Bacillus, microrganismo usado em controle biológico de doenças de plantas, foi analisado em curso na Embrapa
Curso representa um passo importante e deve abrir espaço para novas capacitações

De 19 a 21 de agosto de 2025, a Embrapa Meio Ambiente, em parceria com a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, realizou um curso teórico e prático sobre quantificação de Bacillus spp., microrganismos amplamente utilizados no controle biológico de doenças e nematoides em plantas. A capacitação, coordenada pelo pesquisador Wagner Bettiol e pelo analista Gabriel Mascarin, teve como objetivo treinar profissionais que atuam com bioinsumos e controle biológico, com foco na quantificação de espécies de Bacillus empregadas na agricultura para o manejo de doenças.
A iniciativa foi promovida em um momento em que o controle de qualidade dos produtos biológicos se consolidava como uma preocupação crescente no país. Segundo Bettiol, a legislação brasileira exige que todos os produtos biológicos comercializados tragam no rótulo informações sobre qualidade, incluindo parâmetros de concentração e viabilidade dos microrganismos presentes. “Se o produto não atender aos padrões de qualidade, a fiscalização pode identificar o problema e tomar as providências cabíveis”, alertou.
Rayan Vital, gerente de produção da empresa Efense Bioinsumos, sediada no sul de Goiás, participou da capacitação e destacou a relevância da iniciativa para o setor. “É uma satisfação muito grande participar de um curso desse porte, com tantos nomes de peso da pesquisa brasileira”, afirmou. Segundo ele, a presença da Embrapa confere credibilidade ao mercado de controle biológico, ainda marcado pela falta de padronização nos métodos de análise.
“Hoje, as metodologias variam muito de um laboratório para outro. Ter uma instituição pública de pesquisa, reconhecida mundialmente, apoiando a busca por padronização traz mais seriedade para o setor”, avaliou. Vital comparou a situação à indústria farmacêutica, em que os métodos de controle são rigidamente estabelecidos. “No controle biológico ainda há muitas incertezas, e isso pode gerar prejuízos para as empresas e até descrédito por parte dos produtores rurais”, ressaltou.
Para ele, o curso representa um passo importante e deve abrir espaço para novas capacitações. “Que venham outras edições voltadas não só para Bacillus, mas também para outros microrganismos, como as bactérias Gram-negativas e os fungos”, concluiu.
Outra participante foi a produtora rural paraguaia Belén Fernandez, que veio ao Brasil para aprofundar seus conhecimentos sobre o uso de agentes biológicos no controle de doenças de plantas, com foco em práticas mais sustentáveis na agricultura.
Em sua propriedade, no Paraguai, Fernandez cultiva soja, milho, trigo, girassol e chia, além de já ter participado de um projeto piloto do governo paraguaio com cânhamo (fibra de Cannabis). Em fase de transição no manejo, busca reduzir o uso de agroquímicos. Ela considera o Brasil e a Embrapa referências na área e acredita que esse é o caminho para avançar em sustentabilidade. Além de produtora, está estruturando a empresa Belobio, dedicada a soluções sustentáveis para o campo. “Estamos começando a trabalhar com insumos biológicos e sabemos que há um longo caminho, mas é preciso começar pelo melhor rumo, e foi por isso que vim à Embrapa”, disse.
Lidiane Moreira, Supervisora de pesquisa em biotecnologia do Instituto Goiano de Agricultura, destacou a atuação da entidade como braço de pesquisa da Associação Goiana de Produtores de Algodão (Agopa). Segundo ela, o instituto é direcionado para atender aos interesses dos cotonicultores do Estado. Sobre sua participação no curso, ela ressaltou os ganhos obtidos pela equipe. “Nosso objetivo foi atualizar protocolos, aprimorar processos e identificar pontos de melhoria. O curso superou as expectativas, tanto pela qualidade do conteúdo, transmitido de forma clara por profissionais de renome, quanto pela oportunidade de ampliar nossa rede de contatos e parcerias”, afirmou.
O curso foi uma experiência de grande valor técnico e científico, disse Danilo Tosta, um dos participantes. A combinação entre teoria e prática proporcionou um aprendizado consistente, que vai desde os fundamentos até a aplicação em situações reais. A excelência das discussões deixou evidente a importância da padronização de métodos de controle de qualidade, um desafio central para garantir a confiabilidade e o fortalecimento do uso de bioinsumos na agricultura brasileira.
Outros aspectos foram amplamente discutidos no curso, como os mecanismos de ação, produção e formulação de produtos à base de Bacillus. Bettiol ressalta que o aspecto teórico é fundamental também para o entendimento da metodologia desenvolvida pela Embrapa para avaliar a qualidade de produtos. Por isso, dois convidados especialistas em Bacillus foram convidados.
O uso de microrganismos no controle biológico de pragas e doenças agrícolas está em rápida expansão no Brasil, e as bactérias do gênero Bacillus vêm despontando como protagonistas desse avanço. A avaliação é de Roberto Lanna Filho, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que destacou a versatilidade e a eficiência do microrganismo em comparação a outros agentes, como o fungo Trichoderma, tradicionalmente utilizado nesse tipo de manejo.
Segundo o especialista, o Bacillus spp. apresenta uma combinação de características que o tornam altamente adaptável às diferentes condições da lavoura e às diversas fases do desenvolvimento das plantas. Entre os diferenciais estão a capacidade de sintetizar ampla gama de moléculas bioativas, a produção de endósporos — estruturas de resistência que conferem maior durabilidade e viabilidade — e a plasticidade genética, que amplia suas funções como microrganismo comunicador e adaptativo.
