CI

Minha calda "talhou". E agora?


Marcelo Hilário Figueira Garcia

MINHA CALDA “TALHOU”. E AGORA?

A equipe de preparo de calda que nunca se fez essa pergunta, que atire a primeira pedra!

As misturas de defensivos agrícolas e fertilizantes no preparo das caldas possibilitam não somente maior operacionalidade e praticidade no processo de aplicação destes produtos, mas também trazem aos produtores economia de tempo e combustível, dentre vários outros benefícios.

Em termos científicos e corretos, a mistura de tanque pode ser definida como a associação de dois ou mais produtos fitossanitários em uma única solução ou calda de pulverização, sendo aplicados de forma simultânea nas áreas de cultivo. No entanto, é fundamental conhecer as características dos produtos que serão misturados, a fim de evitar problemas no preparo, durante a aplicação e até mesmo a perda de eficiência de alguns ingredientes ativos.

O preparo da calda começa no conhecimento das propriedades da água que é utilizada. Qual é o seu pH? Quais são os teores de cálcio e magnésio (qual sua dureza)? E de ferro? Qual o pH final da calda, após a adição dos defensivos e fertilizantes?

Quantas perguntas.... mas que sem as devidas respostas, podem se tornar um pesadelo para o time de aplicação e para o produtor rural. Isso porque, mesmo quando a calda não “talha”, algumas interações entre defensivos e metais presentes na forma salina na água, ou mesmo entre defensivos e fertilizantes entre si, apesar de não serem detectadas visualmente, podem reduzir parcialmente a eficiência da mistura ou mesmo completamente seu efeito sobre o alvo.

Então precisamos entender cada uma dessas propriedades, e utilizar esse conhecimento a nosso favor. Vamos começar pelo pH, sem explicações de outro mundo.

O pH é uma medida do quanto ácida ou alcalina (básica) é uma solução AQUOSA (isso mesmo, tem que ter água!!!!). Para facilitar a nossa visualização e correlação com nosso dia-a-dia, segue abaixo uma ilustração com diversas soluções aquosas do cotidiano.

Figura 1 – Escala de pH de soluções aquosas encontradas no dia-a-dia

A escala de pH vai de 0 a 14 e indica a concentração de íons H+ presentes na água. É considerado mais ácido o pH mais próximo de 0 (zero), enquanto o mais alcalino é o mais próximo de 14. Em pH 7,0 ou bem próximo a ele, a solução é neutra, isto é, nem ácida, nem básica. Então, precisamos saber o pH da água que iremos utilizar, assim como o pH da calda após a adição de todos os seus ingredientes. Mas por quê?

Os defensivos agrícolas tem sua performance otimizada em determinadas faixas ou valores de pH, e ao contrário, podem ter redução de eficiência ou mesmo inativação, dependendo do pH da calda em que se encontram. Complexo? Nem tanto.

Via de regra, os herbicidas tem sua performance otimizada em pHs na faixa de 4,0 a 6,0. A exceção à regra é o Glifosato, cuja faixa ótima fica entre pH=2,6 e pH=5,6, com o valor ótimo ao redor de pH=4,0. Já a grande maioria dos fungicidas tem sua performance garantida na faixa de pH=5,0 a pH=7,0. Para os inseticidas, em geral se considera o pH ideal ao redor de 5,0. Mais especificamente, para os piretróides e os organofosforados, a faixa ideal de atuação é entre pH=4,0 e pH=5,0. Lembrando: essas faixas ótimas são relacionadas ao pH final da calda, onde o defensivo se encontra.

Na escola, quando estudamos química básica, aprendemos que se misturarmos um ácido com uma base, teremos a formação de um sal, e a produção de água. Trazendo para o campo: não dá para preparar uma calda com ingredientes que tenham pHs em faixas opostas, isso é, que sejam ácidos e alcalinos. Porque na calda, a reação entre eles, e a formação de sal, pode levar exatamente ao que no campo é conhecido como “talhar a calda”. A formação daquela “gororoba”, daquele “godo” que entope filtros, que gruda na parede e no fundo dos tanques, e se torna um pesadelo para os times de aplicação.

