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Desafios ambientais para produção animal no Brasil


Julio Cesar Pascale Palhares
Estudos de diversos organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas apontam o Brasil como o grande produtor de proteína animal do mundo nos próximos anos. Dentre as inúmeras vantagens que o país apresenta para atingir esta posição, uma que é destacada tanto pelos atores internacionais como pelos nacionais, é a sua disponibilidade de recursos naturais, principalmente o solo para o cultivo de grãos, como o milho e a soja; e a água, necessária em quantidade e qualidade.

 Sendo possuidor de uma grande vantagem ambiental, frente aos seus principais concorrentes no mercado internacional, a lógica de pensamento seria conservar os recursos naturais em quantidade e qualidade para que a posição de grande produtor seja mantida no longo prazo, gerando renda, empregos e divisas para o país. Cabe aqui destacar que para as ciências ambientais há uma diferença entre conservar e preservar os recursos naturais. A conservação está relacionada ao uso de forma sustentável, ou seja, consome-se o recurso, mas em equilíbrio com a capacidade de manutenção e reposição natural. Já a preservação é a não utilização, portanto se nos propormos a preservar uma fonte de água, esta não seria utilizada para dessedentação de humanos e animais ou qualquer outro uso. Com isto, as políticas, legislações e atuações profissionais na pecuária devem estar voltadas sempre para conservação dos recursos pois esta é grande demandante destes.
 Mas cabe a pergunta: o uso dos recursos naturais pela pecuária brasileira está se dando de uma forma conservativa ou exploratória? Certamente, exploratória! Diversos são os exemplos que atestam esta afirmação, gerando conflitos nacionais, estaduais e regionais. Citam-se os casos da bovinocultura na região amazônica, os clusters suinícolas e avícolas no Sul do país, a aquicultura no Nordeste e as concentrações animais junto a áreas densamente povoadas. Mas se é censo comum que a produção animal é uma grande geradora de empregos e renda e altamente dependente do meio ambiente, por quê a relação desta com os recursos naturais se dá de forma exploratória, colocando em risco o futuro desta produção e consequentemente dos governos, empresas e sociedades dependentes destas criações?
 A resposta para explicar esta atitude é complexa pois envolve culturas, interesses, realidades dos diversos atores nas várias cadeias produtivas animais. O objetivo principal deste artigo não é o de explicar esta atitude, mas do que deve ser feito para muda-la.
 Acredito haver duas alternativas para promover esta mudança, destacando que a escolha de uma não deve excluir a outra, mas sim complementa-la. Uma destas alternativas é eficiente no curto prazo, sendo ela a existência e exigência de leis ambientais que promovam o desenvolvimento da produção animal em equilíbrio com o meio ambiente. A outra alternativa, eficiente no médio e longo prazos, é a educação, entendida aqui como a transferência de conhecimentos, processos e tecnologias conservacionistas e ações de extensão rural. Esta educação também deve ser motivadora.
 A educação deve estar inserida em todas as políticas voltadas a pecuária nacional e estaduais e ser dever de empresas de pesquisa; universidades; agências rurais e ambientais dos estados; associações de produtores; agroindústrias, enfim qualquer órgão que tenha relação com a produção animal e vise seu desenvolvimento. Atualmente, conceitos como certificação, rastreabilidade, qualidade dos alimentos, bem-estar animal são utilizados quotidianamente tanto por uma nação que não quer colocar em risco a saúde e a confiança de seus cidadãos, como pelo consumidor nacional que quer produtos de qualidade. Então estes conceitos e práticas devem estar inseridos no dia a dia das criações e isto somente se dará através da educação dos atores produtivos. Um produtor não implementará um programa de rastreabilidade no seu rebanho se não souber como isso se dá, para que serve e quais as vantagens dele, mesmo que isso seja uma exigência legal, ele terá grandes chances de se manter na ilegalidade, devido a ausência do processo educativo que deveria acompanhar a legislação. Cabe lembrar que nenhum cidadão brasileiro pode alegar desconhecimento da lei para não cumpri-la, mas infelizmente, é uma realidade em nosso país a idéia de leis que pegam e as que não pegam, então se os órgãos fiscalizadores têm deficiências estruturais, financeiras e de pessoal, a educação se torna parte fundamental para o cumprimento das leis.
 Outro exemplo são as Boas Práticas de Produção Animal, diretrizes já muito utilizadas por diversos países para garantir a oferta de alimentos com qualidade, inclusive ambiental. Na maior parte destes países a adesão a estas é voluntária por produtores e agroindústrias, mas para aderir, implementar e desenvolver estes conjunto de práticas é preciso uma série de conhecimentos que vão desde o gerenciamento da produção, passando pelo seu manejo e disposição dos resíduos de forma não impactante. A adesão as boas práticas promoverá mudanças produtivas, econômicas, ambientais e sociais a médio prazo, mas para que isto ocorra é preciso que antes se eduque.
 Vale lembrar que o perfil produtivo brasileiro é tão diverso como sua natureza, indo desde o imigrante sulista que produz o frango mais competitivo do mundo, mas que raramente tem um nível de escolaridade que vai além do ensino fundamental, até o empresário localizado no Centro-Oeste do país que tem nível superior e negocia sua produção nos mercados internacionais. Estes dois precisam ser educados, a partir de metodologias diferenciadas, objetivando o desenvolvimento da produção animal pautado pelo conservacionismo dos recursos naturais.

