uma sala de alimentação na propriedade, além de uma creche para os bezerros, para facilitar o serviço. As novas ambições são resultados do trabalho do último ano, que Rosane gostaria que durasse para sempre.

“Está valendo a pena, é um aprendizado muito bom. Para quem sabe aproveitar, a visita do técnico do Senar é ótima. Ele tem paciência de explicar, a gente quer aprender e teve muito resultado. Se fosse para dar uma nota para nossa propriedade antes, não sei se ganharia 5. Hoje, tenho certeza que ganharemos 8 ou 9”, garante Rosane.

*Esse texto pode ser livremente reproduzido mediante crédito a Senar-RS/Padrinho Conteúdo

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