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Histórico do uso de agrotóxicos - como surgiram?

Entenda como surgiram os agrotóxicos.


Foto: Divulgação

Histórico do uso de agrotóxicos

Com o rápido aumento da população mundial nos últimos séculos, a demanda por alimentos resultou em uma explosão de produtos que visam gerar benefícios aos produtores na agricultura e pecuária. Existem diversos riscos no cultivo de plantas que podem resultar em prejuízo ao invés de lucro, dentre esses prejuízos podemos citar a presença de pragas, doenças e plantas daninhas, que podem reduzir totalmente a produtividade de uma lavoura. Os agrotóxicos, conhecidos também como agroquímicos, defensivos ou pelo termo popular "veneno", são produtos que possuem o objetivo de reduzir estes problemas, garantindo a continuidade da produção.

 

Dicloro-difenil-tricloroetano (DDT)

O primeiro produto desse tipo foi o dicloro-difenil-tricloroetano (DDT), desenvolvido na Primeira Guerra Mundial para prevenção de doenças que vinham causando grandes estragos, transmitidas por piolhos e mosquitos, como o tifo, a malária e a febre amarela. O DDT foi bastante efetivo, muito por conta do seu efeito persistente.

Como o produto eliminava diversos insetos, nocivos ou não, como baratas, moscas, piolhos, pulgas e percevejos, houve uma grande aceitação do uso do DDT em ambientes domésticos. Nesta época, o efeito nocivo do DDT à saúde humana e ao ambiente eram desconhecidos. Posteriormente, foi comprovado que o DDT é um composto cancerígeno.

Na década de 1970, o produto foi proibido na maioria dos países ocidentais ricos, porém, ainda é utilizado para controlar a malária em diversos países da África.

 

O uso dos clorados como agrotóxicos

O DDT foi muito utilizado também na agricultura como inseticida por aproximadamente 30 anos. Após as guerras mundiais, houve uma grande expansão de lavouras cultivadas, e a agricultura se tornou mais intensiva com auxílio de máquinas e insumos, dentre eles os agrotóxicos. Estes produtos começaram a ser amplamente comercializados e produzidos em escala industrial, visando combater as pragas agrícolas.

No Brasil, durante os anos de 1960 a 1970, ocorreram grandes modificações no setor agrícola, através de implementações tecnológicas, uso de plantas geneticamente modificadas e uso de agrotóxicos. Para a obtenção destes insumos e tecnologia, o governo favoreceu a difusão através de incentivos financeiros, subsídios, empréstimos com juros baixos e investimentos em estruturas.

Nesse cenário, em relação ao DDT, as primeiras indicações são reportadas em 1966 na cultura da soja, principalmente para o combate da lagarta. Na época, o governo pouco se preocupava em relação aos perigos do uso desses produtos. O produto também era bastante usado em doses exageradas (nocivas ao ser humano e ao meio ambiente) e/ou de forma desnecessária. 

Esse uso em grande escala favoreceu o desenvolvimento de resistência das pragas agrícolas, além de comprometer a qualidade dos alimentos. A consequência de pragas mais resistentes resulta em uso de maiores quantidades de agrotóxicos, gerando assim um ciclo vicioso. Alguns autores relatam que, entre 1950 e 1980, aproximadamente 500 insetos pragas desenvolveram resistência a alguns agrotóxicos, e cerca de 20 espécies adquiriram imunidade.

O consumo anual, em meados de 1973, era de aproximadamente 20.000 toneladas anuais de inseticidas organoclorados, sendo a maioria da região Sul, o que pode justificar o maior número de intoxicações no estado do Rio Grande do Sul. Dos organoclorados, os mais utilizados eram DDT, Canfeno e BHC.

As mudanças no uso da terra, junto com a mecanização e uso de fertilizantes permitiu o cultivo de terras que antes eram consideradas inférteis. Áreas onde haviam florestas passaram a ser utilizadas na agricultura, que buscou um aumento de produtividade sem buscar a qualidade do ambiente, empobrecendo o solo e dispersando pragas agrícolas. De forma geral, a modernização agrícola resultou em alto uso de insumos, tornando o Brasil um parque industrial de agrotóxicos, resultando na instalação de empresas nacionais e internacionais que produzem estes insumos.

 

As indústrias de agrotóxicos

Durante as guerras mundiais foram desenvolvidos diversos venenos artificiais orgânicos a base de nitrogênio, fósforo, enxofre, cloro etc, além de conter metais pesados como arsênio, selênio, mercúrio e chumbo. Com a guerra, milhares de fórmulas foram testadas por indústrias químicas como armas de guerra químicas (para matar seres humanos), antes de serem usadas na agricultura.

Após o fim das guerras, o excesso desses produtos começou a ser testado em pragas agrícolas. A maioria dos produtos possuíam baixo custo, facilitando a disseminação. Além disso, no Brasil, diversas máquinas e equipamentos recebiam incentivos fiscais: eram livres de impostos de consumo, as importações eram isentas de taxa e os impostos dos produtos nacionais eram reduzidos. Até aviões para pulverização de agrotóxicos eram livres de impostos de importação, e o governo incentivou a instalação de grandes indústrias estrangeiras no país. 

Diversas empresas químicas estrangeiras que enfrentavam restrições na legislação de seus países de origem encontraram no Brasil um "paraíso" para a produção de insumos químicos. Entre 1976 e 1981, a produção nacional de agrotóxicos aumentou de 17 mil toneladas para 43 mil toneladas.

