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Barreiras no agronegócio: políticas públicas deficientes e pouco integradas


Dante Scolari

A partir da década de noventa as políticas comerciais do país foram liberalizadas, empresas públicas foram privatizas, mercados internos foram desregulamentados e impostos foram reduzidos em alguns setores da economia. A partir de 1994 com o Plano Real, houve uma estabilização macroeconômica e um controle mais efetivo da inflação. Com a adoção das normas de comércio do Acordo Agrícola da Rodada Uruguai (OMC) em 1995, a adoção da Lei Kandir em 1996 desonerando de ICMS matérias primas e produtos semimanufaturados para exportação e a eliminação do monopólio estatal do comércio do álcool etílico em 1999, fica caracterizado uma nova fase comercial para o país. Os efeitos na agricultura foram importantes, reduzindo o custo de aquisição das terras e possibilitando a entrada de novos produtores no mercado. A renegociação das grandes dívidas existentes, oriundas de períodos inflacionários passados quando eram corrigidas por indicadores financeiros específicos, possibilitou a retomada dos investimentos em tecnologia e a agricultura apresentou forte crescimento. As políticas públicas voltadas para a agricultura visam desenvolver a economia e promover a expansão da oferta de fibras e alimentos, com atendimento social diferenciado para aquela parcela mais pobre da população rural e são de domínio de vários ministérios, o que acaba gerando desacertos e ineficiências no setor.

A política agrícola sob responsabilidade do MAPA está assentada sobre dois pilares: crédito e garantia de renda aos produtores (WEDEKIN,2005). A política geral, monetária e fiscal é de responsabilidade do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério da fazenda, Banco Central e Conselho Monetário Nacional. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) é responsável pela formulação das estratégias de desenvolvimento do setor e de algumas políticas e sua execução e possui algumas instituições vinculadas como a CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento), encarregada de compras governamentais para atender programas sociais do governo federal, agências estaduais envolvidas em compra e estocagem de alimentos em SP e MG, e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) é responsável pela formulação de políticas direcionada para a agricultura familiar (agricultores de menor renda) e para a reforma agrária. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) é responsável pela política de distribuição de alimentos de propriedade do governo para população carente. No nível federal, a Casa Civil da Presidência da República tem desempenhado um papel concentrador e relevante sobre todas as organizações governamentais nos últimos anos, intervindo diretamente nas decisões estratégicas e na formulação e execução das políticas setoriais de vários setores.

Além destes, existem várias outras organizações e conselhos envolvidos direta ou indiretamente na formulação das estratégias e das políticas para o setor como um todo: Conselho Nacional de Política Agrícola, Conselho Deliberativo da Política do Café, Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool, Conselho do Desenvolvimento do Agronegócio do Cacau, Conselho do Agronegócio, Comissão Especial de Recursos, Conselho Nacional de Segurança alimentar e Nutricional. Existem também várias organizações de classe destacando-se entre outras a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a ABAG (Associação Brasileira do Agribusiness). No Congresso Nacional, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados e a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal, mesmo sendo entidades do poder legislativo participam ativamente da formulação das estratégias para o setor.

Atualmente, o apoio efetivo dado diretamente ao setor agrícola brasileiro é uma parcela muito pequena do PIB, estimada em 0,5% pela OCDE. Está abaixo da média dos Estados Unidos (0,9%), da União Européia (1,2%), México (1,2%), Japão (1,4%), China (3,6%) e semelhante a Austrália (0,3%) e Nova Zelândia (0,4%). Quando o nível de apoio ao produtor é calculado sob forma de percentagem da receita bruta da propriedade rural, no período 2002-2004, o valor no Brasil é de 3%, muito abaixo daqueles praticados por outros países como China (8%), Estados Unidos (17%), México (21%), OCDE (30%) União Européia (34%) e Japão (58%) 1. Isto significa que o setor agrícola brasileiro é um dos mais desprotegidos entre os países que são exportadores de produtos agrícolas.

A maior parte do apoio direto (75%), disponibilizado sob forma de proteção tarifária ou transferências relacionadas a créditos de custeio e investimento, estimado em R$ 8,2 bilhões por ano no período 2002-2004, é destinada aos produtores e não aos serviços gerais de suporte e apoio a agropecuária. Na pratica este tipo de apoio é quase anulado (esta modalidade de crédito atinge apenas 23% do custo total do setor) pelos elevados encargos financeiros praticados pelos bancos. Outros mecanismos existentes como preços mínimos de garantia e compras governamentais não distorcem os preços de mercado, pois quase não são praticados.

Os gastos públicos em apoio à agricultura sob forma de serviços, importante catalizadores no processo de desenvolvimento harmônico e sustentável do setor, representados por pesquisa, educação, extensão rural, infra-estrutura, reformas agrária e assentamentos, controle de pragas e doenças, inspeção, classificação e padronização de produtos e processo e comercialização e promoção foram reduzidos em valores reais nos últimos anos. Em termos médios, no período 2000-2003 estes gastos foram de R$ 2,465 bilhões e equivalem a 94% dos gastos efetuados no período 1995-1997 que alcançaram R$ 2,614 bilhões (OCDE). A composição destes gastos públicos indica que 75% é para reforma agrária e assentamentos (33%), pesquisa (27%) e infra-estrutura (15%). Para extensão é 11% e para educação 9%. Chama atenção o pequeno volume de recursos destinados atividades relacionadas à sanidade animal e vegetal - controle de pragas e doenças (3%) e inspeção, classificação e padronização (2%). Não há registros de despesas públicas para marketing e promoção do agronegócio tão importantes para a conquista e manutenção de mercados.

No caso específico dos serviços de infra-estrutura rural, em 2003 foi aplicado apenas R$ 185 milhões (em valores de 2003) valor muito inferior ao aplicado em anos anteriores: R$ 1,186 bilhões em 1997, R$1,067 bilhões em 1998, R$ 825 milhões em 1999 (MAPA, citado por OCDE). O sucesso do agronegócio depende também de políticas setoriais coordenadas por outros ministérios. Assim, a manutenção de rodovias federais, por onde escoa a maior parte da produção nacional, é de responsabilidade do Ministério dos Transportes e nem sempre as prioridades desta pasta atendem as prioridades da agricultura. Ao transitar por estradas mal conservadas e rodovias em estado precário de conservação, os custos aumentam e a renda agrícola diminui. Quando o Ministério da Educação concentra a alocação de recursos nas cidades em detrimento das escolas localizadas na zona rural, a qualificação da mão de obra rural fica prejudicada, diminui a eficácia e a eficiência em relação ao trabalhador urbano, reduz o valor efetivo dos salários pagos na agricultura e diminui a renda rural. O mesmo tipo de raciocínio vale para os demais ministérios setoriais que atendem o setor rural – Saúde, Integração Nacional, etc.

Com tantos ministérios e organizações envolvidos na formulação das estratégias e das políticas direcionadas ao setor rural, fica extremamente difícil haver uma integração adequada, racional e eficiente que harmonize todos os interesses em prol do bem comum da sociedade brasileira.



1'OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Brasil. Análise das Políticas Agrícolas. Outubro de 2005.

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