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Sistema de cultivo sulco-camalhão e a diversificação de culturas no RS

Como o sistema possibilitou o cultivo de soja, milho e trigo em terras baixas


As terras baixas são definidas como áreas de várzea, de relevo plano e altitude próxima ao nível do mar. No Rio Grande do Sul, essa área corresponde a cerca de 6 milhões de hectares, no qual cerca de 900 mil hectares são cultivados com arroz irrigado. Recentemente, novas tecnologias estão sendo desenvolvidas que possibilitam a diversificação de culturas em terras baixas, como o sistema sulco-camalhão, que auxilia na drenagem e irrigação do solo nessas áreas de várzea.

A tecnologia de sulco-camalhão e as possibilidades de diversificação

Os solos de várzea apresentam baixa capacidade de armazenamento de água, o que faz com eles sequem rapidamente durante os períodos sem chuvas, ao mesmo tempo em que apresentam deficiência de drenagem após as chuvas intensas que costumam ocorrer durante a safra. Isso dificulta e até impossibilita o cultivo de milho e soja, por exemplo.
O sistema sulco-camalhão é a estruturação da lavoura para que seja possível a irrigação por sulcos e cultivo sobre camalhões, que permitem a drenagem de forma eficiente. É um sistema indicado para solos planos e declividades uniformes com média de 0,05 e 0,10%. O sistema também pode ser utilizado em áreas sem declive, porém com menor eficiência de drenagem em comparação com as áreas com declive. As pesquisas sobre o tema estão sendo conduzidas pela Embrapa Clima Temperado em parceria com empresas e produtores de soja da região desde a década de 2000. Desde a safra 19/20, iniciou-se o Projeto Sulco, que desde então tem demonstrado resultados positivos.
Os camalhões são construídos com equipamentos que ao mesmo tempo abrem os sulcos, criando uma zona de cultivo com solo mais profundo e sem compactação. O sulco além de ser utilizado para irrigação e drenagem, também é utilizado para o tráfego dos rodados das máquinas. 
Os principais benefícios do sistema, são que a tecnologia reduz o estresse hídrico em período de seca a partir da irrigação e também possibilita a drenagem em épocas de excesso de chuva, evitando o encharcamento do solo.  
Nos últimos anos, duas tecnologias implementadas no sistema foram fundamentais para o incremento em produtividade no sistema sulco-camalhão: a suavização do terreno, realizada através de geotecnologias que sistematizam a declividade da área e a utilização de politubos para irrigação (Figura 1).

Figura 1. Irrigação de soja por politubos. Fonte: Émerson Peres

Quais os processos envolvidos na construção do sistema?

A suavização da área é realizada através do levantamento planialtimétrico da área, que vai determinar a necessidade de suavização em alguma parte da área. Com software específico, são definidos os cortes e aterros a serem executados na área. Na elaboração do projeto são definidas a declividade média da área e também o sentido dos camalhões. 
Como a suavização do solo causa a compactação do solo, torna-se necessário a escarificação da área (em torno de 30 cm de profundidade). Visando atingir elevados potenciais produtivos, deve-se investir em correção e adubação da área, sempre levando em consideração os resultados obtidos na análise do solo. O ideal é que a pH do solo seja corrigido para 6. Para a cultura da soja, a adubação geralmente é realizada para uma expectativa de produtividade de 5 mil kg/ha e para a cultura do milho, de 12 mil kg/ha.
Os camalhões são então construídos com aproximadamente 20 cm de altura e espaçamento de centro a centro de 90 cm. 
A semeadura na área é realizada com semeadoras adaptadas para semear com espaçamentos de 30 cm entre linhas no camalhão e de 60 cm entre linhas de camalhões diferentes.
Através do balanço hídrico, é possível determinar o momento ideal de irrigação da cultura, levando em consideração a umidade do solo no momento de semeadura, a ocorrência de chuvas e também a evapotranspiração da cultura. Os politubos tem sido um método eficiente de irrigação para o sistema, onde é possível projetar de forma sistematizada. Em um software, são inseridos dados como a declividade do terreno, a vazão por hectare e a textura do solo. A partir desses dados, são gerados o tempo de irrigação, o diâmetro indicado de politubo e de furos a serem realizados no politubo. Geralmente os diâmetros dos tubos são diferentes, para que a diferença de vazão compense a diferença no comprimentos dos sulcos.

Por que diversificar o cultivo em terras baixas?

