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Duas cultivares da Embrapa são resistentes à mais grave doença mundial das bananeiras

As primeiras mudas in vitro chegaram ao País em janeiro de 2022



Foto: Divulgação

O Brasil é o único país das Américas preparado para enfrentar a forma mais grave da murcha de Fusarium, a raça 4 tropical (R4T). A confirmação veio de pesquisa da Embrapa realizada na Colômbia que comprovou a resistência das cultivares BRS Princesa e BRS Platina a esse patógeno. A descoberta abre caminho para o uso dessas variedades como barreiras naturais contra a disseminação da doença em escala global. Endêmica em todas as regiões produtoras de banana, a murcha de Fusarium provoca prejuízos bilionários, ao contaminar colheitas e impor restrições às exportações.

O fungo causador da murcha de Fusarium - Fusarium oxysporum f. sp. cubense (Foc),  que também ocorre em 17 países da Ásia, África e Oceania, é disseminado por solo contaminado a partir de sapatos e ferramentas, mudas de bananeira (visualmente sadias, mas infectadas) e plantas ornamentais hospedeiras. Antes conhecida como mal-do-Panamá, a raça 4 Tropical ainda não chegou ao Brasil, mas está presente nos vizinhos Colômbia (identificada em 2019), Peru (2020) e Venezuela (2023). Todas essas nações fazem fronteira com o Brasil, o que deixa a bananicultura nacional em permanente estado de atenção e com risco iminente da entrada dessa raça em solo brasileiro.

A BRS Princesa e a BRS Platina e diploides melhorados (parentes ancestrais das variedades atuais e que são utilizados no melhoramento da espécie) passaram por testes na Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária (AgroSavia). Elas ficaram ao lado de bananeiras Williams, cultivares-testemunhas altamente suscetíveis do grupo Cavendish (Nanica), que é a variedade mais consumida globalmente. O experimento se deu em um lugar bastante representativo: a primeira fazenda em que foi identificada a raça 4 tropical em toda a Colômbia, em área cedida pelo proprietário para as pesquisas, com a vigilância do Instituto Agropecuário Colombiano (ICA).

As primeiras mudas in vitro chegaram ao País em janeiro de 2022 e foram para a estação quarentenária do ICA, onde permaneceram por oito meses para confirmar a ausência de fungos, bactérias, vírus e nematoides exóticos. Depois da quarentena, foi feita a inoculação do patógeno nas plantas em casa de vegetação e, em seguida, as mudas seguiram para testes em tanques de água com solo contaminado com a doença. “Quando estavam maiores, a BRS Princesa e a BRS Platina passaram para o campo, em área que já tinha a doença”, relata Mónica Betancourt, pesquisadora sênior da AgroSavia. Ela é a responsável da Corporação no convênio com a Embrapa e a Associação de Bananicultores da Colômbia (Augura) e líder da equipe de pesquisa. A Augura também apoia financeiramente o projeto, que encontra-se em sua primeira fase (de 2021 a 2026).

Betancourt explica que, na Colômbia, foram estabelecidos quatro ciclos de produção. O terceiro comprovou que menos de 1% da BRS Princesa e da BRS Platina foi afetado. De 5% a 8% significaria alto risco. “Por isso, consideramos que são resistentes”, destaca. Os testes de produtividade ainda não estão concluídos porque não é possível comparar com variedades dos mesmos tipos, uma vez que a Colômbia não planta as bananas Prata e a Maçã, que praticamente desapareceram por causa da murcha de Fusarium. Segundo a pesquisadora, também foram introduzidos diploides como base de um programa de melhoramento genético na Colômbia. “Seria uma réplica do programa da Embrapa, mas para Cavendish”, conta.

De acordo com o pesquisador Edson Perito Amorim, líder do Programa de Melhoramento Genético de Banana e Plátano da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), dentro da estratégia de melhoramento preventivo, a parceria com a Colômbia foi extremamente importante porque o material genético brasileiro foi testado em outro país, onde a doença está presente. Com isso, foi possível fechar o ciclo do melhoramento. “Enviamos três híbridos comerciais desenvolvidos pelo programa e eles foram 100% eficientes, sendo que um vai ser lançado em 2026”, informa.

