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A tecnologia viabilizou a soja no Cerrado


Amélio Dall’Agnol

O que era o Cerrado antes da soja! Uma terra ácida e infértil, portanto desvalorizada e desprezada: “Cerrado, nem dado e nem herdado” desdenhavam muitos brasileiros nos idos de 1950. Hoje é o celeiro do Brasil, suas terras tão valorizadas quanto as da região sul. A soja foi o motor dessa transformação.

Até o início da década de 1970 havia grande demanda por farinha de peixe que servia como matéria prima proteica para a fabricação das rações dos animais domésticos produtores de carne e essa demanda era atendida pela pesca da anchova na costa peruana. Com a queda dessa atividade, houve expressivo incremento da demanda global por soja, como nova matéria prima. Nesse momento, o Brasil descobriu-se com potencial para ser grande provedor da oleaginosa, cuja cultura migrou de lavoura marginal nos anos 50 e 60 para a liderança do agronegócio nacional a partir dos anos 70, alçando o País à condição de grande player mundial no mercado de soja. 

A febre pelo cultivo da oleaginosa na região sul do Brasil, onde se concentrava a quase totalidade da produção até 1980, foi incentivada pelos altos preços do grão no mercado mundial durante a primeira metade dos anos 70, o que determinou uma busca frenética por áreas disponíveis nessa região; mas quem tinha não vendia ou pedia preços exorbitantes. Áreas de pastagem e mesmo áreas ocupadas com outras culturas (milho, trigo, feijão, arroz...) na região, cederam espaços para o cultivo da soja, o que não foi suficiente para aplacar a determinação dos sojicultores pelo cultivo de mais soja. O jeito foi buscar outras terras para atender essa demanda: o Bioma Cerrado, localizado na região central do país, foi a solução. 

Grande contingente de agricultores da região sul migraram para o Brasil Central, onde as terras eram abundantes e baratas. Foi o começo de uma série de acontecimentos que levaram o desenvolvimento para uma região despovoada, desvalorizada e desprestigiada, rapidamente convertida no maior polo produtor de grãos, fibras e carnes do Brasil, graças ao dinamismo, garra e determinação desses pioneiros. 

Mas o começo foi difícil, pois o solo de Cerrado é ácido e infértil, além de localizado em latitude inapropriada para o plantio das variedades comerciais cultivadas com êxito no sul do Brasil, nessa época. A Embrapa Cerrados teve papel preponderante no desenvolvimento e disponibilização de tecnologias de correção e fertilização dos solos de Cerrado, o que muito contribuiu para a viabilização do Bioma como a principal área agrícola do Brasil.

Para cultivar a oleaginosa na região de baixa latitude do Cerrado foi necessário alterar algumas características da planta, o que foi realizado com êxito ainda nos anos 70, viabilizando o cultivo da soja com igual eficiência em todo o território nacional. A principal transformação processada nas plantas adaptadas para produção no Cerrado foi a incorporação da característica “período juvenil longo”, a qual inibe a floração precoce das plantas de soja, permitindo deslocar seu cultivo - antes restrito à região sul - para qualquer latitude do território brasileiro. A Embrapa Soja, juntamente com outros parceiros da pesquisa, foi parte decisiva nessa tarefa. 

Essa característica, além de possibilitar a semeadura da oleaginosa em regiões de baixa latitude, também permitiu ampliar o período de semeadura no âmbito de uma mesma região (Setembro a Janeiro no Paraná, por ex). Vale ressaltar que a semeadura antecipada da soja, realizado com cultivares precoces, permite o cultivo do milho safrinha - atualmente a safra principal - incrementado significativamente a renda do produtor com duas colheitas no período primavera/verão.

Infértil e ácido, mas profundo, bem drenado, plano e bem servido de chuvas na primavera/verão, o desenvolvimento do Cerrado deveria ser considerado um dos maiores eventos do século XX. Essa foi a impressão que o Dr. Norman Borlaug, Prêmio Nobel da Paz de 1970, teve ao visitar o Cerrado brasileiro em 1995. 

Este milagre tem tudo a ver com a soja.
 

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