Café: setor está preparado para o Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento?
A importância da UE para o mercado de café brasileiro

Não é necessário lembrar que a UE é um mercado importante para o café brasileiro. Em 2024, o Brasil exportou quase US$11,4 bilhões em café, sendo que praticamente metade desse valor foi destinado à UE. A Alemanha por si só importou US$1,8 bilhão do nosso café, enquanto a Bélgica e a Itália importaram cerca de US$1 bilhão cada. Os Estados Unidos são o único mercado não europeu que atingiu magnitudes semelhantes, importando US$1,9 bilhão de café brasileiro em 2024.
Nesse contexto, é importante observar que o mercado internacional de café está passando por uma série de desafios sem precedentes. Os Estados Unidos impuseram tarifas de pelo menos 10% sobre todas as importações (incluindo o café brasileiro). Do outro lado do Atlântico, o “Green Deal” da UE estabelece requisitos rigorosos de sustentabilidade para os produtos que entram no mercado único europeu. Neste artigo, avaliamos até que ponto o café brasileiro está pronto para atender às exigências do Regulamento da UE sobre Produtos Livres de Desmatamento.
O EUDR exige que o café importado para a UE seja rastreável, livre de desmatamento, e produzido em conformidade com as leis nacionais
O EUDR cria obrigações para as empresas europeias que importam café para o mercado da UE. A partir de dezembro de 2025, essas empresas terão que certificar-se que o café que importam atende a três requisitos:
- Desmatamento zero – O café não deve ter sido cultivado em terras que foram desmatadas após 31 de dezembro de 2020.
- Rastreabilidade – Os importadores devem ser capazes de identificar as parcelas individuais de terra onde o café foi produzido e fornecer garantias às autoridades europeias de que o café realmente originou das mesmas.
- Legalidade – O café deve ter sido produzido em conformidade com as leis do país produtor. No caso do Brasil, as leis aplicáveis incluem o Código Florestal
Brasileiro, a legislação fundiária, as leis trabalhistas e outras regulamentações ambientais (p.ex., sobre agroquímicos).
Embora seja responsabilidade dos compradores europeus avaliar o risco de não-conformidade, é importante que o setor cafeeiro brasileiro se una e facilite esse processo para o nosso maior cliente. Isso não somente garantiria nosso acesso ao mercado europeu mas também geraria uma vantagem competitiva para a nossa origem em comparação com os nossos concorrentes.
O café brasileiro não desmata
Vamos começar analisando o desmatamento no setor cafeeiro. Um estudo do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IIS) concluiu que o café é a commodity brasileira com o menor índice de risco de desmatamento, bem à frente de setores como soja, madeira e óleo de palma.
O mesmo estudo estima que apenas 0,1% das áreas desmatadas para fins agrícolas no Brasil estariam associadas à produção de café.
Da mesma forma, um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais constatou que 99% das 115.000 propriedades rurais produtoras de café registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) em Minas Gerais não apresentaram desmatamento significativo após 2008.
Com base nesses dois estudos e em outros, os compradores europeus de café podem se sentir confiantes, visto que praticamente a totalidade da produção cafeeira brasileira não está associada ao desmatamento.
De toda forma, os compradores terão que realizar suas próprias verificações para garantir que não estão adquirindo café de áreas desmatadas. Aqueles que compram do Brasil têm acesso a uma grande quantidade de dados de alta qualidade sobre o uso dos solos e o desmatamento, disponibilizados ao público pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
O Brasil sempre foi pioneiro no uso de tecnologia para monitorar o desmatamento e as mudanças no uso da terra. Após a entrada em vigor do EUDR, nossos investimentos em monitoramento florestal e proteção ambiental podem finalmente se tornar uma vantagem competitiva para nossos produtores de café.
Praticamente todas as fazendas de café do Brasil já foram georeferenciadas
O setor cafeeiro brasileiro desfruta de outra grande vantagem em termos de conformidade com o EUDR: praticamente todas as nossas fazendas de café já foram geolocalizadas para fins de registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
O georreferenciamento das propriedades rurais é uma obrigação legal no Brasil desde a aprovação do novo Código Florestal em 2012. Isso significa que o Brasil já fez o trabalho árduo de localizar as propriedades e elaborar mapas (ou “polígonos”, para usar o termo técnico do EUDR). Quando o EUDR entrar em vigor, os compradores europeus terão que fazer uma escolha. Para comprar de outras origens, é possível que tenham que fazer investimentos significativos em exercícios de mapeamento de propriedades e coleta de dados geoespaciais. No Brasil, eles podem contar com dados que estão disponíveis gratuitamente ao público por meio do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
Há uma pequena ressalva a esse respeito: os dados coletados para fins de registro no CAR não são totalmente consistentes com o EUDR. Os polígonos do CAR englobam a totalidade da propriedade rural, enquanto os polígonos necessários para a conformidade com o EUDR devem incluir apenas as áreas dedicadas à produção de café. Entretanto, a existência de polígonos agrícolas coloca o Brasil muito à frente de seus concorrentes e já serve como base para os sistemas de devida diligência dos compradores europeus. Não será difícil converter os polígonos do CAR em polígonos do EUDR, sobrepondo-os a imagens de satélite ou mapas de uso dos solos.