 Destaca-se que a educação também deve se estender para as agroindústrias, notadamente nas cadeias produtivas de suínos e aves, onde a participação produtiva destas é muito grande através de seus sistemas de integração e parceria. Invoca-se aqui o princípio da co-responsabilidade ambiental destas na produção das matérias-primas, princípio já muito bem internalizado no setor industrial nacional e em certificações ambientais.
 Quanto a existência e aplicação de leis ambientais que regulem a produção animal estas não devem ser entendidas como uma forma de restringir o desenvolvimento das cadeias produtivas, mas sim de perpetua-lo no longo prazo, pois se concordamos que os recursos naturais são fundamentais para a produção animal, não tê-los em quantidade e qualidade, isto sim seria uma restrição ao desenvolvimento.
 Muitos atores pertencentes a estas cadeias produtivas defendem que não é preciso existir leis, pois eles têm “consciência” da importância do meio ambiente para a produção animal, portanto sempre irão conserva-los. Os fatos e conflitos difundidos nos meios de comunicação contradizem a existência desta “consciência”. Ainda, analisando-se a realidade de outros países, principalmente do hemisfério Norte, nenhum destes atingiu o equilíbrio ambiental de suas produções animais e os que evoluíram neste sentido não o fizeram sem a existência de um arcabouço legal muito bem estruturado e mais restritivo do que o brasileiro. Sabe-se que a “consciência ambiental” nestes países é maior do que no Brasil, por vários motivos, entre eles a escassez de recursos naturais e as pesadas punições para os que não cumprirem a legislação.
 Também é comum vermos defensores do afrouxamento das leis ambientais que incidem na produção animal. Este é um erro que também conduzirá a uma restrição ao desenvolvimento de nossas produções. As leis ambientais podem ser melhoradas mas não afrouxadas, sendo que isto deve se dar sempre com base nos avanços do conhecimento técnico-científico, e não nos interesses de determinados grupos públicos e privados. O afrouxamento pode conduzir a situações de profundo caos social e econômico que seria a proibição de produzir em determinadas áreas do país devido ao grande comprometimento ambiental. Este é um processo denominado de moratória produtiva já utilizado por países europeus e estados americanos, principalmente no caso da produção de suínos. A moratória não deve ser confundida com um zoneamento produtivo, gerado a partir de estudos que indicarão as áreas mais propícias para produção e aquelas que apresentam restrições.
 Analisando-se as leis ambientais que incidem na produção animal brasileira, basicamente aquelas que tratam do licenciamento de atividades como a suinocultura, avicultura, bovinocultura, piscicultura, etc., e as mesmas leis em outros países, conclui-se que nossas leis ainda são pouco restritivas, não determinando ações imprescindíveis para a conservação do meio ambiente. Que nossas leis terão que ficar mais restritivas, isso é uma fato, impossível de se precisar em quanto tempo se dará, agora o quanto teremos que restringir, isto dependerá da sensibilização dos atores das cadeias produtivas para as questões ambientais e dos programas educacionais que desenvolveremos.
 As leis não devem ter somente um caráter regulatório, mas também conter instrumentos de incentivo financeiro e exigências de co-responsabilidade de todos os atores das cadeias produtivas.
 Educação e legislação, certamente dois instrumentos fundamentais para a produção animal brasileira se manter em equilíbrio com o meio ambiente e que garantirão sua perpetuação produtiva, proporcionando ao país benefícios sociais, econômicos e ambientais.

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