Vinícola aposta em práticas regenerativas e mínima intervenção para valorizar terroir da Serra Gaúcha
"A bolha pode carregar história, biodiversidade e inovação"

Um espumante elaborado apenas com o suco da uva, leveduras naturais e com mínima intervenção humana. Assim nasce mais um rótulos da Chandon, apresentado nesta quarta-feira (30.07) em Garibaldi (RS).
“É um produto que não se encontra no mercado. Ele exige explicação, precisa de diálogo com o consumidor. A natureza faz quase tudo sozinha. A gente apenas acompanha. Não usamos fermentos selecionados, só os que estão no ambiente, no porão da adega”, explicou o enólogo Philippe Mével, durante o evento que também marcou a reabertura da casa da vinícola ao público.
Segundo ele, trata-se de uma proposta que exige uva impecável e uma safra excepcional. “Tem anos que a gente decide não fazer, porque a uva não atingiu o ponto que buscamos. Depois que colhemos, tudo está nas mãos da natureza. É quase uma entrega total. A intervenção é praticamente zero”, pontuou.
Mével comparou o processo ao nascimento de um bebê. “A uva é a genética. A fermentação é como um parto. E depois, o espumante cresce por conta própria. A gente apenas orienta, observa. Mas se o potencial não está na uva, nada acontece. E é por isso que precisa ser tão bem comunicado. Não é um espumante clássico — e isso exige um novo olhar.”
O tempo também é um fator importante. A colheita ocorre no fim de janeiro. Em seguida, a fermentação natural dura cerca de um mês. “Depois disso, aplicamos frio para interromper o processo no ponto certo, mantendo o açúcar residual da uva. O produto então amadurece por mais três meses em contato com as próprias leveduras, ganhando cremosidade e uma borbulha delicada, bem conectada ao propósito do espumante”, explicou.
A aposta em mínima intervenção se conecta diretamente com outra frente: a viticultura regenerativa. Eugênio Barbieri, agrônomo responsável pela produção da vinícola no Brasil, destacou os desafios do clima gaúcho, que impedem a adoção integral do cultivo orgânico. “Uvas como chardonnay e itália são muito sensíveis a fungos. Então, nosso modelo é o manejo integrado e sustentável.”
Barbieri explica que a empresa reduziu ao máximo o uso de produtos químicos, apostando em bioinsumos, monitoramento e subdosagem. “Muitos dos bioinsumos que usamos são produzidos a partir do nosso próprio bagaço de uva. Fungos como tricoderma e bactérias como Bacillus, por exemplo, são reaproveitados no vinhedo. É um ciclo completo.”
Na produção regenerativa, os avanços são fundamentais. “Há quatro anos não usamos nenhuma gota de herbicida em nosso maior vinhedo em Encruzilhada do Sul. Monitoramos aves, mamíferos, biodiversidade em geral. A cobertura verde do solo não é um gramado qualquer. São mais de 35 espécies diferentes. É um ecossistema completo.”
Outro diferencial é o trabalho com a comunidade de viticultores da região. Dois terços da produção vêm de parcerias locais. “Testamos novas técnicas nos nossos vinhedos, e se funcionam, convidamos os viticultores a adotá-las. Essa troca é permanente, respeitosa, e cada um adapta conforme sua cultura. Isso enriquece todo o processo”, reforçou Barbieri.
O evento realizado em Garibaldi teve também o objetivo de aproximar os consumidores da filosofia por trás desses novos espumantes. “Não se trata apenas de celebrar. A bolha pode carregar história, biodiversidade e inovação. Queremos mostrar que o espumante pode ser expressão do território, da natureza e das pessoas que fazem parte dele”, concluiu Mével.