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RS aposta em inovação agropecuária após catástrofe climática

O tema foi destaque na quarta edição do Diálogos pelo Clima



Foto: Freepik

O tema foi destaque na quarta edição do Diálogos pelo Clima, evento preparatório para a COP30 que aconteceu em Porto Alegre abordando os biomas do Sul: Pampa e Mata Atlântica

Especialistas, gestores públicos, representantes do setor produtivo e da sociedade civil se reuniram nesta quarta-feira (06/08), em Porto Alegre (RS), para a edição sul-brasileira do Diálogos pelo Clima, iniciativa da Embrapa em preparação para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em novembro, em Belém (PA). Com foco nos biomas Pampa e Mata Atlântica, o evento promoveu um debate sobre os caminhos possíveis para enfrentar os desafios das mudanças climáticas com base na ciência, na inovação e no diálogo intersetorial.

O Diálogos pelo Clima aconteceu em um contexto em que, há pouco mais de um ano, eventos climáticos extremos impactaram diretamente cerca de 2,5 milhões de pessoas no Rio Grande do Sul, durante as enchentes classificadas pelo governo do Estado como a maior catástrofe climática da história gaúcha.

Nesse sentido, a abordagem do papel da agricultura na mitigação dessas mudanças do clima e as oportunidades de estabelecimento de padrões mais resilientes da atividade a partir dos episódios de 2024 no RS estiveram na pauta dos discursos das autoridades que compuseram o dispositivo de abertura do evento: Silvia Massruhá, presidente da Embrapa, Simone Stülp, Secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação do RS, Eduardo Sfoglia, chefe da Assessoria Internacional do Ministério da Pesca e Aquicultura, José Cleber Dias de Souza, superintendente do Ministério da Agricultura e Pecuária no Rio Grande do Sul, Milton Bernardes, superintendente do Ministério do Desenvolvimento Agrário no RS, Luciano Schwerz, presidente da Emater/RS-Ascar, Márcio Madalena, secretário-adjunto da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do RS e Pepe Vargas, presidente da Assembleia Legislativa do RS.

Massruhá destacou o papel estratégico da agricultura na construção de soluções para o enfrentamento das mudanças climáticas. Segundo ela, os sistemas agroalimentares brasileiros têm potencial para contribuir significativamente na mitigação dos gases de efeito estufa, especialmente se considerados em sua diversidade e adaptabilidade aos diferentes biomas do país. A presidente enfatizou que a agropecuária brasileira é multifuncional – produz alimentos, fibras e energia – e se relaciona diretamente a temas como saúde, nutrição, gastronomia, turismo e valorização da sociobiodiversidade. Ressaltou, ainda, que o Brasil é uma potência agroambiental e que, com a COP acontecendo em solo nacional, é essencial mostrar ao mundo a sustentabilidade da agricultura brasileira, baseada historicamente em ciência, tecnologia e inovação.

O presidente da Emater/RS-Ascar, Luciano Schwerz, destacou, em sua fala, os grandes desafios enfrentados pelos agricultores gaúchos nos últimos seis anos, marcados por eventos climáticos extremos que impactaram severamente a produção agropecuária no estado. Segundo ele, apenas na cultura da soja, mais de 39 milhões de toneladas deixaram de ser colhidas nesse período, além de perdas expressivas também no milho, com uma redução superior a 9 milhões de toneladas, entre outros déficits. "Isso leva o agricultor a uma angústia", afirmou, enfatizando a urgência de adaptação à nova realidade imposta pelas mudanças climáticas.

Segundo a secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação do RS, Simone Stülp, que representou o governo do Estado no evento, uma das abordagens feitas pela pasta tem sido justamente o enfrentamento dos desafios impostos pelas mudanças climáticas, tema que ocupa posição central entre as 13 missões estratégicas definidas pela secretaria. A primeira dessas missões trata diretamente da necessidade de desenvolver soluções sustentáveis a partir da ciência, com foco na resiliência do território e no fortalecimento de setores-chave, como a agropecuária e os sistemas agroalimentares. A secretária ressaltou a importância de aprimorar as conexões entre as diferentes instituições que compõem essa cadeia no Estado, promovendo sinergia entre pesquisa, extensão, inovação e produção.

Conforme o presidente da Assembleia Legislativa do RS, Pepe Vargas, a crescente consciência social sobre as mudanças climáticas tem sido impulsionada por eventos extremos e pela realização da COP no Brasil, que ocorre em um cenário internacional desafiador, com potências globais relutando em financiar a transição ecológica e, em alguns casos, negando a própria crise climática. Segundo ele, apesar disso, o Brasil, conta com uma matriz energética majoritariamente limpa, e mantém o compromisso de estabelecer metas de mitigação não só nessa área, como também na agropecuária.

