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A realidade da agricultura familiar


Amélio Dall’Agnol

O Brasil deu um salto digno de registro na sua trajetória agrícola. Em poucas décadas passou de importador para o segundo maior exportador de alimentos e a caminho da liderança global. A pergunta que fica é: quem processou esse milagre! Há quem atribua aos agricultores familiares grande parcela desse mérito. Segundo veiculado pelo Portal Brasil, em 24 de julho de 2015, 70% da produção de alimentos e 35% do PIB nacional são conquistas da agricultura familiar. Quem, nessa conta, foi computado como agricultor familiar?

Entende-se por agricultura familiar o cultivo da terra realizado por pequenos proprietários rurais, tendo como mão-de-obra essencialmente o núcleo familiar e cuja renda não ultrapasse os R$ 360 mil/ano. O agricultor familiar se caracteriza, mais pela pouca renda, do que pela pequena área que cultiva, embora, na maioria das vezes, a área pequena e o lucro, também pequeno, caminhem juntos. 
O produtor Blairo Maggi, cuja família cultiva mais de 200 mil ha de soja, milho ou algodão no Mato Grosso, não pode ser

considerado um agricultor familiar só porque essa grande propriedade é controlada pela família. Também, não pode ser tomado como agricultor familiar um produtor rural que cultiva 20 ha de hortaliças, só porque a área é pequena, mas gera lucro superior a um milhão de reais por ano. Da mesma forma, não é um produtor familiar um proprietário de 10 ha de terra, mas cobertos por dezenas de imensos aviários que finalizam mensalmente para o abate, centenas de milhares de frangos. Por outro lado, pode ser considerado agricultor familiar um proprietário de considerável gleba de terra, mas com renda inferior a R$ 360.000,00/ano, porque incapaz de beneficiar-se das modernas ferramentas tecnológicas de produção e de gestão do negócio agrícola, indicando que o nível cultural também conta. Esse contingente, infelizmente, fica à margem dos benefícios do agronegócio.

Fica, pois, difícil entender como o Portal Brasil possa atribuir à agricultura familiar tamanha participação no agronegócio nacional. Apenas para ilustrar, cerca de 50% da produção de alimentos do Brasil provêm de apenas 27.000 propriedades rurais. Os restantes 50% são divididos entre os mais de 4.000.000 de proprietários e cujo montante vem caindo anualmente. Segundo o Censo Agropecuário de 1995/96, o número de propriedades agrícolas com menos de 100 ha – consideradas familiares – foi reduzido em quase um milhão de unidades em uma década (1985/95).

Os pequenos produtores de grãos e fibras, predominantes na agricultura brasileira até meados dos anos 70, estão paulatinamente sendo alijados do mercado pelos grandes empreendimentos agrícolas - familiares ou não - que produzem mais, melhor e com menor custo. Os pequenos têm dificuldade de competir com essas corporações gigantes do agronegócio, dadas as facilidades que as mesmas têm para acessar as mais modernas ferramentas de produção e estratégias de marketing. Também, a tendência indica que a produção de alimentos concentrar-se-á cada vez mais em alguns países (EUA, China, Índia, Brasil e Rússia) e, dentro dos países, em grandes empreendimentos agrícolas empresariais, como já acontece com o restante da economia: energia, fertilizantes, comércio de grãos, remédios e agrotóxicos. Ser grande é fundamental para sobreviver nesse cenário de feroz competição. Ao pequeno sobrarão os nichos de mercado que demandam muita mão de obra e que, por causa disso, os produtos são mais valorizados, proporcionando ganhos maiores com volumes menores.


 

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