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Enfezamentos: doenças do milho disseminadas por inseto


Por *Elizabeth de Oliveira Sabato e Charles Martins de Oliveira

Os enfezamentos podem passar desapercebidos em lavouras de milho quando sua incidência é baixa, com poucas plantas doentes distribuídas ao acaso na área, mas sempre causam redução na produção. Quando a incidência dos enfezamentos é alta, os prejuízos são severos, pode haver perda total da produção, e não há como não notar o fato.

Os enfezamentos do milho são doenças causadas por microrganismos denominados molicutes, que são transmitidos pela cigarrinha Dalbulus maidis (foto à direita). Esse inseto-vetor só se alimenta e se reproduz em plantas de milho, ocorrendo em praticamente todas as regiões produtoras de milho no Brasil.

Incidência e danos

Dependendo da susceptibilidade das cultivares de milho, das condições climáticas que podem favorecer o aumento populacional da cigarrinha D. maidis e da ocorrência de sobreposições do ciclo do milho, proporcionando aumento do inóculo dos agentes causais dos enfezamentos, podem ocorrer surtos epidêmicos dessas doenças, atingindo extensas áreas e causando prejuízos significativos. Surtos epidêmicos dessa magnitude foram registrados na safra 1994/95, na região sudoeste de Goiás, na safra 2005/06, na região oeste de Santa Catarina e no norte do Rio Grande do Sul. Perdas severas já foram diversas vezes constatadas, em diferentes safras, em lavouras localizadas no Estado do Mato Grosso do Sul, no Triângulo Mineiro, na região noroeste de São Paulo, no centro e na região noroeste de Minas Gerais, no sul da Bahia, e em diversas localidades da região sudoeste do Estado de Goiás.

Avaliações realizadas durante três anos consecutivos, em experimento implantado em diferentes localidades dos Estados de São Paulo, Goiás e Minas Gerais, nas épocas da safrinha e da safra de verão, mostraram que, em geral, os enfezamentos predominam na safrinha, em relação à safra de verão. Esse fato pode ser atribuído à proliferação da cigarrinha e à multiplicação do inóculo nos plantios anteriores à safrinha, e às condições climáticas favoráveis a essas doenças, na época de semeadura do milho safrinha. Assim, os plantios tardios estarão sempre mais sujeitos à maior incidência dos enfezamentos. A avaliação da incidência de enfezamentos na cultura do milho safrinha no Estado do Paraná, no ano 2000, mostrou níveis de incidência entre 6,2% a 49,9% das plantas com sintomas (média de 20,7%).

Infecção das plantas e sintomas

A infecção das plantas de milho pelos molicutes ocorre nos estágios iniciais de desenvolvimento, por ser o cartucho da planta o habitat preferencial da cigarrinha. As cigarrinhas infectantes migram de lavouras adultas doentes para as lavouras recém- implantadas e infectam essas plântulas. Contudo, os sintomas dos enfezamentos se manifestam tipicamente apenas por ocasião do enchimento de grãos. As plantas infectadas crescem com aspecto aparentemente normal, embora ocorra redução no crescimento das raízes, na área foliar e no comprimento dos internódios. Os enfezamentos afetam a fisiologia e a nutrição das plantas de milho e as plantas doentes apresentam maior teor de água que as plantas normais. Podem causar redução no crescimento das espigas e dos grãos, e ainda prejudicar a formação de grãos na espiga, ou o enchimento dos grãos, que ficam chochos. Algumas plantas se tornam totalmente improdutivas. As plantas infectadas secam precocemente. É curto o intervalo entre a manifestação dos sintomas e a seca da planta, o que muitas vezes também contribui para dificultar o diagnóstico. A magnitude dos efeitos prejudiciais dos enfezamentos depende não só da susceptibilidade da cultivar, mas das condições da temperatura ambiente. Essas doenças se desenvolvem bem sob condições de temperatura com intervalos em torno de 15/260C a 18/300C (dia/noite) e são tanto mais favorecidas quanto mais elevadas essas temperaturas forem, sempre em detrimento do desenvolvimento e da produção das plantas. Ainda, os sintomas e os efeitos prejudiciais dessas doenças são tanto mais intensos quanto mais precocemente ocorre a infecção das plântulas.