Esse desempenho se reflete no mercado. Na safra 2018/2019, havia 261 produtos registrados com base em microrganismos para o controle biológico. Já em 2023/2024, o número saltou para 680, sendo a maioria composta por formulações de Bacillus.
A vantagem dos endósporos, explica Lanna Filho, é determinante para a eficiência em campo. Em média, 100% germinam em apenas 10 minutos, demonstrando elevada taxa de tolerância a variações de pH e radiação ultravioleta. Essa robustez garante não apenas maior eficácia biológica, mas também benefícios econômicos: produtos mais estáveis, com maior tempo de prateleira e melhor desempenho mesmo quando misturados a caldas ácidas ou básicas, além da resistência a agentes químicos como o cobre.
Outro aspecto ressaltado é a velocidade de multiplicação. Em seis horas, uma população de Bacillus pode gerar até 16.797 descendentes, o que contribui para rápida colonização da planta e efeito prolongado de proteção. Essa alta capacidade reprodutiva, somada à versatilidade metabólica — energética, hormonal e adaptativa —, permite ao microrganismo se estabelecer em diferentes nichos, oferecendo maior segurança no manejo biológico. “O Bacillus é mais versátil e, em alguns cenários, já mostra potencial para ultrapassar o Trichoderma como principal agente biológico usado na agricultura”, destacou o pesquisador.
Atualmente, no Brasil, espécies de Bacillus são amplamente comercializadas como bionematicidas. Os bionematicidas há tempos são mais utilizados do que os nematicidas químicos no país. Assim, de acordo com Bettiol, é indispensável num curso sobre controle de qualidade de Bacillus discutir o seu uso para o controle de nematoides.
Para o professor Eduardo Freire, especialista em controle biológico de nematoides pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), o curso promovido pela Embrapa foi de extrema relevância. Ele destacou que, em um cenário em que o controle biológico ganha espaço no mercado agrícola, o tema precisa ser tratado com responsabilidade e informação qualificada. “Vemos muitas pessoas falando e indicando essa ferramenta, que de fato tem um potencial magnífico para trazer sustentabilidade, ganhos de produtividade e principalmente economia nos custos de produção. É espetacular, mas também tem sido alvo de interpretações equivocadas, muitas vezes por falta de conhecimento. O trabalho da Embrapa em treinar e capacitar profissionais para aplicar corretamente o controle biológico, com enfoque no uso dos Bacillus, é de grande valia e tem forte impacto social. Espero que tenha vida longa e muitas outras edições”, afirmou.
Durante sua participação, Freire abordou em especial o controle de nematoides com Bacillus. Segundo ele, entre as várias ferramentas disponíveis no campo dos bionematicidas, esse gênero de bactérias se destaca pelo enorme potencial, sustentado por diferentes mecanismos de ação. “Os Bacilli podem atuar como nematicidas, matando o nematoide; como nematostáticos, paralisando-o; ou até mesmo exercendo efeito repelente. Têm ainda capacidade ovicida, induzem resistência sistêmica nas plantas, promovem crescimento e enraizamento e até aceleram a germinação. Nem todos os isolados de Bacillus apresentam todas essas características em plenitude, mas o conjunto dessas funções faz do Bacillus uma peça central no manejo de nematoides”, explicou.
Freire chamou atenção para a dimensão do problema: um levantamento recente mostrou que, em média, apenas na soja, os nematoides respondem por 10% das perdas anuais. “Em dez anos, isso equivale à perda de uma safra inteira de soja. É um prejuízo gravíssimo. Por isso, identificar mecanismos de manejo para reduzir o impacto desse patógeno é fundamental, e as espécies de Bacillus têm se mostrado muito eficazes e cada vez mais difundidos.”
Outro ponto ressaltado foi a capacidade de persistência da bactéria no solo. Graças à formação de endósporos, Bacillus resistem às condições adversas e mantêm sua ação durante todo o ciclo da planta. Isso representa uma vantagem importante frente ao manejo químico, que tem efeito pontual e pode trazer prejuízos ao bioma. “Bacillus não deprecia o microbioma, ao contrário: em alguns casos, promove até maior diversidade microbiana no solo”, destacou.
Na dinâmica do curso, os participantes foram conduzidos a analisar o ciclo biológico dos principais nematoides que afetam a agricultura brasileira, identificando pontos frágeis e mecanismos de defesa desses organismos, além de estratégias para superá-los. A partir disso, discutiram-se os diferentes modos de ação de isolados de Bacillus e como avaliá-los com precisão, visando adequar tecnologias e apoiar o desenvolvimento de novos produtos.
Segundo Freire, a qualidade do público presente mostrou a força da iniciativa. “Percebi pelo nível das perguntas e pela participação ativa dos inscritos que a Embrapa conseguiu reunir um grupo seleto, que certamente multiplicará os princípios do controle biológico e ajudará a fortalecer esse manejo dentro do cenário agrícola brasileiro”, concluiu.
De acordo com Bettiol, no primeiro semestre de 2026 o curso será repetido no mesmo formato. Além da parte teórica e prática, vamos manter a visita a produtores que fazem uso de Bacillus com as diversas finalidades há muitos anos. Bettiol considera que é um papel fundamental da Embrapa dar treinamento de alto nível para a comunidade envolvida com biocontrole no Brasil.