Brasil deve pensar e se preparar para futuro do comércio de soja com a China
Dependência chinesa na soja preocupa e exige novo planejamento brasileiro

A relação comercial entre Brasil e China tem sido muito favorável ao setor agropecuário brasileiro, sobretudo na cadeia da soja. Porém a interdependência entre os dois países demanda planejamento para garantia de uma segurança econômica futura. Essa foi uma das mensagens passadas durante a conferência “O que esperar da relação coma China na agricultura?”, realizada durante o 10º Congresso Brasileiro de Soja e Mercosoja, em Campinas (SP).
A conferência foi conduzida em conjunto por Larissa Wachholz, da Vallya Agro, e Letícia Frazão Alexandre Leme, do Ministério das Relações Exteriores, e moderada pelo chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno.
Em 2015, 17,5% das importações chinesas do agro eram provenientes do Brasil e 21,7% eram originadas nos Estados Unidos. Com a guerra comercial iniciada no primeiro governo de Donald Trump, houve uma mudança no cenário, e o Brasil se tonou o principal fornecedor para a China, com 24,4% das importações, enquanto a participação dos EUA recuou para 12,8%.
No caso da soja, em 2016 o Brasil era a origem de 45,7% da oleaginosa comprada pelos asiáticos, enquanto os EUA forneciam 40,5%. Em 2024 a participação brasileira saltou para 69%, enquanto a dos norte-americanos recuou para 22,8%.
A diplomata Letícia Leme explicou que esse cenário é resultado de uma decisão do governo chinês. Como o país tem limitação em áreas agricultáveis e em disponibilidade de água para irrigação, priorizou a produção local de arroz, trigo e milho. A sojicultura se resumiu à produção de materiais convencionais, destinados à alimentação humana. Dessa forma, desde 2013 os chineses passaram a importar cada vez mais soja.
“Para produzir internamente o volume de soja que demanda, a China precisaria de 40 milhões de hectares, um terço do total de área agricultável do país”, afirma a diplomata.
Apesar de ser um cenário planejado, o governo chinês não se sente confortável e trabalha publicamente para reduzir essa dependência. Um plano visa aumentar a produção local para de 15 a 30% do consumo até 2030.
Entre as ações em andamento está o investimento em genética própria, em estruturas logísticas na África e na América do Sul e em diferentes setores da cadeia produtiva da soja, inclusive no Brasil.
Riscos para o Brasil
Se por um lado a balança comercial da soja é muito favorável ao Brasil, por outro é possível ver que o Brasil depende muito de seu principal comprador. Em 2024 73% das exportações brasileiras de soja foram para a China. O segundo maior cliente foi a Espanha, com 5% do volume exportado. Dessa forma, uma mudança na demanda do país asiático poderia trazer complicações para todo o setor produtivo.
Além da menor demanda devido aumento na produção local, há riscos de que novos acordos comerciais impliquem em maior compra da soja dos EUA, que surjam novos fornecedores de soja e até mesmo que a China encontre substitutos para a soja na ração animal.
“Nosso cliente se coloca abertamente sobre sua posição de reduzir a dependência da soja importada. Então nós brasileiros precisamos pensar de forma estratégica sobre como queremos estar em 15-20 anos e trabalhar para isso, inclusive com parceiros chineses”, afirma Larissa Wachholz.
Para Larissa, os investimentos chineses no Brasil, seja em logística, comercialização ou no próprio sistema produtivo são uma forma de ampliar a dinâmica política do relacionamento e a confiança na relação comercial.
“A atração de investimentos diretos da China é um instrumento de mitigação de riscos de eventual rompimento na relação comercial”, disse.
As conferencistas ainda apontaram outras oportunidades para o Brasil com captação de investimento chinês, como o plano nacional de recuperação de pastagens degradadas, que possibilitará ampliar as áreas produtivas no país. O desenvolvimento tecnológico de combustíveis renováveis para transporte marítimo (bunker fuel) e aviação (SAF) permitirão a agregação de valor às exportações. A ampliação da estrutura de armazenagem e logística é outro ponto, podendo tornar a soja brasileira mais competitiva e ainda sendo aproveitada por outros produtos agropecuários e não agropecuários.
Congresso Brasileiro de Soja
O 10º Congresso Brasileiro de Soja e Mercosoja é promovido pela Embrapa Soja e ocorre no Expo Dom Pedro, em Campinas, de 21 a 24 de julho. Este é o maior fórum técnico-científico do complexo da soja e reúne cerca de 2 mil participantes de todos os setores da cadeia produtiva da soja.
A programação contou com mais de 50 palestras distribuídas em seis conferências e 15 painéis. Também foram apresentados 321 trabalhos científicos em forma de pôsteres e cerca de 50 empresas expuseram seus produtos e estabeleceram relacionamentos em uma Arena de Inovação.