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Apagão portuário muda entendimento do Governo


Reginaldo Minaré
Em fevereiro de 1993 foi publicada a Lei Federal nº 8630, conhecida como Lei dos Portos, que dispõe sobre o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias.

No mês de agosto de 1993 o Partido Socialista Brasileiro – PSB, o Partido Comunista do Brasil – PC do B e o Partido Democrático Trabalhista – PDT, propuseram Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 929, pedindo a declaração da inconstitucionalidade de diversos dispositivos da Lei dos Portos, entre eles o artigo 4º, § 2º, inciso II alínea b. Esse dispositivo assegura, por meio de autorização do Poder Público, modalidade que dispensa licitação, o direito do interessado proprietário de terreno construir e explorar uma instalação portuária de uso privativo misto sem qualquer limitação de percentual para movimentação de carga própria e de terceiros.

Os autores da ADI argumentaram que o mencionado dispositivo não poderia permitir que nas instalações portuárias de uso privativo misto fosse realizado esse tipo de movimentação de carga própria e de terceiros, visto que, para tanto, teriam que passar pelo processo de licitação.

Embora os argumentos utilizados pelos proponentes da ação sejam pífios e insuficientes para conferir fundamentação a uma declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos contestados, visto que esse comando da Lei dos Portos encontra total respaldo do artigo 21, inciso XII alinea f da Constituição Federal, a ADI 929 aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal – STF. A ministra Ellen Gracie é a relatora do processo.

Seguindo a tese defendida na inicial da ADI 929 em 1993 e, assim, procurando inviabilizar a construção de portos privativos mistos no Brasil, a Antaq publicou em 2005 a Resolução 517 exigindo que para a autorização de um terminal privativo de uso misto seria necessário que o interessado demonstrasse que possuía carga própria suficiente para a implantação do terminal. Exigência que foi reafirmada pelo presidente Lula com a publicação do Decreto nº 6.620/2008. Poucas são as empresas no Brasil que possuem carga própria em quantidade necessária que justifique a construção de um terminal de uso privativo misto. Na prática, esses comandos inviabilizaram o investimento privado.

A ação do Governo no sentido de inviabilizar esse tipo de investimento durou até 2010, quando a Antaq publicou a Resolução nº 1.660/2010 inovando radicalmente o ordenamento jurídico e relativizando a inconstitucionalidade alegada na ADI 929.

A Resolução nº 1.660 da Antaq dispõe que cargas de terceiros, oriundas de atividades vinculadas a projetos apoiados pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste – SUDECO poderão ser consideradas cargas próprias, o que permite o seu transporte pelos portos privativos que não foram objetos de licitação.

Evidente que, considerando a boa técnica no campo do Direito, essa Resolução da Antaq não tem o poder de sanar nem relativizar aquela inconstitucionalidade fundamental apresentada na inicial da ADI 929.

Entretanto a Resolução nº 1.660/2010 da Antaq não apresenta contradição apenas com o entendimento ferrenhamente defendido pelo Governo em passado recente, sua redação contém uma engenharia normativa que é uma verdadeira pérola jurídica. A Resolução em comento mantém uma definição de carga de terceiros que continua inviabilizando a aplicação plena da Lei dos Portos e impedindo que cargas de terceiros sejam proibidas de embarcar em um terminal privativo ou privativo de uso misto pelo simples fato de não ser oriunda de projetos apoiados pela SUDENE, SUDAN e SUDECO. Para cargas advindas de projetos não apoiados pela SUDENE, SUDAN e SUDECO aplica-se a seguinte definição: Cargas de terceiro é "aquela compatível com as características técnicas da infraestrutura e da superestrutura do terminal autorizado, tendo as mesmas características de armazenamento e movimentação, a mesma natureza da carga própria autorizada que justificou técnica e economicamente o pedido de instalação do terminal privativo, conforme §1º deste artigo, e cuja operação seja eventual e subsidiária".

Evidente que a liberação de transporte de cargas de terceiros em terminal portuário privado, mesmo da forma como foi feito, é um fato totalmente positivo, legal e constitucional. Contudo, essa atitude demonstra o quanto o Governo foi e continua sendo incoerente e inconseqüente com o setor.

Será que o Governo mudou de opinião a respeito da necessidade de licitação prévia de um terminal portuário para que o mesmo possa transportar cargas de terceiros, que antes era defendida como imposição constitucional?

Será uma atitude utilitarista diante da dura realidade de ver o Brasil caminhando a passos largos para o agravamento do já existente apagão portuário?

Será que o Governo se convenceu que a Lei dos Portos não tem nenhuma inconstitucionalidade ao permitir que sejam construídos portos privativos para o transporte de cargas próprias e de terceiros em qualquer quantidade?

Fundamental que essa inovação jurídica seja levada ao conhecimento da relatora da ADI 929, pois uma decisão do STF nessa ação, reconhecendo a constitucionalidade dos dispositivos da Lei dos Portos que são constestados, seguramente dará uma garantia maior ao empreendedores do setor, visto que eles não ficarão reféns dos humores ou dos interesses dos administradores publicos.

A construção é operação de terminais portuários privativos mistos, sem qualquer limitação de percentual de carga própria e de terceiros, está totalmente de acordo com a Lei dos Portos, comando legal que, como foi visto, tem total respaldo do artigo 21, inciso XII alinea f da Constituição Federal.

Reginaldo Minaré

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