
Água: Ouro Azul
Por Carlos Arantes*
Conhecido por nós, simplesmente por água, trata-se de mais importante commodity ambiental**, pois várias outras commodities orbitam em torno dela, como por exemplo, produção de grãos, atividades pesqueiras, madeira, resinas vegetais e etc...
Segundo artigo publicado na Revista Tempo Verde (abr/mai-99), os estoques mundiais de água formam um volume de 1,5 bilhão de Km3, a verdade é que cerca de 97,5% desse total são constituídos de água salgada. Restam, portanto, 2,5% que ainda incluem os gelos polares.
Resultando no seguinte:
Estoque total de água do planeta: 1,5 bilhão de Km3
Volume mundial disponível para consumo: 9 mil de Km3
Superfície da Terra coberta pela água: 372 milhões de Km3
População sem acesso à água potável: mais de 1,4 bilhão de pessoas
Segundo o vice-secretário geral da ONU, Hans van Ginkel, "conflitos por causa de água, guerras civis e internacionais ameaçam tornar-se um fator-chave do panorama mundial no século XXI".
À corroborar, as disputas de terras no Oriente Médio e Ásia.
"As guerras futuras terão lugar na Ásia Central e no Mar Cáspio, donde estes recursos seguem abundantes e, os governos, por demasiado débeis para proteger-los, afirma Michael Klare, analista de doutrina estratégica dos EUA, segundo informe de Jim Lobe".
Klare, professor da Universidade de Hampshire, adverte que não somente os EUA se preparam para esses conflitos, sendo que todas as potências regionais desenvolvem planos para aumentar seu acesso a recursos vitais para a próxima geração. Assim, nos ministra em seu livro Resource Wars: The New Landscape of Global Conflict (Guerras pelos recursos: a nova paisagem dos conflitos mundiais).
"Com o crescimento da população e o conseguinte aumento a demanda de água e alimentos, cada um dos estados ribeirinhos tentará utilizar ao máximo os recursos disponíveis". afirma Klare, "E quando as ações de um destes estados provoquem uma diminuição no abastecimento de outros, existirão aí, as condições necessárias para um conflito pela distribuição da água".
Como exemplo, temos a Turquia que vem construindo represas enormes para captação e retenção de água nos Rios Tigre e Eufrates, históricos de formação da Mesopotâmia.
Consoante Fajardo (José Carlos García) "a guerra pela água já começou, ainda que, todavia, somente se fale dos hidrocarbonos. Como resultado, os conflitos se transladaram cada vez mais a regiões com recursos naturais abundantes, que haviam sido esquecidas durante a guerra fria" (USA x URSS).
O resultado, consoante Klare, é "uma nova geografia estratégica, definida pela concentração de recursos e não pelas fronteiras políticas". Os Estados não teriam tanta importância quanto os interesses nesta escalada cega dos poderes econômicos sobre os sociais. – "Padecerão os seres humanos, reduzidos a meros recursos úteis para serem explorados".
Klare cita ainda que "a luta por água doce pode fazer-se crítica nos próximos anos em vastas áreas que se estendem desde o norte da África até Ásia Meridional. Existem estudo que demonstram que na Europa se estão comprando e privatizando todos os recursos hídricos".
Diferente cenário vemos no Brasil, mais precisamente em Minas Gerais onde várias empresas de exploração de água mineral foram vendidas a Multinacionais.
Na cidade de Araçatuba-SP, até há pouco tempo, haviam duas minas de água mineral, água oriunda destas, colhida diretamente pela população. Hoje com a contaminação de seus mananciais, estas águas tornaram-se impróprias para consumo "in natura", e estas "bicas" abandonadas.
O uso indiscriminado de agrotóxicos, despejo de lixo em áreas marginais aos córregos ou construção de lixões, destruição da mata ciliar (área de preservação permanente), despejo de esgoto "in natura" nos córregos, fossas negras ou fossas clandestinas, loteamentos clandestinos e desordenados, falta de ZEE Zoneamento Econômico-Ecológico, vem contribuindo para diminuir ainda mais a oferta de água potável à população.
Em áreas rurais temos problemas tão ou até mais graves. Projetos de irrigação e captação mal feitos ou conduzidos, despejo de dejetos e lavagem de embalagem de agrotóxicos nestes mananciais, são impactos de alta grandeza.
Ainda de acordo com o relatório da ONU, a escassez de água é agravada pela poluição, pelo uso ineficiente e pelo consumo insustentável dos lençóis subterrâneos através dos poços artesianos. As reservas hídricas também são prejudicadas por sua administração insuficiente e fragmentada, relutância em tratar a água como patrimônio econômico público e pela inadequada preocupação com a saúde e questões ambientais. (rtv-1999)
Hoje já sabemos que o estoque utilizável de água potável, de 9 mil Km3 ao ano, está próximo do esgotamento. Na região metropolitana de São Paulo, metade da disponibilidade de água está afetada pela existência de lixões sem qualquer tratamento sanitário. A água contaminada é responsável pela transmissão várias doenças como desinteria e cólera, entre outras.
Quanto maior o índice de contaminação, maiores os custos para tratamento, o que irá, por certo, onerar o bolso do contribuinte. Além do que, após certo grau de contaminação fica este rio impossibilitado de fornecer água para consumo, como por exemplo os Rios Tietê e Pinheiros que cortam a capital de São Paulo. Ainda temos os impactos antrópicos nas represas Billings e Jacupiranga, fontes vitais de águas para a região metropolitana de São Paulo.
Estão estes rios "mortos"? Podemos dizer que "temporariamente sim". Com vontade política e boa dose de investimentos pode-se reverter o quadro, em espelho do que aconteceu com rios europeus como Tamisa, Sena, e outros.
