Agricultor reclama que vendeu a produção por R$ 60 a arroba e agora a cotação subiu a R$ 85. Um impasse em torno do preço do tabaco tem provocado tensão nos últimos dias entre os dois principais elos da cadeia produtiva do fumo, rompendo uma antiga harmonia entre os agricultores e a indústria. No pano de fundo da crise está a valorização do tabaco brasileiro, que a cada ano ganha fatias maiores no mercado internacional devido à qualidade do produto e das safras cada vez menores nos principais países concorrentes.
Os desacertos culminaram com a invasão de uma fazenda da Souza Cruz, quarta-feira, no município gaúcho de Pantano Grande, com a participação de integrantes da CUT e MST. Durante toda a semana ocorreram manifestações de rua em Santa Cruz do Sul (RS), maior pólo processador de fumo do Brasil. Ontem, em Porto Alegre, durante encontro entre as partes, mediado pela Comissão de Agricultura da Assembléia Legislativa, que acabou sem consenso, o coordenador Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Rogério Heinen, definiu a região de Santa Cruz do Sul como "um barril de pólvora".
Os produtores reclamam que comercializaram pelo menos 80% da safra de 600 mil toneladas a uma cotação média de R$ 60 a arroba, enquanto o preço negociado hoje é de aproximadamente R$ 85. Os agricultores acusam as empresas do setor de estimularem a venda no início da safra, pagando valores inferiores aos atuais e agora exigem receber a diferença.
Com a negativa da indústria, oficializada em uma nota publicada ontem em jornais da região, os ânimos ficaram ainda mais acirrados e os produtores prometem novas mobilizações, com o apoio de entidades que representam os pequenos agricultores. "Eles (as empresas) incentivaram a venda no início da safra. Pagar a diferença até não é uma exigência legal, mas a indústria não está sendo justa", afirma o presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Hainsi Gralow.
Sistema integrado
O presidente do Sindicato da Indústria do Fumo (Sindifumo), Claudio Henn, afirma que as reivindicações dos produtores são inviáveis. O dirigente avalia que, além da quebra de 20% da safra causada pelo clima, a valorização do fumo aconteceu devido à interferência de atravessadores e empresas que não operam no sistema integrado. Como não têm gastos no financiamento das lavouras, eles podem oferecer preços maiores em relação ao acertado entre agricultores e indústria.
"Houve quebra de safra, mas a qualidade do fumo colhido é boa, a demanda é forte e, com isso, aparecem os oportunistas, aqueles que não estão no sistema integrado, que não têm investimentos nas lavouras e podem pagar um preço acima da tabela. Assim o preço dispara", diz Henn. O fumo adquirido por atravessadores é normalmente comercializado para a produção de cigarros pirateados ou contrabandeado para outros países.
"A Polícia Federal prendeu quarta-feira duas pessoas que estavam mandando fumo para o Paraguai", informou Henn. A ação de agentes estranhos ao sistema integrado, com a oferta de remuneração superior à tabela, leva as indústrias a reclamar a perda de parte da safra anteriormente financiada e contratada junto aos agricultores.
Em meio ao impasse, os produtores dizem terem perdido a confiança no sistema integrado. A indústria alerta que o comportamento de alguns agricultores, que preferem comercializar o produto para terceiros, preterindo os tradicionais parceiros, põe em risco o futuro da produção integrada, que ambos consideram o motivo do sucesso da fumicultura no Brasil, hoje maior exportador mundial.
Maior exportador
A demanda anual de fumo no mundo este ano é de 6,4 milhões de toneladas, mas a produção é de apenas 5,1 milhões de toneladas", diz o presidente da Afubra. Para ele, esse é o motivo pelo qual o tabaco do Brasil - único grande exportador onde a área cultivada cresce à razão de 12% ao ano - está cada vez mais valorizado.
Os primeiros sinais de que a relação entre produtores e indústria começou a ficar tensa apareceram no fim de 2002, durante a longa e dura negociação para a definição do preço médio do tabaco, que acabou sendo reajustado em 29%. Os agricultores queriam 33,42%.