Observação importante: como saber o pH de cada um dos ingredientes da calda?

Essa informação vem na FISPQ (Ficha de Informação de Segurança de Produtos Químicos), mas pode também ser medida, com uma pequena parte de produto (poucos mililitros) diluídos em água, com fita de pH. Pegue meio litro de água, coloque 5 mililitros do produto, agite bem e coloque a fita, comparando as cores obtidas com a escala da caixa. Pode medir direto o produto dentro do frasco dele? NÃO!

Imagine por exemplo os produtos que são formulações do tipo CE (concentrado emulsionável), que não possuem água, ou mesmo as SC, extremamente concentradas e com pouca água. Lembra do que escrevi acima? Pensou em pH, pensou em bastante água!

Figura 2 – Medição de pH com fita

Resolvido o pH, vamos falar da dureza (cálcio e magnésio) e do teor de ferro da água. Muitas moléculas de defensivos interagem fortemente com esses três elementos, quando estão presentes na água sob a forma de cátions (metais em solução com carga positiva). E dependendo da quantidade de cada um deles, a redução da eficiência é muito grande, podendo chegar à completa inativação. No caso do ferro, por exemplo, a reação com glifosato e atrazina, gera complexos insolúveis, avermelhados, que precipitam no fundo do tanque ou são arrastados para os bicos, causando entupimento. Perda de eficiência na aplicação, perda de tempo para limpar filtros e tanques.  

E quando, por exemplo, é feita aplicação de calda com glifosato em uma área pouco tempo após sua calagem. Pegou a visão? Juntou os pontos? O cálcio na superfície vai se combinar diretamente com o herbicida e praticamente inativar o mesmo.

Mas e agora... a água que tenho para preparar a minha calda tem cálcio, magnésio e ferro. O que eu faço? Utilize adjuvantes que possuam em sua formulação agentes quelantes (ou quelatizantes), que sequestram estes cátions e garantem que eles não reajam com nenhum defensivo presente na calda.

Figura 3 – desenho esquemático de molécula de quelatizante sequestrando cálcio

Medi o pH, dureza e teor de ferro, adicionei quelatizante, condicionei a calda. Tudo certo? NEM SEMPRE!

Mesmo não ocorrendo incompatibilidades que levem à precipitação, formação de grumos, etc (a famosa calda “talhada”), algumas vezes interações químicas podem acontecer entre os ingredientes, gerando os chamados efeitos de interação entre os ingredientes da calda.

  • Efeito Aditivo: a mistura de dois defensivos tem um efeito igual à soma dos efeitos de cada um dos produtos aplicados separadamente, isto é, um não interage com o outro. Ex: Glifosato + Glufosinato
  • Efeito Sinérgico: a mistura dos dois defensivos tem um efeito maior do que se se fossem aplicados separadamente, isto é, um potencializa o outro. Ex: Glifosato + Saflufenacil
  • Efeito Antagônico: a mistura dos dois defensivos tem um efeito menor do que quando cada um é aplicado separadamente, ou seja, um defensivo reduz a eficiência do outro. Ex: Diclofop+2,4-D

Existe vasta literatura a respeito dessas combinações, uma busca rápida nos sites de pesquisa direciona para vários trabalhos realizados. Ao final deste artigo tem a lista das referências que utilizei para a elaboração do texto.

