Cadeia produtiva aponta desafios para mercado da soja
A cultura da soja foi a que mais cresceu no Brasil nas últimas cinco décadas

A cultura da soja foi a que mais cresceu no Brasil nas últimas cinco décadas, tanto que de 1975 até 2025, a produção saltou de 9,89 milhões de toneladas; safra 1974/1975 para aproximadamente 169 milhões de toneladas (Conab), na safra 2024/25. “Podemos afirmar que o incremento contínuo da produtividade da soja e a consequente ampliação da sua produção foi resultado da adoção de um conjunto de tecnologias adotadas pelo produtor brasileiro”, destaca o chefe-geral da Embrapa soja Alexandre Nepomuceno que mapeou a sojicultora brasileira nos últimos 50 anos, na abertura do VII Seminário Desafios da Liderança Brasileira no Mercado Mundial de soja, que começou ontem, 19 de agosto, e segue até hoje, em Londrina (PR).
O crescimento da cultura, na visão de Nepomuceno, é fruto direto da tropicalização da soja, ou seja, dos investimento alcançados no melhoramento genética para adaptar a oleaginosa às condições do Brasil, mas também tecnologias e recomendações que permitiram corrigir os solos e manejar pragas, doenças e plantas daninhas. “Foram muitos os desafios que o produtor brasileiro conseguiu superar com as recomendações técnicas respaldadas em ciência, utilização de maquinários adequados e melhorias de infraestrutura”, enumera.
Se a trajetória tem sido promissora, quais os desafios atuais e de longo prazo? Para Nepomuceno um dos pontos a ser incrementado é a agregação de valor à produção de soja. A soja representa hoje 6% do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio e gera, em média, 2,5 milhões de empregos. “Com a agregação e valor conseguiríamos aumentar em quatro vezes o PIB, assim como a geração de empregos”, calcula Nepomuceno.
De acordo com ele, a agregação de valor ocorre atualmente por meio da produção de carnes, via alimentação animal, mas é preciso colocar a oleaginosa na pauta da transição entre a química fóssil para a química verde. “Podemos usar, por exemplo, o óleo de soja para produzir plástico, borracha, asfalto e tantos outros produtos, com investimentos em ciência e tecnologia como já vêm fazendo os Estados Unidos”, exemplifica Nepomuceno. “As revoluções tecnológicas que vivemos tem o potencial de impactar positivamente o agronegócio, seja por meio da agricultura digital, inteligência artificial da edição gênica, RNA interferente, e de muitas outras inovações”, avalia.
Desafios da evolução da sojicultura - Durante o Seminário, também foi realizado um painel para debater a evolução da sojicultura brasileira por regiões de produção. O pesquisador Décio Gazzoni, da Embrapa Soja, realizou um mapeamento da produtividade e analisou as oscilações regionais.
Hoje cerca de 20 estados brasileiros produzem soja em diferentes condições, com uso de cultivares diferentes e de diferentes sistemas produtivos. Além disso, Gazzoni explica que o regime de chuvas é diferenciado, assim como a adoção de tecnologias e a atuação da assistência técnica.
Para Gazzoni, a produtividade no Brasil - de 1970 a 2000 - cresceu com pouca oscilação, porém, devido principalmente às mudanças climáticas atualmente a produtividade está com maior volatilidade, mesmo em regiões tradicionais de produção de soja como o Centro-Oeste. “Isso porque tínhamos uma previsibilidade muito maior do regime de chuvas há 15 ou 20 anos do que temos hoje, portanto, os riscos são maiores”, avalia. “A região Sul e o sul de Mato Grosso Sul têm sofrido com déficit hídrico, ondas de alta temperatura, o que tem afetado muito a produtividade desta região”, destaca.
Na visão do pesquisador, a solução passa pelo investimento tecnológico, em políticas públicas e em ação conjunta e integrada da cadeia produtiva. “Nada se resolverá rapidamente: são necessários investimentos continuados de longo prazo, principalmente em manejo de solo e no melhoramento genético”, reflete. “E temos outros desafios, alguns circunstanciais, conjunturais, outros estruturais como a questão logística”, avalia Gazzoni.
Visão dos produtores - Fabrício Rosa, diretor da Aprosoja Brasil, apresentou os cenários que impactaram a produção e a produtividade da soja, nas últimas safras. Rosa também apontou as mudanças climáticas - seca durante três safras, e as inundações do Rio Grande do Sul, em 2024 – como fator determinante nas quebras de safra no Brasil. “Apesar disso, o abastecimento interno não foi afetado e nem o nosso compromisso de exportação. Isso porque o Brasil tem proporções continentais e se há quebra de um lado, conseguimos compensar de outro o que se reflete em safras robustas”, explica.
Além das questões climáticas, Rosa colocou como desafios para os produtores, os aspectos mercadológicos mundiais e conjunturais como a pandemia de Covid e mesmo as guerras em diferentes regiões mundiais. “Esse cenário levou a atrasos na comercialização de algumas safras. Neste sentido, entendemos que os produtores precisam melhorar a gestão da propriedade, especialmente financeira, o controle de fluxo de caixa e de investimentos, principalmente”, aponta Rosa.
Outro desafio levantado por Rosa foi o aumento no custo de produção de soja, em função da pandemia, assim como o crescimento dos custos com defensivos agrícolas. “Em proporção, normalmente o custo com defensivos era 20% do custo de produção e agora está próximo de 40%”, relata. “O custo da semente, por exemplo, que ficava em torno de 5% chegou a superar os 10% no custo de produção”, calcula.
Rosa diz ainda que a Aprosoja tem trabalhado para aprimorar a legislação brasileira, seja aprovando leis para o uso de agrotóxicos ou para produção de bioinsumos. “Usar biológicos é uma alternativa para o produtor que, em alguns casos, consegue reduzir em até 50% o custo com os químicos”, destaca. “Também estamos discutindo a modernização da lei de cultivares, assim como buscando apoiar financeiramente os produtores, especialmente do Rio Grande do Sul, por intermédio de ferramentas de renegociação de dívidas”, explica Rosa.
Agregação de valor nas cooperativas - Outro ponto em debate foi o papel das cooperativas na produção de soja, tema conduzido por Robson Mafioletti, superintendente do Sistema Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná)Segundo ele, em torno de 50% da safra brasileira é conduzida pelas cooperativas que possuem mais de 9 mil profissionais atuando junto aos produtores - cerca 240 mil sojicultores. “Nosso papel é levar as melhores tecnologias para os nossos cooperados, por isso, as cooperativas têm estações de pesquisa para validar as soluções mais adequadas para o cooperado”, explica Mafioletti. “Hoje existem muitas cultivares e tecnologias disponíveis e a cooperativa tem o papel fundamental de direcionar a tomada de decisão”, avalia.
Além disso, nos últimos 20 anos, Mafioletti ressalta que houve investimento das cooperativas para industrializar o processo produtivo, agregando valor à produção de farelo e de óleo de soja para fomentar a cadeia produtiva de carnes. “Do total de soja produzido pelas cooperativas, 25% é direcionado para agroindústria. Essa agroindustrialização é muito relevante, porque gera uma estabilidade de renda, ao longo do ano”, reflete Mafioletti.
O VII Seminário Desafios da Liderança Brasileira no Mercado Mundial de Soja é promovido pela Embrapa Soja em parceria com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE), Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (ACEBRA), a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC), a Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso do Sul (APROSOJA MS), Associação dos Produtores de Soja do Paraná (APROSOJA PR), a Associação das Supervisoras e Controladoras do Brasil (ASCB), Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e o Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações).