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Sementes da discórdia: o debate sobre os transgênicos


Marcos Marques de Oliveira

Durante muito tempo, falar em “ciência” era falar em progresso, avanço, desenvolvimento... Os princípios do Iluminismo abriram caminhos para a hegemonia da racionalidade científica, que impulsionou a industrialização e a cada vez maior burocratização da vida social. Das promessas da modernidade, embriagou-se o Século XX, cujos acontecimentos – muitos catastróficos – mostraram os limites dessa utopia baseada na absolutização da cogniscência humana.

Tamanha demanda gerou a “ressaca” da pós-modernidade, cujas teorias propugnam a desconstrução dos discursos sobre a “verdade”, apontando para a pluralidade polifônica dos saberes humanos. Essa pluralidade no entanto, se processa num corpo social hierárquico que destrona a suposta equivalência democrática dos discursos. Se como diz o filósofo Michel Foucault, o poder está em todo lugar, não é de todo lugar que se emana sua diligência, direção e controle.

No que tange ao campo científico, sua decadência como a nova religião da modernidade não resultou em sua disfuncionalidade enquanto instrumento de poder que molda múltiplas relações sociais. Daí a importância de, como diz Ladislau Dowbor, na apresentação de “Transgênicos: sementes da discórdia” (SENAC, 2007), colocar a própria ciência em questão. Especialmente quando se trata de um dos pilares da reprodução humana sobre a terra: a alimentação.

A grande virtude do livro acima citado – organizado por José Eli da Veiga, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) – está justamente em abordar de forma múltipla um tema tão relevante quanto polêmico (o das sementes geneticamente modificadas). Tanto quem defende – Antonio Buainain, da Unicamp – quanto quem ataca – Gabriel Fernandes, da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA) – o cultivo dos transgênicos traz elementos substantivos ao debate, possibilitando ao leitor – independente de suas posições prévias – aprofundar seus conhecimentos e, com isso, ter melhores condições de influir sobre os rumos da produção, da distribuição e do consumo desses novos alimentos, cada vez mais presentes nas mesas dos brasileiros.

A relação entre ciência e democracia é justamente o foco do artigo que finaliza o livro, mas não o debate. Ao fazer elogio da controvérsia, Ricardo Abramovay aponta para um fenômeno ainda pouco “visível” às ideologias críticas (e a-críticas também!) da modernidade: o da politização cultural do mercado. Fenômeno esse que se não anula os riscos que sempre povoaram a existência humana na Terra, porta novas potencialidades de formação, dissolução e reconstrução de relações sociais capazes de resistir à suposta supremacia da dimensão econômica. Enfim, afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP), “a presença do mundo da controvérsia no interior da ciência e dos próprios mercados é um importante fator de mudança social no mundo contemporâneo” (p. 164).

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