A pressão antrópica, ou populacional sobre os recursos hídricos é tamanha que, recentemente o Governo Federal criou a Agência Nacional de Águas para procurar regulamentar o uso desta commoditie, inclusive com cobrança por seu uso.
Em outras regiões do Brasil a história não é muito diferente: metais tóxicos, como o mercúrio usado no garimpo, acumulam-se criminosamente em nossas águas. Para cada 450 gramas de ouro extraídos dos rios da Amazônia, o dobro de mercúrio é despejado na água resultando num cálculo assustador: cerca de 100 toneladas anuais desse metal envenenam a Bacia Amazônica. (Secretaria de Estado do Meio Ambiente)
Segundo a Universidade Livre da Mata Atlântica: três quartos da superfície da Terra são cobertos com água. Dessa água 97% está nos oceanos e 3% é água doce. Destes 3% de água doce, 2% formam geleiras inacessíveis, restando apenas 1% de água doce disponível, armazenada em lençóis subterrâneos, rios e lagos, distribuída desigualmente pela terra. O Brasil possui 8% do total de toda água doce disponível no planeta. A água pode ser considerada um recurso inesgotável, na maioria dos ecossistemas, enquanto houver uma fonte de energia solar capaz de fazê-la mudar de estado físico e circular no ambiente Os seres vivos podem ter até 98% de seus tecidos constituídos por água. O ser humano possui cerca de 63% de água em seu corpo.
Consoante Chacon (José – Presidente do CREA-RJ) "Não podemos separar desenvolvimento de sustentabilidade. É preciso mudar os modelos atuais que se baseiam na errônea idéia de que os recursos naturais são inesgotáveis e numa estreita visão que desconsidera o inter-relacionamento de uma determinada atividade com o meio. Quando preconizamos, por exemplo, a preservação das matas ciliares e a implantação de medidas que evitem a poluição dos rios e do lençol freático, é porque qualquer forma de degradação dos mananciais compromete inúmeras espécies, inclusive o homem. Logo, o múltiplo uso dos rios, para fins de geração de energia, transporte, lazer, irrigação, uso industrial, fonte de alimentos e de abastecimento de águas para o saneamento básico das cidades deve ser feito sem comprometer a existência dos cursos d' água, ou seja, manter a sustentabilidade do recurso para garantir por um longo prazo o desempenho destas atividades".
Entende-se que em um prazo médio de cinqüenta (50) anos, caso o desperdício e a degradação dos recursos hídricos se mantenha, não existirá mais água própria para o consumo humano no planeta.
"A população mundial vem crescendo, mas as fontes de água potável diminuem. O programa das Nações Unidas já alertaram para um possível colapso das reservas de água doce em 2025." (CHACON)
Quanto a ANA –Agência Nacional das Águas, segundo CHACON, "um dos principais problemas, já no texto de lei da sua criação, é a falta de garantia explícita de que o dinheiro arrecadado nas bacias seja investido em favor das próprias".
O maior impacto causado pela escassez da água será o desaparecimento da vida.
Segundo o presidente da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação (RNPUC), Ibsen Câmara "A perda das florestas causou uma erosão desenfreada e, conseqüentemente, o assoreamento de rios e reservatórios"
Para a RNPUC, algumas ações vêm sendo tomadas para se evitar o déficit maior de água, em especial nos reservatórios. Como exemplo, Maria Tereza de Pádua Jorge, presidente da Funatura e membro da RNPUC, citou como ação para se evitar um déficit maior de água, a revitalização do rio São Francisco, que corta todo sertão nordestino, com o reflorestamento das nascentes dos tributários, além da aplicação de recursos pelas empresas do setor energético na preservação das unidades de conservação de so indireto.
Em espelho da Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro, a qual era ocupada por cafezais e fora replantada, por D. Pedro II, com espécies nativas, visando proteger e recuperar os mananciais de abastecimento da cidade.
Segundo Miguel Milano, diretor da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, "se queremos água em quantidade e qualidade, se queremos proteger a rica biodiversidade do País e se queremos desenvolver o ecoturismo, precisamos ter uma política séria e eficiente de proteção das áreas naturais que ainda nos restam".
O desmatamento extensivo, principalmente nas cabeceiras dos rios, e a retirada das matas ciliares são as principais causas do déficit de água nos rios e reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro Oeste.
Em artigo publicado na Gazeta Digital de 31 de agosto p.p., de autoria de Keka Werneck, sob o título "Desmatamento estrangula mananciais e agoniza 4 rios", Domingo Iglesias, coordenador da defesa civil do estado do Mato Grosso, diz que o rio Cuiabá pode sofrer o esgotamento total; a previsão se define daqui a 25 anos. Estão se esgotando, rapidamente, os quatro principais mananciais hídricos de Mato Grosso. Nesta ordem, agonizam os rios Paraguai, Araguaia, Guaporé e Cuiabá.
Pelos motivos apresentados e muitos mais que ainda poderíamos elencar, daí ser o ouro azul, considerado a mais importante commodity ambiental*, merecer o nosso respeito e maiores estudos e ações para sua conservação.
Commodity Ambiental**- conceituado por Amyra El Khalili e Serrano Neves - O conceito é uma síntese do conjunto de debates e principais documentos elaborados pela sociedade civil organizada, governos e iniciativa privada das propostas para gestão dos recursos naturais brasileiros e conflitos sociais.
O modelo macro econômico brasileiro - Commodities Ambientais, objetiva a manutenção do Estado de Direito e sua transição para uma economia justa, socialmente digna e politicamente participativa e integrada.