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Mulher rural: eminência oculta


Marcos Marques de Oliveira

Nesse oito de março, quando se celebra o Dia Internacional da Mulher, temos uma boa oportunidade para fazer a leitura de “Mulher rural: eminência oculta”, pesquisa de mestrado realizada por Nilce da Penha Migueles Panzutti, pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola (IEA), recentemente publicada pela Editora Alínea (2006, 1ª Edição). Com este trabalho, Panzutti visa contribuir para a compreensão do significado social do trabalho feminino, levantando a discussão da problemática da mulher rural face à modernização agrícola, tendo como foco um grupo de mulheres dedicado à produção familiar de algodão em Leme, interior de São Paulo.

De acordo com a análise da autora, a modernização da cultura algodoeira vem possibilitando a redefinição do papel da mulher entre esses produtores familiares. No entanto, as bases técnicas da produção foram modernizadas, mas a conservação de valores tradicionais não vem permitindo o maior reconhecimento da mão-de-obra feminina no espaço agrícola, que fica ainda restrita ao âmbito privado. Em boa parte dos casos, a ascensão social e a melhoria da qualidade de vida viabilizada pela modernização da propriedade não resultou na superação dos obstáculos à liberação feminina, uma vez que hábitos e práticas políticas conservadoras não permitem o reconhecimento da mulher como agente de transformação.

Uma outra pesquisa, também dedicada a investigar a “Participação da mulher na sustentabilidade da Agricultura Familiar”  – essa realizada no município de Iranduba, no Amazonas, por pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Lígia Costa, Priscila Freire e Hiroshi Noda) – chega a conclusão similar. A participação da mulher avança sim, especialmente quanto à “percepção subjetiva” de seu auto-reconhecimento como conhecedoras e manipuladoras da produção agrícola, inclusive com certa influência sobre os processos de tomada de decisões. Porém, onde não há uma organização sócio-política das mulheres, a participação feminina acaba por ser relegada a um segundo plano, especialmente quanto aos benefícios advindos da produção agrícola, tanto no que tange aos seus resultados (com participação menor na distribuição da renda), quanto no que diz respeito ao esforço dispensado para o labor agrícola (o que se traduz, por exemplo, numa tripla jornada de trabalho dedicada à agricultura, aos afazeres domésticos e no cuidado de filhos e filhas).

Ou seja, a mulher passa a ter maior reconhecimento, mas as relações patriarcais e misóginas permanecem. O trabalho da mulher é lido ainda como “ajuda”, não como uma contribuição econômica fundamental para a reprodução qualitativa da unidade familiar de produção. E, tão importante quanto, não se vislumbra a sua capacidade de contribuição para o manejo sustentável da terra, nem a legitimidade dos seus conhecimentos sobre a biodiversidade local. O que essas pesquisas apontam é que a legitimação do trabalho feminino é fundamental, sobretudo, para o próprio fortalecimento e sustentabilidade da agricultura familiar.

Dados de 2006 do IBGE indicam que a participação da mão-de-obra feminina na agricultura já chega a 31%, com tendência de crescimento. Talvez não tanto pelo aumento absoluto do número de mulheres que passaram a se dedicar ao trabalho agrícola, mas, justamente, pela crescente mudança de visão sobre os papéis que elas exercem para a reprodução das unidades familiares de produção. O passo agora é a conscientização de que a bem quista modernização econômica e técnica da agricultura familiar não são suficientes para a transformação das suas relações sociais. O que torna premente a maior articulação entre as experiências de protagonismo feminino no meio rural, assim como na mudança da percepção política e social sobre as relações de gênero travadas nesse âmbito. Vindo, assim, se somar com as recentes conquistas no campo das políticas públicas de previdência social, de acesso à terra e crédito agrícola.

Como afirmam as pesquisadoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro Beatriz Heredia e Rosangêla Cintrão, no artigo “Gênero e acesso a políticas públicas no meio rural brasileiro”  (outra leitura de grande valia!), “mesmo que essas políticas sejam, sem dúvida, passos importantes, ainda são insuficientes diante das grandes demandas e desigualdades existentes. [...] Nesse sentido, os movimentos de mulheres rurais continuam tendo um papel fundamental na correção de rumos das políticas e na garantia de efetivação do acesso das mulheres aos direitos conquistados, assim como nas mudanças culturais e de autopercepção do lugar das trabalhadoras das áreas rurais como atores sociais e políticos. Sem essas organizações, as políticas públicas continuariam inexistentes ou nunca sairiam do papel”.

  Conferir em: www.cnpat.embrapa.br/sbsp/anais/Trab_Format_PDF/130.pdf.
  Conferir em: http://www.cnpat.embrapa.br/sbsp/anais/Trab_Format_PDF/130.pdf.

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