Crédito cooperativo dos produtores fica fora dos efeitos da RJ
O crédito cooperativo foi blindado pelo Superior Tribunal de Justiça

Empresas agropecuárias que utilizam com frequência esse tipo de crédito devem avaliar a estrutura de suas dívidas antes de optar pela recuperação judicial
O crédito cooperativo foi blindado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em decisão unânime da terceira turma, reconheceu que os créditos adquiridos em atos cooperativos, aqueles realizados entre cooperativas de crédito e seus cooperados, são extraconcursais, ou seja, não se submetem aos efeitos do da recuperação judicial. A decisão foi efetivada em julgamento conjunto dos Recursos Especiais 2.091.441 e 2.110.361, interpostos pela Sicredi Alta Noroeste e pela Cooperativa de Crédito Nosso – Sicoob Nosso, respectivamente.
Em consonância com os recursos propostos pelas cooperativas, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que a atuação das cooperativas é distinta das instituições financeiras tradicionais, pois está baseada na mutualidade e na prestação de serviços exclusivos aos cooperados. A cobrança de juros, destacou o ministro, não descaracteriza o ato cooperativo, uma vez que tem como finalidade a sustentabilidade da atividade e o benefício coletivo dos membros.
Na avaliação do advogado André Bachur, sócio do Passos e Sticca Advogados Associados (PSAA), a decisão favorece a segurança jurídica, uma vez que aplica exatamente o que diz a lei. “Na prática, significa que créditos oriundos de cooperativas não vão entrar na recuperação judicial, ou seja, mesmo que o produtor rural entre em recuperação judicial, a cooperativa poderá executar seu crédito paralelamente”, explica.
De acordo com Bachur, o impacto será gradual, já que produtores avaliarão se realmente é viável entrar com a recuperação judicial, tendo em vista que os créditos oriundos de cooperativas não serão abarcados pelos efeitos da recuperação judicial. “Em um cenário em que o instituto da recuperação judicial foi banalizado, a decisão é benéfica e fortalece o procedimento, já que delimita quais créditos serão atingidos pelos efeitos da recuperação judicial”, esclarece o especialista.
A decisão ocorre num momento em que crescem os processos de recuperação judicial de produtores rurais e empresas do agronegócio. De acordo com dados da Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial por empresas do setor agroindustrial cresceram 38% no primeiro trimestre de 2025 em relação ao mesmo período de 2024 – ano que já havia registrado recorde histórico nesse indicador.
A jurisprudência firmada pelo STJ soma-se a outras exceções legais à recuperação judicial, tais como: Cédulas de Produto Rural (CPR), com antecipação de preço e operações de barter (Lei nº 8.929/94, art. 12); créditos de operações de crédito rural controlado (§7º do art. 49 da Lei nº 11.101/05) e dívidas para aquisição de imóvel rural nos três anos anteriores ao pedido (§9º do mesmo artigo).
Em relação ao crédito decorrente da CPR física, o sócio do PSAA explica que ele já não é absorvido pelos efeitos da recuperação judicial nos termos do art. 11 da Lei 8.929/94 (Lei das CPRs), alterado pela Lei 14.112/20 (reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência - Lei 11.101/05). “Assim, os créditos advindos das cooperativas aos produtores formalizados por CPR física serão duplamente extraconcursais”, resume.
Com essa decisão, o STJ reafirma a segurança jurídica dos contratos cooperativos e reforça a previsibilidade para os agentes financeiros do setor agropecuário. “Para os produtores rurais em situação de endividamento, o julgamento serve de alerta. Por isso, é fundamental avaliar, de forma estratégica e individualizada, a estrutura das dívidas antes de se recorrer à recuperação judicial, que pode não abranger todos os tipos de crédito”, sugere o jurista.