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A Embrapa e o capital aberto


Alexandre de Castro

A proposta que transforma a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) numa empresa de economia mista, apresentada, na forma de projeto de lei (PLS 222/08), pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS), tem suscitado discussões no mercado acionário do agronegócio brasileiro. Pelo projeto, o governo federal continuaria sendo o acionista majoritário, detendo 51% do capital social da chamada Embrapa S.A., e o restante das ações seria negociado na Bolsa de Valores, por meio de oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês).

O senador tem argumentado que a empresa precisa de investimentos privados para a manutenção de sua estrutura e desenvolvimento, como ocorre com as blue chips Petrobrás e Banco do Brasil, e que a abertura de capital favoreceria a rapidez e a capacidade competitiva, colocando a Embrapa em igualdade de condições em relação às empresas nacionais e transnacionais que atuam na área de pesquisa e desenvolvimento. A despeito do vício de origem - a iniciativa precisa partir do Executivo, por alterar a natureza jurídica de uma empresa estatal federal -, o projeto do senador Delcídio traz à tona uma discussão importante quando o Brasil alcança a liderança em agricultura tropical, devendo-se esse salto, em grande parte, às tecnologias desenvolvidas pela Embrapa.

Criada em 26 de abril de 1973, a empresa estatal tem como escopo a produção de conhecimento científico e desenvolvimento de técnicas de produção para a agricultura e a pecuária brasileiras, via geração, adaptação e transferência de conhecimentos e tecnologias. Além da atuação em território nacional, a Embrapa mantém um escritório em Gana, na África, e, por meio de cooperação internacional, laboratórios nos Estados Unidos, na França e na Holanda, para o desenvolvimento de pesquisas de ponta. Atualmente, a carteira de projetos da Embrapa conta com pesquisas nas mais diversas áreas, como agroenergia, bioinformática, nanotecnologia, alimentos, clonagem e recursos genéticos. A empresa também mantém acordos bilaterais e multilaterais de cooperação técnica com diversos países e instituições.

Hoje, a Embrapa é considerada um exemplo de eficiência na administração pública, demonstrada nos resultados práticos obtidos pelo desenvolvimento de pesquisas para o agronegócio e que interferem diretamente na vida de cada cidadão brasileiro. A transferência para o campo de tecnologias geradas pela Embrapa tem contribuído fortemente para suprir a demanda do mercado interno, além de contribuir para a balança comercial, com um crescimento exponencial das exportações de commodities agrícolas e o aumento das exportações com valor agregado, por meio da inovação na indústria de processamento de produtos agropecuários primários.

Diferentemente de outras empresas públicas constituídas na forma de sociedades anônimas, a Embrapa trabalha na perspectiva de auferir lucro social, e não propriamente objetivando receitas diretas com a comercialização de produtos e serviços. O último balanço social da empresa mostrou que, para cada real investido no desenvolvimento de tecnologias agropecuárias, a Embrapa retornou R$ 13,36 para a sociedade.

Certamente, a credibilidade da Embrapa poderia ser responsável por uma captação eficaz de recursos por uma IPO. Entretanto, devemos considerar que a vocação precípua da empresa para pesquisa e a intrínseca pouca avidez por receitas diretas poderiam levar ao descrédito da empresa no mercado acionário e, conseqüentemente, à queda acentuada dos papéis ofertados logo após a IPO. A idéia de realizar uma oferta pública inicial de ações da Embrapa na Bovespa precisa ser cuidadosamente apreciada, pois é importante ponderar sobre as possibilidades de a pesquisa pura ou aplicada ter valor de mercado. A empresa teria de operar competitivamente na busca de lucro líquido para remunerar os seus possíveis investidores, facultativamente, com juros sobre capital próprio e, obrigatoriamente, na forma de dividendos por ações comercializadas.

Na esteira da discussão suscitada pelo PLS 222/08, contudo, faz-se mister ponderar sobre a Lei nº 10.973/2004, conhecida como Lei de Inovação Tecnológica, que, em seu artigo 5º, autoriza a União e suas entidades a participarem minoritariamente do capital de empresa privada de propósito específico que vise ao desenvolvimento de projetos científicos ou tecnológicos para obtenção de produtos ou processos inovadores.

Nesse sentido, considerando a Lei de Inovação Tecnológica, a Embrapa tem-se movimentado pela criação de uma empresa de propósito específico (EPE), voltada para a pesquisa do etanol produzido a partir da celulose, em que 49% dos seus recursos iniciais serão oriundos da Embrapa e o restante advindo de investimentos privados de empresas do setor sucroalcooleiro. Levando em conta os vários nichos de mercado para o agronegócio, é plausível projetar para um futuro próximo a instituição de outras EPEs com participação acionária de um possível braço privado da Embrapa, uma holding ou Embrapa Participações S.A., de capital aberto e controlada pela atual Embrapa.

Em vista disso, a abertura de capital da Embrapa na forma proposta pelo senador Delcídio Amaral precisa ser cautelosamente avaliada, a fim de assegurar os interesses da empresa e a aceitação no mercado de capitais. No entanto, a criação de uma Embrapa Participações S. A. financeiramente lucrativa e controlada pela atual Embrapa, sem dúvida, poderá trazer condições de trabalho mais favoráveis aos pesquisadores e empregados da empresa, motivar o mercado de capitais e aumentar a capacidade/flexibilidade na captação de recursos para o desenvolvimento de novas tecnologias. 

Alexandre de Castro é pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária.

(Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 28 de julho de 2008)

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