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Logística: será que falta indignação?


Cons. Científico Agricultura Sustentável

Por Coriolano Xavier, Vice-Presidente de Comunicação do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM.

Deu recentemente na televisão: uma fila enorme de caminhões carregados de soja e parados na rodovia Cuiabá-Santarém devido às condições precárias de tráfego, agravadas pela severidade das chuvas. O caminhão não passa, mas o tempo passa e chega um ponto em que motoristas derramam a carga na estrada para aliviar o peso e tentar seguir viagem, seja para que lado for. Soja plantada com alto investimento e trabalho intensivo de meses, jogada fora quilômetros adiante das fazendas porque não consegue sair do campo.

O pior está no fato de que esta é uma notícia pronta. Repete-se a cada ano e, quando não acontece lá nos rincões do mapa da soja, ocorre ao longo da malha de escoamento até o porto. Quem não se lembra das filas intermináveis de caminhões de soja em Santos/SP ou Paranaguá/PR?  É outra notícia pronta. A soja brasileira sai das fazendas a um custo mais competitivo do que o de nosso principal competidor (Estados Unidos) e chega mais cara ao navio. “Estamos fazendo gol contra”, diria um boleiro.

As produções brasileiras de soja, milho e algodão cresceram acima de 6% ao ano, em média, de 2005 a 2015, bem acima do aumento médio anual do PIB nacional (2,7%) no mesmo período.  É um dos símbolos marcantes da evolução do agro brasileiro e não é de hoje, assim como não é de hoje que se fala dos problemas da estrutura logística para a produção rural, que ficou para trás e não acompanhou o dinamismo do setor. São duas histórias conhecidas, cujo contraponto ganha destaque no noticiário a cada safra, se bem que de solução, que é bom, ganha muito pouco.

O impacto econômico do desperdício potencial de uma situação como essa pode ser enorme. Cerealistas e cooperativas estimam que 0,5% das safras de grãos fique pela estrada em situações de transporte curto e 0,25% em situações de transporte longo. Produtores falam em mais.

Arredondando para 1%, só para efeitos de um exercício exploratório, chega-se ao seguinte: cada 1% da safra de soja desperdiçado pode significar R$ 1 bilhão (base 2015). Se for o milho, o mesmo 1% pode representar R$ 410 milhões. O valor impressiona: perto de R$ 1,5 bilhão juntando os números. Algo superior aos supostos repasses de propina envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral (RJ), ou quinze vezes maior que o desvio denunciado pela Lava-Jato na operação de compra da Refinaria de Pasadena, fatos que deixam a todos atônitos e indignados. Pois é, talvez se queime mais do que isso no contrapé da logística das safras e o nosso índice de indignação pouco se escuta.

A solução é tarefa multidisciplinar e a mobilização para enfrentar o problema é desafio multi setorial, envolvendo lideranças do agro e também urbanas, pois a soja perdida pesa no bolso da nação inteira, inclusive no bolso das famílias das cidades. Tem gente competente que conhece o problema e tem propostas, como o Movimento Pró-Logística de Mato Grosso. Mas é preciso começar, com gestão estratégica, metas e atitude de governança pró-solução. Como diria o boleiro, “chega de trocar passes laterais e vamos chutar em gol”.

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