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O dia em que Terra parar



Antonio Carlos Moreira

“No dia em que a Terra parou...
A dona de casa não saiu pra comprar pão
Pois sabia que o padeiro também não estava lá...”

                                                  (Raul Seixas)

 

As imagens ainda estão na memória dos brasileiros – e das autoridades econômicas, sobretudo nesses dias que elas ameaçam retornar. Estradas em todo o país com intermináveis quilômetros de caminhões parados em estradas, logo seguida de milhares de carros em filas de postos de combustíveis. Além das cenas, as consequências que mais assustaram estiveram nos números.

A paralização provocou desabastecimento de vários produtos, principalmente alimentos. Produtores e indústrias de carnes estimaram que cerca de 400 milhões de aves e 200 mil suínos teriam morrido por falta de ração. Várias cidades decretaram situação de estado de emergência, entre elas São Paulo e Porto Alegre. A Petrobras perdeu 137 bilhões de reais em valor de mercado. Com o impacto no setor de alimentos, a conta na inflação fechou 2018 com alta de 4,04%.

O movimento dos caminhoneiros expôs os gargalos de logística e transporte rodoviário. Mas os prejuízos drásticos da falta de transportes para o setor de alimentos, sugerem um outro olhar, para este 22 de abril, Dia Mundial da Terra: o que aconteceria caso a terra parasse, por um dia somente, de produzir a dádiva dos alimentos?

Isto é, se as plantações não obedecessem aos agricultores em sua lida ao amanhecer de um certo dia; menosprezassem a ciência da vida na síntese dos recursos naturais – solo, água, energia – e rejeitassem o aporte das tecnologias que garantem a produção em escala dos alimentos que chegam às mesas, todos os dias, de bilhões de pessoas?

Os dramas pessoais, profissionais e sociais para o país, como um todo, seriam imponderáveis. Mas, num exercício lógico, é possível calcular a dimensão das perdas financeiras. Vejamos.

O Produto Interna Bruto, PIB, do país, totaliza 6,8 trilhões de reais (2018). A agropecuária representa 25% deste montante: portanto, a perda anual seria de 1,6 trilhão de reais. Ou ainda, fazendo a conta de cada dia da “terra paralisada”, o Brasil e a população perderiam 4,4 bilhões de reais!

O terror que evoca o cenário da terra sem produzir se confirmaria em estudos como de Jim O’Neill, economista-chefe do banco Goldman Sachs. “The expanding middle: the exploding world middle class and falling global inequality” (A classe média explodindo no mundo e a queda na desigualdade global”). Segundo O’Neill, as classes médias incorporam, em nível mundial, 70 milhões de pessoas por ano. Até 2030, serão 2 bilhões a mais do que hoje, apenas neste segmento de renda.

A FAO, órgão mundial para Agricultura e Alimentação, expõe um quadro ainda mais grave para que atender do que das classes que podem comprar alimentos. Trate-se do cenário que grassa sobre aqueles que, hoje, já não têm absolutamente o que comer: são cerca de 1 bilhão de famintos no mundo.

Daqui trinta anos, a população mundial será 9,3 bilhões de pessoas. O horizonte que se projeta, caso se mantenha a escala de pessoas que hoje passam fome, será de 1,5 bilhão. No Brasil, seria um exército de cerca de 17 milhões de desnutridos. Para atender esse aumento de demanda, até 2050 a agricultura terá que produzir o equivalente a “duas terras”.

A FAO alerta que não existirá recursos naturais – solos agricultáveis, água e energia – disponíveis para suprir tal ordem de consumo. A única forma de evitar “o dia que a terra parar” de fornecer alimentos será ampliando a adoção dos recursos tecnológicos. É o que também confirma o estudo da Assessoria de Gestão Estratégica, do Ministério da Agricultura

As tecnologias incorporadas ao campo transformaram o cenário brasileiro de uma agricultura então rudimentar. Entre 1975 e 2010, a produtividade total cresceu 3,68% ao ano; já os custos com insumos – mão-de-obra, terra, capital, máquinas, fertilizantes e defensivos agrícolas – praticamente não tiveram aumento, apenas 0,01%. Ou seja, a principal fonte de crescimento tem sido o acesso aos recursos tecnológicos.

José Graziano, engenheiro agrônomo e diretor-geral da FAO, sustenta que as biotecnologias agrícolas, por exemplo, podem atender cerca de 500 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar no mundo: “A FAO está convencida de que o casamento da biotecnologia com a agricultura familiar é um pedaço do chão firme capaz de desautorizar a turbulência atual a se consolidar como o ‘novo normal’ do mundo”.

ANTONIO CARLOS MOREIRA

 

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