Para finalizar, não menos importantes do que todos os pontos discutidos acima, a quantidade de água usada na pré-mistura e o nível de agitação são pontos cruciais de boas práticas no preparo das caldas. Via de regra, deve-se colocar água até a metade do volume da pré-mistura, adicionar os defensivos, e se sobrar “espaço”, completar com água até o volume final. Tudo isso sob agitação constante, que deve ser a mais forte possível. E claro, respeitar a ordem de adição recomendada em função do tipo de formulação do produto a ser utilizado, para evitar problemas de incompatibilidade física. A seguir coloco uma ordem de adição onde estão incluídos os adjuvantes da empresa em que trabalho (2, 3 e 16).

Figura 4 – Ordem de adição de ingredientes em calda de pulverização

Quer saber mais sobre o assunto, tem alguma dúvida ou sugestão sobre o conteúdo? Me manda um e-mail ([email protected]) que eu terei o maior prazer em te responder e conversar sobre o tema.

Abraços fraternos, e até o próximo artigo.

Segue a lista das referências utilizadas no texto:

  • GAUVRIT, C. Glyphosate response to calcium, ethoxylated amine surfactant, and ammonium sulfate. Weed Technology, v.17, p.799-804, 2003.
  • MUELLER, T.C.; MAIN, C.L.; THOMPSON, M.A.; STECKEL, L.E. Comparison of glyphosate salts (isopropylamine, diammonium and potassium) and calcium and magnesium concentrations on the control of various weeds. Weed Technology, v.20, p.164-171, 2006.
  • CARVALHO, S.J.P et al; Pesq. Agropecuária Brasileira, Brasília, v.44, n.6, p.569-575, jun. 2009
  • https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/26783/1/livro-qualidade-agua.pdf
  • BARROSO, A. A. M.; MURATA, A. T. MATOLOGIA: ESTUDO SOBRE PLANTAS DANINHAS. Jaboticabal, 2021.
  • PORTAL DBO. TABELAS DE COMPATIBILIDADES E INCOMPATIBILIDADES FÍSICO-QUÍMICAS DE MISTURAS EM TANQUE DE AGROQUÍMICOS E FERTILIZANTES FOLIARES. Disponível em: < https://www.portaldbo.com.br/tabela-de-compatibilidade/ >, acesso em: 18/04/2022.
  • https://blog.aegro.com.br/tecnologia-de-aplicacao-defensivos-agricolas/
  • A. R. Van Scoy; R. S. Tjeerdema. Environmental Fate and Toxicology of Chlorothalonil, Reviews of Environmental Contamination and Toxicology 232, Springer International Publishing Switzerland 2014
  • INFORME TÉCNICO (Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) Volume: 1 Número: 3 Ano: 2021
  • Dalazen, G. Sinergismo na combinação de glifosato e saflufenacil para o controle de buva. Pesq. Agropec. Trop., Goiânia, v. 45, n. 2, p. 249-256, abr./jun. 2015.
  • Santos. C. A; Ribeiro, J. C. Desafios e Sustentabilidade no Manejo de Plantas. Editora Atena, 2019.
  • Melo, M. S. C. Alternativas para o controle químico de capim-amargoso (Digitaria insularis) resistente ao glyphosate. Revista Brasileira de Herbicidas, v.11, n.2, p.195-203, mai./ago. 2012.
  • Osipe, J. B. Espectro de controle, comportamento em misturas e intervalo de segurança para a semeadura de soja e algodão para os herbicidas dicamba e 2,4-D . 2015. Tese (Doutorado em Agronomia) - Universidade Estadual de Maringá.
  • Barroso, A.A.M. Interação entre herbicidas inibidores da ACCASE e diferentes formulações de glyphosate no controle de Capim-amargoso. Planta Daninha, Viçosa-MG, v. 32, n. 3, p. 619-627, 2014.
  • Vidal, R.A. Association of glyphosate with other agrochemicals: the knowledge synthesis. Revista Brasileira de Herbicidas, v.15, n.1, p.39-47, jan./mar. 2016.
  • Damo, L. et al. MISTURAS DE HERBICIDAS EM TANQUE: O QUE SABER? MIPD, n. 8, UFV, 2020

 

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.