Para Miguel Rossetto, ministro do Desenvolvimento Agrário, análise precisa ser feita sob ponto de vista econômico. A introdução de organismos geneticamente modificados (OGMs) no Brasil deverá ser analisada sob o ponto de vista econômico e não ideológico pelo atual governo. A afirmação é do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, para quem, a posição tomada na Medida Provisória 113 - que autorizou apenas a comercialização e não o plantio de soja alterada geneticamente - deverá balizar o futuro dos transgênicos no País. Um acordo firmado entre os líderes do Executivo e da oposição determinou que no prazo de 30 dias - até dia 15 de junho - o governo encaminhe ao Congresso um projeto de lei, em regime de urgência urgentíssima, para poder regulamentar a questão da biotecnologia no País.
"Penso que criamos as condições para um debate maduro", avalia Rossetto. Considerado representante da ala mais radical do PT - pertence à tendência denominada Democracia Socialista (DS) -, Rossetto não tem se mostrado tão "xiita" quando o tema é a transgenia. Está mais preocupado com a competitividade agrícola do País do que com o debate ideológico. Em julho, o governo pretende lançar uma campanha nacional para esclarecer aos produtores a ilegalidade do plantio de transgênicos na próxima safra.
Gazeta Mercantil - Dá para conduzir o debate dos transgênicos sem paixões exacerbadas?
Miguel Rossetto - Estamos falando de uma opção estratégica. De uma matriz tecnológica. Quando falamos em biossegurança e biotecnologia, evidentemente estamos falando de saúde pública, de biodiversidade, das questões ambientais intransponíveis a esses dois temas. Na minha opinião, devemos reequilibrar o debate do ponto de vista econômico. Temos que fazer uma grande análise dos impactos para a economia brasileira, para agricultura sobre o significado de um eventual ampliação do monopólio das sementes. O que acontece hoje, na verdade, o que estamos assistindo é um brutal apropriação da renda agrícola pelos complexos industriais a juzante e a montante da produção, ou do grande varejo. Se você pegar o próprio PIB agrícola, ele diminuiu. Quem é que se apropria disso? É o preço das sementes, preço dos herbicidas, fungicidas, inseticidas etc. Isso é um problema seriíssimo, porque ele desorganiza a renda no setor. Temos um processo sério de concentração em todas as atividades. Sementes, por exemplo, se pegares milho, quatro empresas devem ter 70% desse mercado. Quando falamos em transgenia, temos de ter muita cautela em submeter o processo produtivo a uma ainda maior concentração econômica. Então temos de acompanhar as experiências na Argentina, Canadá e Estados Unidos. Estamos falando em processos judiciais de agricultores em relação à Monsanto. O segundo tema é quando eu falo em concentração monopólica na produção de sementes, eu me refiro a um processo que induza a exclusão de agricultores por conta de um processo de seleção. Só os maiores ficam, suportam esses custos. E isso, obviamente, para a agricultura familiar é inaceitável para o projeto de desenvolvimento do nosso país. Temos de ter um cuidado estratégico do ponto de vista da disponibilidade de sementes para um projeto de soberania e segurança alimentar.
Gazeta Mercantil - Pensando em mercado, não apenas do ponto de vista de concentração interna, mas nas exportações agropecuárias, o Brasil teria que cultivar ou não os transgênicos?
Eu acho que temos de olhar com mais atenção, parar de olhar a Argentina e os Estados Unidos que, no caso da soja, são nossos concorrentes, e olhar com mais atenção o mercado comprador. Isso é elementar em economia de mercado. Os mercados compradores são a Europa e a Ásia. Tanto a Europa quanto a Ásia têm uma posição refratária e não há nada que sinalize mudança da sua posição restritiva aos transgênicos. É evidente que uma postura responsável, deste ponto de vista, exige cautela. Penso que podemos ser o grande diferencial. Ou seja, a vantagem comparativa do Brasil, do ponto de vista da sua exportação agrícola, em muito reside na possibilidade de sermos diferentes e não iguais aos nossos competidores. Não temos nenhuma razão para nos anteciparmos a um cenário não definido e evitarmos uma enorme vantagem comparativa para o Brasil, frente aos competidores que é a possibilidade de uma lavoura diferente. Aqui a idéia da igualdade não agrega valor. Esses elementos são fortes para que nós possamos preservar a conduta do governo quanto à Medida Provisória.
Gazeta Mercantil - Significa barrar também a pesquisa no País?
Evidentemente temos uma visão muito clara de avançarmos e ampliarmos a pesquisa sobre biotecnologia. Temos de definitivamente afastar essa idéia que desqualifica o debate. A recusa à adoção de um plantio transgênico está associado a recusa à biotecnologia. Coisa nenhuma, ao contrário. Vamos investir em um processo de biotecnologia. Como também temos de olhar outras estruturas de pesquisa. Por exemplo, hoje a agroecologia é um mercado crescente. Hoje, os mercados que mais crescem e mais agregam valor são exatamente os mercados que buscam uma produção agroecológica. É nesse ambiente que o Brasil tem uma grande oportunidade. Essa grande oportunidade estratégica seguramente será assumida, com toda a responsabilidade, por nosso governo. Não se trata, portanto, de discutir uma lavoura ou uma safra. Se trata de discutir com essa dimensão estratégica e, evidentemente, preservando os interesses dos nossos agricultores e do País. A igualdade aqui, na minha opinião, com nossos concorrentes, não agrega diferencial para nós. E nós estamos diante de uma grande oportunidade histórica de agregarmos um enorme valor à nossa produção por conta da nossa diferença.
Gazeta Mercantil - Como fica a relação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, quando o MST ocupa lavouras da Monsanto?
Não concordamos com as táticas do MST. Temos unidades em vários setores da sociedade civil, governo, entidades, em relação à cautela sobre o tema transgenia na nossa flora, na nossa lavoura. O que não significa que tenhamos concordância com as táticas do MST. Eu desconheço alguém, defensor da utilização imediata dessa tecnologia, que recuse a idéia de um forte estudo de impacto ambiental. Estudos de impacto ambiental, de impacto sobre a saúde pública, são irrenunciáveis. Estes temas devem fazer parte de pesquisas, mas eu estou agregando a minha opinião nas questões econômicas. Por um lado, a ampliação da concentração de um poder monopólio sobre a oferta de sementes, concentração de oferta e de tecnologia. Uma análise dos impactos reais sobre a transferência na renda agrícola para esses setores, com a diminuição da renda para o produtor e o agricultor. E terceiro, é obviamente, a análise vigorosa dos nosso mercados compradores.
Gazeta Mercantil - Sua visão está sendo aceita dentro do governo?
Vários companheiros e companheiras acompanham esta visão dentro do governo. O governo vai debater isso. Eu acho que a grande referência do governo é a MP 113, criou uma excepcionalidade e mostrou grande sensibilidade para os nossos agricultores e produtores. Isso deve ser reconhecido. Entra-se agora numa fase muito importante, que é discussão sobre o País que queremos. Eu penso que o governo vai estimular todas as formas de um amplo debate, trazendo especialistas, em um ambiente sereno.
Gazeta Mercantil - Mas o acordo entre Congresso e governo corre risco, porque o governo não tem tempo para fazer esse debate?
Eu acho que temos de ter muita racionalidade neste ambiente. Nem eu acho que o Congresso necessariamente tem uma pauta datada de 60 dias ou 30 dias. Aqui vale a qualidade, a consistência estratégica de um projeto. Por conta da envergadura e das conseqüências do debate que estamos fazendo.