CI

Boi, Boi, da Cara Preta


Eleri Hamer

Essa cantiga que não tem nada de ninar parece não ter fim. E pelo compasso da música, não vai ser nada agradável para nós. Por enquanto ainda estamos procurando um culpado, sabendo que todos os agentes da cadeia, de certa maneira, têm culpa no cartório. Tomar as rédeas da situação não tem sido tarefa fácil.
A maneira como temos encarado a evolução do agronegócio da pecuária é no mínimo peculiar. Primeiro melhoramos o processo produtivo a tal ponto de candidatarmo-nos a um dos principais players do mercado. Atitude louvável é claro.

Depois tivemos uma grande ajuda do acaso quando a carne dos EUA foi barrada em vários e importantes mercados. Nesse momento entramos no vácuo e com uma qualidade declarada que julgávamos ter fomos abocanhando esses mercados.
A inserção porém, principalmente no mercado europeu, não aconteceu sem que exigências devessem ser atendidas. No caso, principalmente a rastreabilidade, além da redução ou exclusão de antibióticos, metais pesados e hormônios de crescimento, dentre outras exigências mais brandas.

Em relação à rastreabilidade por exemplo, embora não nos agradasse, e de antemão percebêssemos sérias dificuldades de implantação, fomos capazes de aceitar, praticamente de forma tácita, as normas impostas pelos europeus e o modelo adotado naquela comunidade. Propor novas alternativas factíveis teria sido uma alternativa viável e depois sim, implanta-las com rigor.

O curioso é que no exato momento em que o universo conspirava a nosso favor e precisávamos nos unir em torno de uma causa que requeria ações firmes, faltou articulação e coordenação. Apresentamos uma vexatória e única capacidade de brigarmos entre nós mesmos, dando oportunidade para a concorrência se recuperar. Se não faltasse carne no mundo já estaríamos fora do mercado, mesmo com um produto de alta qualidade.

Tenho abordado espaçadamente a celeuma da pecuária de corte já há algum tempo. Ora do ponto de vista do produtor, da indústria, de forma sistêmica analisando a cadeia, ou do ponto de vista político, levando em consideração a postura do governo na condução dos fatos e principalmente o débil e ineficaz processo de negociação associado à falta de direção e investimentos na implantação dos processos que dependem do Estado.

O modelo constrangedor das listas por exemplo, foi algo pródigo a ser esquecido. Sair de uma lista de 2.600 propriedades, para depois reduzir a 600, em seguida 300, aceitar 200 e por fim concluir que na prática sejam 106 nos dá mostras da nossa situação. E ainda reconhecer que exportamos carne não rastreada, mas não ter capacidade para apresentar os infratores e tão pouco puni-los é mais um exemplo da falta de competência ou excesso de conivência.

Pelos desdobramentos oriundos da última lista aceita pela União Européia (aquela das 106) temo que, na prática, tenhamos dado um novo tiro no pé. Convenhamos, se temos milhares de propriedades de pecuária de corte e boa parte delas está em dia, com os relatórios e a rastreabilidade passíveis de comprovação, por que apresentar esse imbróglio de propriedades? Contendo algumas de duplo propósito (leite e carne), outras que nunca venderam animais, ou ainda a Fundação de Pesquisa Agropecuária do RS, que tem como principal propósito a pesquisa e não a produção?

O que mais me preocupa é que vejo pouca coisa sendo feito. Parece que o estado da arte agora é deixar o bonde andando. A percepção que se tem é que principalmente os produtores, os frigoríficos e o governo precisam tomar para si a responsabilidade em retomar a confiança do mercado em nossa estrutura de coordenação. Isso passa por uma negociação mais contundente e um compromisso sério de cada um fazer a sua parte.
Inclusive em relação ao marketing internacional. Segundo informações de vários agentes que atuam no setor, na Europa, temos pago muito churrasco para o atacado europeu, mas o consumidor, que é quem compra, lá no final da cadeia, ainda não conhece o nosso produto e olha com desconfiança para a carne brasileira.

Como diz a música, daqui a um pouco vamos ter medo até de careta. Boa semana a todos.
 
Eleri Hamer é Mestre em Agronegócios, Professor de Pós-Graduação e Graduação do CESUR, desenvolve Palestras, Educação Executiva e Consultorias em Gestão Empresarial e Agronegócio. Home-page: www.elerihamer.com.br E-mail: [email protected]

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.