 

Impactos do DDT na saúde e no meio ambiente

O uso de agrotóxicos no passado e presente resultaram em acúmulo destas substâncias em diversos ambientes, acúmulo influenciado pelo fato de serem solúveis em gordura e insolúveis em água, no caso do DDT.

O principal efeito adverso do DDT ocorre no sistema nervoso, afetando tanto a parte central como periférica, causando hiperexcitabilidade, ataxia, tremor, queimaduras, pontadas e até convulsões. O cerebelo, parte do cérebro responsável pelas atividades motoras, é bastante atingido por estes produtos, que também afetam o fígado e podem causar doenças cardiovasculares, câncer, pneumonia atípica, hepatite e manifestações neuropsiquiátricas, conforme a OMS. Outros estudos apontam também aborto espontâneo, nascimento prmeaturo, autismo, redução da fertilidade e obesidade, além de outras doenças.

A indústria nega as provas de efeito carcinogênico em humanos, pois os testes foram feitos em animais em laboratório. Porém, outros estudos relataram casos de pessoas expostas ao DDT que apresentaram deficiências neurológicas. Beard (2006) aplicou questionários em trabalhadores expostos e não expostos ao DDT. Os trabalhadores expostos ao produto obtiveram pontuações muito mais baixas. Outros estudos destacam que a exposição pode resultar em problemas psicomotores, de humor e memória.

No ambiente, podem ser encontrados resíduos de DDT nos mais diversos ecossistemas, pois o produto pode ser transportado por longas distâncias, junto com água ou sedimentos do solo, afetando o solo, água, alimentos, animais e seres humanos. Segundo Paschoal (2019), DDT e dieltrin são os resíduos mais comuns nos solos, sendo o DDT o mais persistente e menos solúvel em água. Além disso, o produto vai se acumulando na cadeia alimentar, estando bastante presente no corpo de predadores e seres humanos. Na água, o produto é ingerido por organismos aquáticos, que são consumidos por pássaros, mamíferos e seres humanos.

Os efeitos do DDT e derivados são bastante tóxicos para organismos aquáticos, pequenas concentrações já podem matar algumas espécies. Algas verdes também são afetadas, inibindo o crescimento e fotossíntese. Peixes contaminados por DDT tiveram anormalidades reprodutivas, e animais que consumiram esses peixes, como aves, tartarugas e mamíferos também tiveram anormalidades na reprodução. Existem também alguns relatos de morte de gado após o consumo de plantas tratadas com DDT, além de relatos de morte de animais domésticos.

 

Proibição do DDT

Devido aos diversos efeitos nocivos do DDT, o produto começou a ser proibido em diversos países na década de 70, como Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Alemanha e Suécia. As proibições foram inicialmente baseadas na possibilidade de causar cancer e danos ambientais. O Brasil na época não proibiu o produto, pois o setor agropecuário e sanitaristas afirmavam que o inseticida era bastante benéfico ao país, e que a proibição poderia causar uma catástrofe na luta contra a malária.

Em 1971, o Ministério da Agricultura proibiu a fabricação e comercialização no combate a ectoparasitas em animais domésticos e uso em pastagens. A presença de DDT na carne e leite fez com que esses produtos fossem barrados pela organização fiscal norte-americana. Porém, o DDT, junto com outros organoclorados, foram totalmente proibidos para fins agrícolas apenas em 1985, e em 1988 para campanhas de saúde pública.

Em 2001, na Convenção de Estocolmo, 122 países se comprometeram a eliminar o uso de 12 POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes específicos), como o DDT, dieldrin e outros produtos químicos, restringindo o uso somente para casos especiais de controle de doenças, o que fez com que fossem mantidos alguns estoques do produto. Em 2009, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva baniu e proibiu em todo território nacional a importação, fabricação, exportação, armazenamento e comercialização do DDT.

 

Anderson Wolf Machado - Engenheiro Agrônomo

 

Referências:

BEARD, John. DDT and human health. Science of The Total Environment. 2006, vol. 355, nº 1 -3, p. 78 – 89.

BORSOI, A. et al. Agrotóxicos:: histórico, atualidades e meio ambiente. Acta Iguazu, Cascavel, v. 3, n. 1, p. 86-100, 1 jan. 2014.

D'AMATO, C.; TORRES, J. P. M.; MALM, O.. DDT (dicloro difenil tricloroetano): toxicidade e contaminação ambiental <FONT FACE=Symbol>-</FONT> uma revisão. Química Nova, v. 25, n. 6a, p. 995–1002, nov. 2002. 

HESS, S. C.; NODARI, R. Agrotóxicos no Brasil:: panorama dos produtos entre 2019 e 2022. Revista Ambientes em Movimento, [S. l.], p. 39-52, 1 dez. 2022.

OMS [WHO] (World Health Organization). Environmental Health Criteria 9: DDT and its Derivatives. Geneva, 1979. ISBN 92 4 154069 9. Disponível em: https://inchem.org/documents/ehc/ehc/ehc009.htm#SubSectionNumber:1.1.5. 

PASCHOAL, Adilson Dias. Pragas, agrotóxicos e a crise ambiente: problema e soluções. São Paulo: Expressão Popular, 2019.

SOLIVO, L. HISTÓRIA DO DDT NO BRASIL (1940 A 1980):: DE DEFENSIVO A VENENO. Orientador: Prof. Dr. Miguel Mundstock Xavier de Carvalho. 2022. Dissertação de mestrado (Mestre em História) - Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, SC, 2022.

VITAL, Nicholas. Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo. 1º ed - Rio de Janeiro: Record, 2017. 

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