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MP do Agro vira lei e traz esperança para o crédito agrícola


Opinião Livre

Por Bernardo Vianna Waihrich1

A Medida Provisória 897, editada pelo Poder Executivo em outubro do ano passado e recentemente convertida na Lei Nº 13.986, de 7 de abril de 2020, trouxe inúmeras mudanças no Sistema Privado de Financiamento do Agronegócio. Dentre elas, significativas alterações na Lei 8.929/94, norma de regência da Cédula de Produto Rural - CPR.

Após sujeitar-se à Comissão Mista, o texto original da chamada MP do Agro restou significativamente modificado. No tocante à CPR, dentre outras mudanças, uma em particular foi bastante polemizada, qual seja, a Emenda 214 do deputado Neri Geller do (PP-MT), que conferia aos bens e créditos objeto da CPR caráter excludente em relação à Recuperação Judicial (RJ) do produtor rural.

Nesse ínterim, observamos acirrado debate, dividindo opiniões entre financiadores e produtores rurais. Para os primeiros, era medida essencial para segurança jurídica e estímulo ao financiamento privado da atividade rural. Para os segundos, medida extremada diante da vulnerabilidade do setor e desequilíbrio da relação credor-devedor.

Ao tramitar no Congresso Nacional, entretanto, a emenda 214 restou rejeitada nas duas casas legislativas, mantendo-se, nesse ponto, o texto original da MP.

A despeito da polarização de opiniões, a favor ou contra, parece-nos haver uma luz em direção à pacificação da aparente divergência.

Notemos que o texto final da Lei 13.986/20, complementando o artigo 8º da Lei da CPR, ampliou a possibilidade de constituição da garantia de alienação fiduciária de produtos agrícolas de forma expressa e abrangente, hipóteses antes omissas na lei e controvertidas no âmbito doutrinário e jurisprudencial.

De outro giro, é sabido que os créditos garantidos por alienação fiduciária não se submetem aos efeitos da Recuperação Judicial, por expressa previsão do artigo 49, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências - LRJF). Desse modo, em tese, a CPR, uma vez garantida por alienação fiduciária sobre os bens objeto da cédula, não seria afetada pela RJ, mantendo-se, assim, fora do concurso aqueles credores favorecidos por cédula com esta espécie de garantia. 

Em que pese a extraconcursalidade acima citada, poder-se-ia dizer que os produtos agrícolas objeto da CPR e das garantias, se considerados como bens de capital essenciais à atividade do recuperando, nos termos da parte final do mesmo dispositivo citado acima, ainda que o crédito seja excluído da massa concursal por conta da alienação fiduciária, ficariam os ditos bens, indisponíveis ao credor, acarretando, na prática, a insatisfação de seu crédito.

Contudo, é preciso notar que o art. 42 do PLV nº 30 acrescentou ao art. 5º da lei da CPR o parágrafo único que, salvo melhor juízo, trouxe implícita a previsão de que os bens dados em garantia fiduciária, para que sejam considerados essenciais para a atividade empresarial do devedor, deverá constar na cédula expressa declaração nesse sentido.

Além disso, atribuir essencialidade aos produtos rurais de que trata a lei da CPR como se bens de capital fossem não nos parece a melhor intepretação, já que são bens de consumo, ou seja, produto final da atividade empresarial do produtor, e não insumos para o processo produtivo.

Portanto, respeitadas as interpretações divergentes, a nosso sentir, uma vez não declarada expressamente a essencialidade dos bens dados em garantia fiduciária, impõe-se concluir pela renúncia dessa condição jurídica, acarretando, pois, a não aplicabilidade da proibição de venda ou retirada do estabelecimento do recuperando de que trata o artigo 49 da LRJF, permitindo ao credor, consequentemente, satisfazer seu credito por meio da excussão imediata da garantia fiduciária sobre o produto agrícola.

Sendo assim, a CPR, uma vez garantida por alienação fiduciária e não contendo a expressa declaração de essencialidade dos bens e da garantia, não estará sujeita aos efeitos da RJ.

Na esteira da autonomia da vontade, caso o credor pretenda a não sujeição dos créditos e bens aos efeitos da RJ, cabe a ele exigir a garantia fiduciária e rejeitar a declaração de essencialidade, permitindo-lhe, assim, conceder ao produtor a propagada contrapartida no tocante à acessibilidade do crédito e modicidade de juros.

Sem embargo, caso o produtor emitente queira se proteger dessa circunstância, poderá declinar a contratação ou ofertar outra espécie de garantia, ou mesmo exigir que conste da cédula a declaração de essencialidade dos bens.

Há uma luz no fim do túnel, portanto, na medida em que a redação final da MP, agora convertida em lei, restou por garantir às partes, em igualdade de posições, a livre escolha e a faculdade de resguardar seus interesses, privilegiando, ao final, a autonomia privada e a liberalidade contratual.

Advogado do escritório Araúz e Advogados Associados, Mestrando em Agronegócios pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM e especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor na Fundação Escola Superior do Ministério Público - FMP. Integrante da Associação Gaúcha dos Advogados de Direito Ambiental Empresarial - AGAAE e membro da Comissão Especial de Direito Agrário e do Agronegócio da Ordem do Advogados do Brasil, seccional do Rio Grande do Sul.

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