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A Voz do Mercado: 2024 deve entrar para lista dos cinco anos mais quentes da história

Edição de A Voz do Mercado abordou o tema: Clima e impactos sobre o mercado


Foto: Arquivo

Nesta terça-feira (30.01), o talk show "A Voz do Mercado" reuniu especialistas para discutir os desafios climáticos e suas implicações para o agronegócio em 2024. O evento é realizado pelo Portal Agrolink em parceria com o Pensa/FIA, o Centro de Conhecimento em Agronegócios da Fundação Instituto de Administração. 

A edição contou com o Consultor em Agribusiness, Flavio França, Gabriel Rodrigues, meteorologista do Agrotempo do Portal Agrolink e Decio Luiz Gazzoni, pesquisador Embrapa soja. O consultor Ivan Wedekin, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e a jornalista Suelen Farias, especialista em Novas Mídias, com atuação em agronegócio e economia comandaram o debate. 

Com o tema "Clima e Impactos sobre o mercado", esta edição aprofundou as discussões sobre as incertezas climáticas e como elas moldam o panorama agrícola atual, além disso destacou a importância de estar preparado para os impactos climáticos no mercado.

Segundo Gabriel Rodrigues, meteorologista do Agrotempo do Portal Agrolink, os próximos cinco meses trarão uma frequência de chuvas ligeiramente maior em áreas específicas, como na região sudeste, parte do Mato Grosso, e na metade sul da região Nordeste. Ele observa que essa tendência deve persistir até março. No entanto, a partir de abril, maio e junho, é esperada uma redução dessas chuvas no leste do Brasil, enquanto o sul do país experimentará um aumento nas precipitações. Rodrigues destaca que essas chuvas no sul do país serão benéficas para o início da semeadura da safra de inverno, enquanto a diminuição das chuvas favorecerá a colheita da safra de verão no centro-oeste, sudeste e parte da região nordeste. Apesar disso, ele ressalta que as condições oceânicas estão se aproximando da neutralidade, após um El Niño relativamente forte, com temperaturas 1,5 graus acima da média. Rodrigues aponta que as projeções indicam a possibilidade de uma La Niña no final do ciclo, porém, ressalta a menor confiabilidade das projeções mais distantes. Assim, ele conclui que, pelo menos para o outono e início do inverno, é esperada uma neutralidade climática, embora exista a possibilidade de uma La Niña no segundo semestre.

Flavio França, o Head de Grãos na DATAGRO, ressalta sua preocupação em relação à perda significativa na safra brasileira, cujas previsões variam entre 135 milhões e 147 milhões de toneladas. Ele destaca a incerteza e confusão em torno desse cenário, afirmando: "Não tenho lembrança de algo tão amplo, tão aberto com essa insegurança em relação à safra brasileira." França revela que a estimativa de sua equipe é de 148,5 milhões de toneladas, reconhecendo que esse número é improvável de ser melhorado no momento, embora possa haver alguma margem para melhoria se as condições se tornarem mais favoráveis no futuro. Ele ressalta que essa estimativa está consideravelmente abaixo dos 160 milhões registrados no ano anterior e da previsão inicial de 165 milhões.

Quanto à possível recuperação da safra na Argentina, França destaca a prematuridade de fazer projeções firmes, salientando a dependência das condições climáticas nos meses seguintes, especialmente em janeiro, fevereiro e março. Ele enfatiza a impossibilidade de afirmar que a safra argentina está garantida neste momento. Apesar das perdas consideráveis no Brasil, França destaca que, ao considerar o panorama geral da América do Sul, é possível vislumbrar um aumento na produção agrícola regional.