Maior rentabilidade por unidade de área e diversificação de receita – O cultivo do arroz é basicamente para atender o mercado interno, diferente da soja e milho que são produtos amplamente exportados pelo Brasil e que também atendem a indústria de alimentação animal e humana. Além disso, os incentivos governamentais para a produção de arroz são menores em comparação com as culturas citadas. Com a oscilação dos preços, a diversificação garante ao produtor um estabilidade em termos de rendimento por safra.
Controle de plantas daninhas, pragas e doenças – O monocultivo de arroz causa a resistência de algumas plantas daninhas à moléculas de herbicidas que são usados massivamente. “A diversificação, principalmente quando se fala em soja, tem o benefício de contribuir com o controle plantas daninhas resistentes como capim arroz, arroz vermelho e outras, já que são usados herbicidas com diferentes princípios ativos”, salienta o engenheiro agrônomo José Bernardo Moraes Borin. A diversificação também reduz a pressão por pragas e doenças, já que interrompe o ciclo pela ausência do hospedeiro, principalmente quando se insere plantas de diferentes famílias no sistema.
Capacidade de irrigação – a estrutura da áreas de produção de arroz irrigado possibilita o cultivo irrigado sem grandes investimentos, tanto para soja, quanto para o milho. Nas últimas safras tem sido observado a importância da irrigação, principalmente para o cultivo do milho, já que sem esse recurso há grandes riscos de prejuízo, principalmente em anos de La Niña.
Aumento da qualidade do solo – A diversificação pode também contribuir com a qualidade do solo, já que propicia o aumento dos estoques de carbono e nitrogênio do solo, devido ao aporte de resíduo vegetal de boa qualidade, principalmente nas camadas superficiais. Também contribui com o aumento da diversidade biológica do solo, já que ao inserir diferentes espécies e grupos funcionais proporciona a presença de diferentes compostos exsudados pelas raízes, e diferentes tipos de resíduos em diferentes estágios de degradação ciclando nutrientes, assemelhando-se ao que ocorre em ambientes naturais.

Os resultados do Projeto Sulco

O projeto que teve início na safra 19/20, visando a introdução de soja em terras baixas, tem tido a área expandida ano após ano. Os resultados positivos, levaram o projeto a realizar testes também na cultura do milho. 
Desde a implantação do projeto, houveram safras com perdas expressivas de produtividade em função da estiagem no estado. O que possibilitou reforçar a importância do investimento em irrigação, principalmente para o cultivo do milho.
O sistema sulco-camalhão tem aumentado em média, 37% a produtividade na cultura da soja. Na prática, há um aumento médio de 28,2 scs/ha com a utilização do sistema (Figura 2). Outro dado importante, é que o custo médio de implantação e manutenção do sistema equivalente a 3,5 sc/ha.

Figura 2. Produtividade média da cultura da soja no Projeto Sulco. Fonte: Projeto Sulco/Pipe BR

Esses dados demonstram que o sistema tem a capacidade de gerar uma estabilidade produtiva ao produtor, independente das condições climáticas. Podendo atingir altas produtividades em um sistema bem manejado, mesmo em períodos de déficit hídrico. 

Cultivo de safra de inverno 

Recentemente o Senar-RS tem realizado uma série seminários em diferentes regiões do estado, com o objetivo de estimular os produtores a adotar o cultivo hibernal em áreas que atualmente são cultivadas apenas no verão. A medida seria capaz de ampliar a renda do produtor rural em até 40%, trazendo um impacto de até 7% ao PIB do estado.
O sistema sulco-camalhão traz essa possibilidade para o cultivo hibernal em terras baixas. Na safra atual, diversas áreas experimentais com o cultivo de trigo e outras culturas de inverno foram implantadas. O potencial é grande e demostra uma oportunidade de renda além do cultivo de verão, já bem estabelecidos. Essa renda ajudaria a diluir o custo da implantação do sistema sulco-camalhão. 
Após o sucesso do cultivo de soja e milho em sistema sulco-camalhão, o produtor Émerson Peres de Camaquã (RS) está apostando no trigo como cultura de inverno no sistema (Figura 3). Segundo o produtor, a lavoura já está em estágio reprodutivo e foram realizadas aplicações preventivas de fungicida na área. Ainda segundo ele, por se tratar em uma cultura de risco, mesmo que a produtividade não traga retorno financeiro, haverá a melhoria do sistema pela adição do resíduo vegetal e ciclagem de nutrientes que beneficiarão a cultura sucessora (nesse caso, a soja).

Figura 3. Trigo em estágio reprodutivo cultivado em terras baixas, no sistema sulco-camalhão (agosto/2023). Fonte: Émerson Peres

 

Franquiéle Bonilha da Silva

Dra. em Ciência do Solo

 

Referências:

CAMPOS, A. D. S. et al. Utilização da tecnologia sulco-camalhão na produção de soja e milho em terras baixas do Rio Grande do Sul. Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2022.

FEIX, R. D. et al. Painel do agronegócio do Rio Grande do Sul - 2022. Porto Alegre: SPGG, 2022

SENAR RS. Seminário Duas Safras. Disponível em: https://www.senar-rs.com.br/noticias/seminario-duas-safras-apresenta-novo-painel-de-debate-em-sarandi
 

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