Bananeiras BRS Platina, da Embrapa, resistentes à raça 4 tropical da murcha de Fusarium a principal doença da cultura no mundo. Foto: Lea Cunha

Entre o material enviado, estavam também derivados da cultivar Cavendish Grande Naine que mostraram resistência a murcha de Fusarium raça subtropical 4 no Brasil e tem potencial para também possuírem resistência à raça 4 tropical, indica Janay Almeida dos Santos-Serejo, pesquisadora da Embrapa. “Esperamos identificar ao menos um somaclone com resistência à raça 4 tropical”, revela Santos-Serejo ao dizer que os resultados devem sair no próximo ano. Somaclones são mutações naturais induzidas in vitro.

“O grande desafio não é desenvolver a resistência, mas agradar ao produtor e ao consumidor, aliando qualidade, produtividade e sabor”, afirma Amorim. Ele conta que após 40 anos, foram obtidos materiais melhorados muito superiores aos do passado e lembra que o trabalho envolveu inoculação para selecionar material, uso de biotecnologia, os estudos moleculares e o conhecimento de genética de Fusarium que foi obtido pela própria Embrapa.

Testes de laboratório já indicavam que as variedades poderiam ser resistentes. “Alguns marcadores moleculares para a resistência à raça 4 também apareciam nos nossos genótipos, mas só se consegue comprovar fazendo uma inoculação artificial com o patógeno”, relata o fitopatologista da Embrapa Fernando Haddad, que lidera as pesquisas com Fusarium. De acordo com ele, não foi um acaso: “Nosso programa de melhoramento sempre focou na resistência a Fusarium, desde que era liderado por Sebastião Silva com o apoio de Zilton Cordeiro [pesquisadores aposentados], mas só tivemos oportunidade de testar para a raça 4 agora”.

“Há alguns anos, o Ministério da Agricultura priorizou essa praga no sistema de vigilância oficial [o Programa Nacional de Prevenção e Vigilância de Pragas Quarentenárias Ausentes] para evitar a sua chegada território nacional e, caso ela chegue, atuar com a maior agilidade possível para minimizar seus impactos. Esse trabalho é realizado para dar tempo para a pesquisa produzir resultados. E eles chegaram”, comemora o auditor fiscal federal Agropecuário Ricardo Hilman, gestor da Coordenação de Controle de Pragas do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Mapa.

Apesar da resistência, o representante do Mapa alerta sobre os cuidados para evitar a doença. “O produtor não pode baixar a guarda, assim como a vigilância fitossanitária vai manter as atividades e ações preventivas. Queremos que a praga demore o máximo de tempo possível para chegar porque sempre causa algum impacto. É importante que o produtor faça a sua parte, preservando os cuidados com material de propagação, pessoas que entram na propriedade e utensílios, equipamentos, tratores usados etc.”

As ações de vigilância são realizadas pelo Ministério, Superintendências Federais de Agricultura e órgãos estaduais de defesa sanitária. São ações individuais, às vezes conjuntas e às vezes complementares, que vão de normas internacionais de importação de material de propagação até a vigilância em portos, aeroportos e fronteiras, treinamentos de equipes e simulados e suporte de laboratório para detecção precoce.

“Um exemplo é o sistema de levantamento fitossanitário nas possíveis áreas de ingresso do fungo, desenvolvido em conjunto com a Embrapa Territorial (SP), que reúne informações sobre possíveis rotas de chegada em função da presença nos países vizinhos, rotas de trânsito e fluxo de pessoas e importações. É um trabalho de análise de dados e de inteligência”, conta Hilman. Ministério e Embrapa estão em fase de reestruturação do plano de contingência: “Antes havia um protocolo de erradicação que seguia normas internacionais. Poderemos sugerir que os novos plantios sejam de material resistente”, completa Haddad.

Planta infectada com a mancha de Fusarium R4T. Foto: Fernando Haddad.

Para Augusto Aranha, presidente da Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Abavar) e responsável pela produção de bananas da empresa Trop Sabor, a notícia vem como um alívio para os agricultores do maior polo nacional de cultivo da fruta. “No caso de uma possível chegada da R4T, talvez o Vale seja a região mais vulnerável do País, por conta da BR [116] que cruza toda a área e porque cursos d'água poderiam se tornar veículos de disseminação. Ter variedades resistentes nos dá tranquilidade de saber que, plantando a BRS Princesa e a BRS Platina, nós poderemos produzir, já que por enquanto ainda não temos oficialmente nada confirmado em relação à resistência de Cavendish [o tipo mais plantado no Vale]”, afirma.