A palestra de abertura do evento foi proferida pela cientista Thelma Krug, coordenadora do Conselho Científico da COP30 e ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC). Ela abordou a situação e perspectivas das mudanças do clima para os Biomas da Região Sul. Em sua explanação, Krug demonstrou preocupação com a possibilidade de, cada vez mais rápido, o planeta alcançar o aumento de temperatura de 1.5º acima dos níveis pré-industriais (limite estabelecido no Acordo de Paris), fato que apontaria para a irreversibilidade de danos a alguns ecossistemas, além de impactos diretos a áreas como a agropecuária.

A interferência humana foi apontada pela cientista como fator-chave na intensificação de eventos extremos, como os registrados no Rio Grande do Sul. Krug alertou que, com base em cenários do IPCC, se não houver uma redução drástica nas emissões – incluindo maior remoção do que emissão de Dióxido de Carbono (CO²) – o planeta poderá experimentar esses eventos como o “novo normal”.

Segundo Krug, os eventos extremos vêm se tornando mais frequentes e estão diretamente associados ao aquecimento global provocado pela atividade humana. A partir da década de 1970, cientistas passaram a observar uma aceleração no ritmo do aquecimento, com maior acúmulo de CO² na atmosfera, fator diretamente relacionado ao aumento da temperatura dos oceanos, ao derretimento das geleiras e à elevação do nível do mar, provocando efeitos duradouros e, em muitos casos, irreversíveis.

Outro ponto abordado na palestra foi a transição energética, considerada uma das maiores urgências da atualidade, mas que ainda enfrenta resistências significativas devido à forte dependência global de combustíveis fósseis. Conforme Krug, nos países desenvolvidos, as emissões estão fortemente ligadas ao setor de energia, enquanto nos países em desenvolvimento, o desafio está justamente concentrado na agropecuária, que, conforme a cientista, pode ter papel estratégico na mitigação dos impactos ao clima.

Durante a programação técnica, a pesquisadora Rosane Martinazzo, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Clima Temperado, proferiu uma palestra sobre os desafios enfrentados pelos biomas do Sul do Brasil diante das mudanças climáticas, com foco principal no Programa Recupera Rural RS, iniciativa coordenada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), com atuação da Embrapa e diversas instituições parceiras.

O programa surgiu como resposta aos eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul e envolve ações emergenciais e estruturantes de médio e longo prazo, voltadas à recuperação agroprodutiva e ao fortalecimento da resiliência dos territórios rurais. A atuação é coletiva e abrangeu diversas ações iniciais, como doações e empréstimos de veículos e criação de uma sala de situação para análise de dados e apoio à tomada de decisão.

A partir da realização da oficina Recupera Rural RS, em 2024, com a reunião de 23 instituições, foram definidas ações prioritárias, que estão sendo desenvolvidas principalmente nas bacias dos rios Taquari-Antas e Baixo Jacuí. Na região de Bento Gonçalves e nos Campos de Cima da Serra, o foco está nas boas práticas agrícolas, recuperação de solos e gestão hídrica. Na região de Lajeado e Estrela, destacam-se as Unidades de Referência Tecnológica para a produção animal de pequena escala e as Unidades de Aprendizagem Coletiva voltadas à restauração ambiental, sistemas agroflorestais e monitoramento da fauna. Já na região de Eldorado do Sul e Viamão, a atenção se volta às boas práticas para restabelecimento da produção de arroz agroecológico e hortaliças, bem como à recomposição vegetal. Mesmo em regiões não diretamente impactadas por eventos extremos de maio de 2024, o programa tem promovido iniciativas como as Unidades de Referência para sistemas de Integração Lavoura-Pecuária.

Moderado por Clenio Pillon, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, o painel reuniu especialistas e representantes de diferentes setores para debater os desafios enfrentados pelos biomas Mata Atlântica e Pampa diante das mudanças climáticas. A secretária de Inovação, Ciência e Tecnologia do RS, Simone Stülp, destacou o papel estratégico da ciência na construção de soluções sustentáveis e adaptativas. Já Ernesto Casper, da Cooperativa Ecocitrus, compartilhou a experiência bem-sucedida da organização na gestão de resíduos agroindustriais e na valorização dos agricultores por meio do fortalecimento da cadeia produtiva, reduzindo a dependência de insumos externos.

Osmir Lavoranti, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Florestas, ressaltou a importância do setor florestal como ferramenta essencial para estratégias de sequestro de carbono, enquanto Eugênio Zanetti, vice-presidente da Fetag-RS, defendeu o reconhecimento e o apoio à agricultura familiar, que tem sofrido diretamente com os impactos climáticos. Já Paula Hofmeister, assessora ambiental da Farsul, lembrou que o Rio Grande do Sul foi pioneiro na agricultura de baixo carbono, e reforçou a necessidade de o estado assumir agora o protagonismo na construção de uma agricultura resiliente, capaz de responder às emergências climáticas que vêm se intensificando.

 

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