Já Decio Luiz Gazzoni, pesquisador da Embrapa Soja, destacou a perda tanto das séries históricas quanto do conhecimento acumulado ao longo do tempo pelos agricultores, que lhes permitia tomar decisões baseadas em aspectos agronômicos e condições climáticas. Ele ressalta a importância da regularidade nesse processo decisório, mesmo diante de condições adversas, afirmando: "a regularidade era, mesmo em condições adversas, a regularidade era essencial para tomar decisões e essas coisas estão se perdendo hoje." Gazzoni enfatiza a dificuldade enfrentada pelos agricultores em adaptar seus sistemas de produção às mudanças climáticas, destacando que não há soluções imediatas ou "balas de prata" para contrapor essas transformações. Ele ressalta que as medidas necessárias são de médio e longo prazo, com ênfase na construção e manejo adequado do solo, visando a criação de perfis profundos e bem aerados, ricos em matéria orgânica, capazes de reter água e permitir o aprofundamento das raízes para enfrentar períodos prolongados de estiagem.

Segundo Gazzoni, essas construções demandam tempo e técnicas específicas, como o plantio direto, a Integração Lavoura Pecuária e o uso de plantas melhoradoras de solo, que possibilitam a melhoria do perfil do solo ao longo do tempo. Ele destaca a importância do desenvolvimento de ferramentas na fronteira da ciência, como novas variedades de cultivares adaptadas a condições adversas, porém ressalta que tais avanços são de médio prazo e não imediatos. Portanto, ele enfatiza a necessidade de observar as ferramentas disponíveis no zoneamento agroclimático e investir na construção e manejo adequado do solo como medidas fundamentais para a adaptação dos agricultores às mudanças climáticas.

Os participantes também abordaram os impactos das temperaturas extremas no plantio e na colheita, bem como a necessidade de adaptação por parte dos produtores. Destacou-se a importância do planejamento e do ajuste dos investimentos de acordo com as condições climáticas e a segurança financeira.

O meteorologista do Portal Agrolink, ainda pontuou os dados alarmantes sobre o clima em 2023, assinalando que foi o ano mais quente desde 1850, segundo relatórios da agência europeia. Em um artigo publicado na revista Nature, uma equipe de pesquisadores indica a possibilidade de que 2024 tenha 58% de chance de ser ainda mais quente que 2023, enquanto a NOAA estima 99% de probabilidade de que 2024 entre para a lista dos cinco anos mais quentes da história. Rodrigues destaca que essa tendência de aumento das temperaturas é preocupante tanto em escala global quanto em relação aos fenômenos climáticos locais, como o fenômeno El Niño. Ele ressalta que o aquecimento dos oceanos, que estão excepcionalmente quentes no início de 2024, desempenha um papel fundamental na modificação dos regimes de chuva e temperatura, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Em relação aos impactos na agricultura, Rodrigues menciona os efeitos das temperaturas altas no plantio da safra 2023-2024, reveladas por dados de satélite que registraram temperaturas de até 65 graus na superfície do solo logo após o plantio. Ele enfatiza a dificuldade enfrentada pelos agricultores diante dessas condições extremas, destacando os desafios causados pelas chuvas excessivas durante a colheita de inverno no sul do país e a irregularidade das chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste. Rodrigues ressalta que somente no final de dezembro e início de janeiro de 2024 é que as chuvas começaram a se tornar mais frequentes nessas importantes regiões produtoras do Brasil.

Segundo Gazzoni, as consequências das condições climáticas adversas são sentidas imediatamente pelos produtores na forma de redução de produtividade. Ele ilustra os impactos com o exemplo do milho e da soja, culturas plantadas no verão, onde as altas temperaturas podem causar diminuição do tamanho das espigas e dos grãos, além de reduzir a viabilidade do pólen, resultando em menor número de sementes por vagem e menor peso dos grãos. O pesquisador também alerta para os efeitos das altas temperaturas noturnas, que podem afetar negativamente o metabolismo das plantas, resultando em menor número e peso de sementes, e, consequentemente, em menor produtividade. Ele conclui enfatizando a importância de considerar diversos parâmetros no zoneamento agroclimático, especialmente o clima e a disponibilidade de água, que desempenham um papel crucial na determinação do sucesso das atividades agrícolas.

É importante lembrar que o planejamento é um dos pontos a serem levados ao pé da letra para o produtor rural. Rodrigues assegura que quando o assunto é clima, é ainda mais essencial. É preciso entender impacto do zoneamento agrícola. Ele ressalta que as variações nas temperaturas e nos regimes de chuva afetarão o zoneamento ao longo do ano. Rodrigues exemplifica com a situação no Mato Grosso, onde alguns produtores de soja optaram pelo replantio com variedades de ciclo mais curto, como o algodão, em resposta às condições climáticas. "A seleção até mesmo na variedade do cultivo que o produtor vai plantar vai entrar dentro dessa equação que ele vai ter que fazer o balanço para a sua safra”, disse Rodrigues. 