Atualização do mapeamento do parque cafeeiro
Nesse meio tempo, o CNC, junto com os demais membros da iniciativa privada do Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC), está trabalhando intensamente – investindo recursos do Funcafé – para promover a atualização do mapeamento do parque cafeeiro a nível nacional, o que nos fornecerá informações ainda mais detalhadas sobre o nosso café e facilitará ainda mais a conformidade com o EUDR para nossos clientes na Europa.
No Brasil, a rastreabilidade do café à sua origem é possível
Ao longo dos anos, o Brasil também tem construído uma vantagem competitiva no campo da rastreabilidade, que é um dos aspectos mais desafiadores do EUDR. Após a entrada em vigor do EUDR, os compradores europeus precisam não apenas manter um registro dos seus fornecedores diretos (ou seja, os exportadores ou “traders”) mas devem também garantir a existência de uma cadeia de custódia que permite rastrear o café até a sua origem. Isso é necessário para comprovar uma relação direta entre os volumes comprados e os polígonos agrícolas que serão declarados no Sistema de Informações da UE durante o processo de importação.
No Brasil, a rastreabilidade é facilitada pelo fato de que grande parte da nossa economia, incluindo os segmentos rural e agrícola, opera de maneira formal. Nossos agricultores são registrados como pessoas físicas (CPF) ou jurídicas (CNPJ). Os produtores, de forma geral, estão integrados ao sistema bancário formal e conseguem fazer e receber pagamentos eletrônicos, que são (por definição) rastreáveis. Ademais, a compra e a venda de café são quase sempre formalizadas por meio da emissão de uma nota fiscal que registra detalhes importantes sobre a transação: a identidade do vendedor e do comprador, os volumes vendidos, o preço pago, a data e a hora da transação, entre outras informações.
Embora essas informações nem sempre estejam diretamente disponíveis para os compradores da UE, a infraestrutura existe para garantir o rastreamento adequado das transações e a coleta e transferência de dados da cadeia de suprimentos, o que nos confere uma enorme vantagem em relação aos nossos concorrentes.
O Brasil tem regras ambientais e sociais rígidas
Diferentemente de muitas outras origens, o Brasil tem um conjunto de leis que são abrangentes e rigorosamente aplicadas em todo o país. Nosso quadro legal cobre todas as principais áreas mencionadas no EUDR: leis fundiárias, proteção ambiental, direitos humanos, direitos trabalhistas, pagamento de impostos e anticorrupção.
Podemos presumir que a maior parte da nossa produção de café está em conformidade com as leis nacionais; afinal, essas leis já estavam em vigor bem antes da entrada em vigor do EUDR. No entanto, pode ser difícil para as empresas europeias entenderem nossa complexa estrutura legal e desenvolverem protocolos para avaliar os riscos de ilegalidade em suas cadeias de suprimentos no Brasil.
Outro risco para o nosso setor cafeeiro é a possibilidade de que cada um dos compradores de café da UE estabeleça seu próprio sistema de verificação, utilizando critérios e processos diferentes dos demais. Em tal cenário, como os nossos produtores, cooperativas e traders vendem para uma variedade de compradores, é possível que eles tenham que coletar um conjunto de documentos e cumprir com processos de verificação diferentes para cada caso, o que será bastante complexo e oneroso para o nosso setor.
O Brasil está propondo uma solução. Ferramentas públicas e de acesso aberto serão oferecidas gratuitamente a compradores europeus e outros. Essas ferramentas permitirão, para cada fazenda de café do país, a verificação de conformidade com as leis e regulamentações nacionais.
Em Minas Gerais, a plataforma Selo Verde já pode ser usada para a verificação de conformidade legal das propriedades rurais do setor cafeeiro do Estado.
Além disso, o Governo Federal está desenvolvendo a plataforma AgroBrasil+Sustentável, que informará aos interessados se um determinado produtor se encontra em situação irregular perante a uma série de leis e regulamentações nacionais, cobrindo todas as commodities do EUDR e todas as regiões do país.
Ambas as ferramentas reúnem dados públicos sobre conformidade legal que já existem e são amplamente utilizados para avaliações de conformidade legal pelo setor financeiro e outros.
As ferramentas acima citadas e outras construídas pelas cooperativas podem nivelar as condições para todos os produtores de café do Brasil e trazer consistência e justiça para o processo de devida diligência no nosso país.
Embora seja bem-vindo o desenvolvimento de ferramentas privadas e próprias por cooperativas e comerciantes, é importante que o processo de verificação não se torne um gargalo para os produtores, seja pelo custo de acesso às ferramentas privadas ou pela possibilidade de erros de processamento ou de interpretação. Neste sentido, é importante que os produtores tenham acesso a sistemas públicos que lhes permitam contestar os resultados de uma avaliação de due diligence da qual discordem.
Conclusão
O Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento será um desafio para o Brasil, que possui um dos maiores setores agrícolas do mundo e fornece uma enorme proporção dos alimentos necessários para alimentar a população global. O café é uma de nossas mais importantes produtos de exportação e um dos segmentos mais prestigiados e tecnologicamente avançados de nosso setor agrícola. Não podemos nos dar ao luxo de ficar para trás.
Dito isso, o Brasil está bem posicionado para enfrentar esse desafio. Nosso quadro legal é rigoroso e abrangente em questões relativas à sustentabilidade ambiental e social. Estamos rapidamente desenvolvendo sistemas para provar que o nosso café é rastreável, livre de desmatamento e legal.
Estamos confiantes de que nosso café não apenas atende às exigências da União Europeia, mas também pode se tornar um padrão de sustentabilidade no setor agrícola em todo o mundo.