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A VENDA DE SEU JOÃO CALIXTO


Paulo Lot Calixto Lemos

Em Passos, como na maioria das cidades desse rico interior Brasileiro, especialmente em cidades do interior paulista e do sul de Minas Gerais, as colônias libanesas são imensas.

Especificamente em Passos, são os Kallas/Calixto, os Esper, os Mattar, os Farah, os Farjalla e muitas outras famílias que só fizeram e fazem engrandecer o nome de nossa terra. Seja no comercio, na industria, nas artes, nas ciências ou no campo.

Porem, com o perdão da palavra, “turco é turco” em qualquer lugar. Posso dizer isso de cátedra, pois meu sangue não está isento desta raça. Devido a circunstancias talvez históricas, para sobreviver, esse povo sempre teve que usar, por que não dizer: “muita inteligência”.

Pois bem, no principio dos anos 50, alguns anos após a II grande guerra e durante o 2º governo de Getulio Vargas, o “patrício” João Calixto, libanês puro de origem, “importado” da região de Baalbek, possuía como muitos outros compatriotas, sua “vendinha” de secos e molhados. Os negócios iam de vento em popa, todo consumo reprimido durante a guerra parecia querer agora, tirar o atraso daquela década “perdida”. Eram caminhões e mais caminhões de farinha, de macarrão, de arroz e de feijão que chegavam e saiam da “vendinha” do seu João. Como era um fenômeno nacional, a fiscalização estava acirrada, os fiscais da receita estavam como que urubu atrás de carniça... A ordem era fiscalizar, fiscalizar, fiscalizar... E multar.

Como até hoje, desde aquele tempo ter o governo como sócio era o mesmo que assinar o atestado de óbito de sua empresa. Assim seu João tratou de tomar suas precauções. Como seu armazém ficava bem no meio do quarteirão, a providencia mais acertada e mais “econômica” que encontrou foi arrumar dois meninos e colocar cada um deles em cada esquina, de plantão vigiando. A ordem de seu João era clara e precisa:

- “Bresta muito atençon, se bocês birem argum moça de bastinha ou argum carinho chapa branca bir nesta direçon, coram o mais rápido bossível e conta brá eu. Entendido?”.

O estratagema estava funcionando às mil maravilhas até que um dia enquanto estava sendo descarregada – sem nota fiscal, diga-se de passagem – uma grande carga de feijão, um “carrinho chapa branca” apontou lá na esquina de cima. O menino que vigiava estava entretido, e quando percebeu o carrinho se aproximando foi aquele susto. Disparou então uma carreira medonha até a venda, aonde chegou gritando poucos minutos antes do fiscal:

- Sô João, sô João, tem fiscal chegando!!

Mais que depressa o “turco” correu até o corredor do lado, onde os “chapas” descarregavam o caminhão e passou-lhes a contra-ordem:

- “Bara, bara, bara! Quêro agora o mercadoria de volta pro caminhon! Isso, debressa, CAREGA CAMINHON!”.

Enquanto o caminhão passava agora a ser “carregado”, entrou de volta pra loja praticamente junto com o danado do fiscal...

- Bom dia – disse o fiscal – é aqui o armazém de João José Calixto?

- “Bom dia, João Calixto soi eu, as suas ordens...”.

- Vejo que os negócios vão muito bem, não é mesmo senhor João?

- “O carestia muito grande senhor. Mas nois bai bibendo como bode...”.

- Não estou vendo carestia nenhuma, olhe só que baita caminhão sendo carregado... Deve de valer um dinheirão toda aquela mercadoria... Por falar nisso, quero ver a nota fiscal certinha... Preto no branco, de tudo aquilo lá, “tim tim, por tim tim...”.

- “Non, non senhor fiscal, debe haber argum engano, João Calixto é um turco muito caridoso, todo esse fejon é brá caridade, dar menino bobre... Minha Julia sembre fala, esse turco tem coraçon muito mole... Isso inda bai ser seu fim...”.

- E daí? Pode ser para caridade ou para o raio que o parta, sem nota fiscal não tem caminhão que saia daqui!

- Mas senhor fiscal, João Calixto só quer faz caridade! Brecisa nota fiscal brá faz caridade??!

- Lógico que precisa! Sem nota esse caminhão não sai! E se o senhor insistir quem sai é o senhor, só que sai é prá cadeia!!

- Tá bom, tá bom... Nom brecisa fica brabo... Disse isso indo novamente até os chapas, e com a cara mais feia e amarrada que pode arrumar para o momento, gritou a eles:

- João Calixto non vai mais faz caridade! DESCAREGA CAMINHON!!

Meu bisavô, João José Calixto, cujo verdadeiro nome era Hana Yussef Kallas, foi obrigado pouco tempo após chegar ao Brasil, mudar o seu nome. Bem, mas esta é outra historia...

Paulo Lot Calixto Lemos

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