França comentou como os produtores estão se adaptando às mudanças, mencionando a adoção de novas tecnologias na safra de verão, o que resultou na redução dos custos de produção, especialmente em fertilizantes e defensivos. Ele ressalta o perfil empreendedor dos produtores, destacando sua busca por inovação e sua disposição para investir. França observa que, embora os produtores enfrentem desafios econômicos, como prejuízos na safra de soja, muitos estão relutantes em fazer grandes investimentos na safra de inverno, devido aos riscos associados ao clima e ao impacto do fenômeno El Niño. França ainda falou sobre a necessidade de os produtores ajustarem seus investimentos de acordo com a sinalização de sua renda, enfatizando que, embora a tecnologia seja essencial, a segurança financeira é prioritária.

O atual período é caracterizado por uma fase de transição, marcada por incertezas e nuances climáticas. Rodrigues comenta que, antes da chegada plena do fenômeno La Niña, não ocorre uma mudança brusca nas condições atmosféricas, mas sim um gradual processo de transição. Este período de transição coincide especialmente com o período de plantio e desenvolvimento inicial das culturas de inverno. Nesse contexto, a neutralidade climática tende a favorecer, historicamente, uma produtividade relativamente maior, conforme apontado por estudos publicados.

Porém, Rodrigues alerta para os diversos fenômenos atmosféricos que passam a influenciar o clima no Brasil, como o aquecimento do oceano na costa do país, que pode alterar os padrões de chuva, especialmente nas regiões sul e nordeste, importantes para o plantio de inverno. O especialista lembra o histórico recente de La Niña, nos anos de 2019, 2020, 2021 e início de 2022, que trouxe impactos significativos, como ondas de frio intensas e episódios de geada em áreas inesperadas, como no sul do Mato Grosso.

Para o inverno de 2024, a ocorrência desses eventos extremos é descartada, já que o Brasil adentra um período de neutralidade climática. No entanto, o meteorologista vislumbra potenciais benéficos para as lavouras do centro e norte do país no final do ano, quando o plantio de soja, milho, algodão e arroz ganha destaque. A previsão é de um regime de chuvas mais regular durante o período de La Niña, aliado a temperaturas não tão elevadas, proporcionando condições favoráveis para o desenvolvimento das culturas.

Por fim, Ivan Wedekin fez sua tradicional síntese ao final da edição e afirmou: o clima agora é uma agenda permanente na microeconomia do produtor. A visão compartilhada é que as informações climáticas não são mais apenas para prever se devemos levar um guarda-chuva ao sair de casa, mas sim uma ferramenta fundamental para a tomada de decisões do agricultor, desde o planejamento das janelas de plantio até a escolha dos produtos a serem cultivados. O monitoramento climático, a qualidade dos modelos e o acesso a informações precisas emergem como pilares essenciais para a adaptação às mudanças climáticas e para a gestão eficiente das propriedades rurais.

Além disso, o debate ressaltou a importância da pesquisa e do investimento em tecnologias disruptivas e políticas públicas voltadas para o setor agrícola. A construção do solo foi destacada como uma variável crucial de controle para os produtores, apontando para a necessidade de tecnologias e práticas que promovam a saúde do solo e a maximização de sua capacidade de armazenamento de água. Wedekin  finalizou dizendo que, a discussão também enfatizou a urgência de reformas nas políticas de seguro rural e agrícola, destacando a disparidade entre os custos do Proagro e os investimentos em programas de subvenção de seguro rural. Essas reflexões convergem para a necessidade de uma abordagem abrangente e integrada, que combine avanços tecnológicos, políticas públicas eficazes e práticas agrícolas sustentáveis para fortalecer a resiliência e a rentabilidade dos produtores rurais diante dos desafios climáticos e econômicos em constante evolução.

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