A preocupação da Abavar é proporcional à força da bananicultura na região, pois a fruta representa mais de 70% da economia local, com 30 mil hectares plantados. “A R4T é uma doença que poderia dizimar a bananicultura e causar um impacto enorme no Vale. O que se iria produzir? Além disso, áreas poderiam ser interditadas, entrar em quarentena e nem ser agricultáveis a curto prazo. Seria terrível. Apesar das variedades, não podemos abandonar a biossegurança nem a questão fitossanitária. Se a doença entrar de forma severa, que não possibilite mais a produção, até que se tenha banana das novas variedades, deve-se levar de três a cinco anos. Como existem outras regiões produtoras e se pode importar, essa janela de tempo pode afetar a economia do Vale e fazer com que perca a vocação para a fruta”, considera Aranha.

Em setembro de 2020, supermercados da capital paulista receberam frutos da BRS Princesa da TropSabor para degustação. “Fizemos um trabalho de marketing em conjunto com a Embrapa para o consumidor conhecer a variedade, que ficou muito bem posicionada. Poucos perceberam diferença entre ela e a original. Além disso, se consegue comer a partir de um determinado estágio de maturação enquanto a original não na mesma coloração”, explica. Hoje, a TropSabor tem 200 hectares de banana, sendo 25 de BRS Princesa e 20 de BRS Platina.

Banana BRS Princesa, da Embrapa, resistente à murcha de Fusarium R4T. Foto: Edson Amorim

Além da AgroSavia, a Embrapa conduz trabalhos com a Corporação Bananeira Nacional (Corbana), da Costa Rica, que investe recursos nas pesquisas com Cavendish. Amorim informa que, pela dificuldade de desenvolver sementes de Cavendish para cruzamento, o custo é alto. “Enquanto, em média, se produz uma semente para um cacho inteiro de Prata, para Nanica é uma semente para cada 500 cachos. Fazemos melhoramento de banana Prata hoje com 400 plantas na Embrapa,” detalha.

Na Corbana, a empresa brasileira mantém cinco hectares de Cavendish com duas mil plantas por hectare, o que totaliza dez mil plantas. Amorim informa que a parceria com a Corbana resultou em 25 novos híbridos. Todos serão avaliados no campo quanto à qualidade dos cachos e dos frutos. Com a AgroSavia, a Embrapa desenvolveu outros três híbridos.

O pesquisador conta que os materiais usados para a obtenção dos híbridos são resistentes à raça 4 tropical da murcha de Fusarium. “Com isso, é possível que alguns desses híbridos desenvolvidos de Cavendish também possuam resistência a essa terrível doença. Esperamos ter essa resposta em breve”, conta o cientista.

No Brasil, a avaliação agronômica da nova variedade do tipo Prata a ser lançada em 2026 acontece no norte de Minas Gerais, outra grande região produtora, e é liderada por Haddad, com participação de Leandro Rocha e Alberto Vilarinhos, respectivamente analista e pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura. O trabalho é realizado em parceria com os grupos Brasnica, Borborema, Loschi e Marcos Ribeiro, o que otimiza os ajustes pós-colheita, em especial a climatização de uma nova variedade, e acelera a validação comercial.

"Apesar de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não classificar a produção brasileira de banana por variedade, estima-se que 55% seja de banana Prata e 10% do tipo Maçã”, comenta Amorim. Na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), a maior rede de entrepostos brasileiros, poucos distribuidores especificam a variedade nas notas fiscais. “Ela aparece como banana Maçã, mas praticamente é tudo BRS Princesa", afirma Gabriel Bitencourt, chefe da seção do Centro de Qualidade Hortigranjeira da Ceagesp.

O Programa de Melhoramento Genético de Banana e Plátano da Embrapa está alinhado ao compromisso da Embrapa com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2015, com a missão de construir e implementar políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030 (Agenda 2030). Atende, inicialmente, ao Objetivo número 2 “Fome zero e agricultura sustentável”, que consiste em erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável.

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