As temperaturas elevadas reduzem o período latente dos molicutes, nas cigarrinhas e nas plantas. O período latente na cigarrinha corresponde ao tempo necessário para o desenvolvimento do molicute nos tecidos do inseto, desde sua aquisição em uma planta infectada, até passar a ser transmitido quando a cigarrinha se alimenta em uma plântula de milho sadia e, em geral, varia de três a quatro semanas, sendo tanto menor quanto mais alta a temperatura ambiente. Essa cigarrinha infectante transmite o patógeno durante toda sua vida e esse tipo de transmissão denomina-se persistente propagativa. As cigarrinhas de ambos os sexos, e em qualquer estágio de desenvolvimento, sejam ninfas ou adultas, são capazes de transmitir os molicutes. O período latente, entre a infecção das plantas de milho e a manifestação de sintomas dos enfezamentos, é relativamente longo, visto que, em geral, os sintomas se manifestam tipicamente na fase de produção, sob condições de campo. Porém, quando os molicutes são inoculados em plântulas de milho cultivadas em vasos, os sintomas foliares dos enfezamentos podem se manifestar antes da fase de produção, em cerca de 60 dias, sendo esse tempo menor e a intensidade dos sintomas maior quanto mais elevadas forem as condições de temperatura a que as plantas infectadas forem submetidas.

Tipos de enfezamentos e características

Ocorrem dois tipos de enfezamentos no milho e é difícil distinguir entre os dois com base apenas nos sintomas, sob condições de campo. O enfezamento-pálido do milho (“corn stunt spiroplasma”) é causado por Spiroplasma kunkelii e o enfezamento-vermelho do milho (“maize bushy stunt phytoplasma”) está associado à presença de fitoplasma no floema das plantas de milho. Ambos microrganismos são procariontes pertencentes à classe Mollicutes. O sintoma diagnóstico do enfezamento-pálido é a presença de estrias esbranquiçadas irregulares nas folhas, próximas da base. Plantas com enfezamento-vermelho apresentam avermelhamento generalizado e proliferação de espigas. Porém, as plantas podem apresentar apenas amarelecimento generalizado e, eventualmente, algum avermelhamento, ou seca atípica, independentemente do tipo de enfezamento.

Resistência genética do milho

Estudos em campo e em condições controladas evidenciam resistência quantitativa do milho em relação ao espiroplasma, contudo, a natureza da resistência genética ao fitoplasma não é conhecida. Avaliações sob condições controladas mostram que, enquanto a maioria dos materiais genéticos submetidos à inoculação com espiroplasma apresenta sempre susceptibilidade a esse patógeno, com diferentes níveis de resistência, quando submetidos à inoculação com fitoplasma apresenta resistência completa.

Controle da cigarrinha

Produtos inseticidas neonicotinóides (imidacloprido e thiamethoxam) utilizados em tratamento de sementes de milho reduzem a população de cigarrinhas. Contudo, as cigarrinhas infectantes conseguem transmitir os molicutes para as plântulas em tempo menor que uma hora de alimentação, o que inviabiliza a proteção completa e efetiva por esses tratamentos, visando ao controle dos enfezamentos. Esses inseticidas estão registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para controle desse inseto, porém, o uso de inseticidas não tem sido recomendado como medida efetiva e garantida para controle dos enfezamentos.

Perspectivas

A ocorrência de surtos epidêmicos de enfezamentos, a partir da intensificação do cultivo do milho, com semeadura em várias épocas do ano, e do aumento das áreas cultivadas na safrinha, determinou desde 1995 a intensificação da pesquisa sobre essas doenças e o desenvolvimento de continuada campanha de orientação aos produtores para evitar o uso de práticas que as favoreçam (como plantios tardios) e para adotar outras que contribuam para minimizar sua incidência e danos (diversificação e rotação de cultivares, eliminação da “tiguera”). Houve também concentração nos diversos programas nacionais de melhoramento de milho para seleção de materiais resistentes aos enfezamentos.

Atualmente, diversas cultivares de milho com diferentes níveis de resistência aos enfezamentos estão disponíveis no mercado. Porém, os enfezamentos continuam presentes, em níveis variáveis de incidência, e sempre existe a possibilidade da ocorrência de surtos epidêmicos. As interações entre patógenos e hospedeiros são dinâmicas, com possibilidade da adaptação de variantes genéticas desses agentes causais de doenças. Assim, a pesquisa contínua nessa área busca sempre formas alternativas para controle dessas doenças e para garantir a durabilidade da resistência, visando maximização da produtividade.

*Pesquisadora do Núcleo de Biologia Aplicada da Embrapa Milho e Sorgo (Sete Lagoas-MG) e pesquisador da Embrapa Cerrados (Planaltina-DF)

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