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Cerrado: nem dado e nem herdado. Eu não quero


Amélio Dall’Agnol
A sentença que dá título a este artigo indica o desprestígio que o Cerrado tinha há pouco mais de meio século. Era uma região desprestigiada, desvalorizada, inóspita e seu solo era considerado improdutivo. Jocosamente, era definido como uma terra que só servia para aumentar a distância entre cidades. Hoje ele se configura como o Bioma que responde por quase metade da produção brasileira de grãos, fibras e carnes. Que transformação.
Com área superior a dois milhões de km2 - cerca de 25% do território nacional – o Cerrado é o segundo bioma mais extenso do Brasil e se caracteriza por invernos secos e verões chuvosos. Sua área incide sobre os estados de GO, TO, MT, MS, MG, BA, MA, PI, RO, PR, SP e DF, além de encraves no AP, RR e AM. 
Mas o Cerrado mudou e adquiriu novo status. Suas terras, compradas a preço de banana nos anos 60 e 70, hoje ainda podem ser adquiridas a preço de banana, mas bananas douradas. Seu valor cresceu mais de uma centena de vezes desde então e hoje seu preço equivale ao das mais valorizadas terras do sul do país, desde onde partiu a maioria dos agricultores que desbravaram e transformaram essa nova fronteira agrícola no verdadeiro celeiro do Brasil. 
A soja foi o motor dessa transformação. Cultura marginal no Brasil até 1970 e restrita à região sul, transmutou-se, em apenas uma década, na principal lavoura do país (1,5 milhões de toneladas (mi t) em 1970 vs. 15 mi t em 1980) e sua liderança não parece estar sendo ameaçada no curto e médio prazos. O principal impulso a esse avanço foi desencadeado pelos altos preços de mercado da commodity em meados dos anos 70, quando o preço da tonelada de soja chegou a alcançar, em valores atualizados, incríveis US$ 1200 dólares por tonelada.
Com dificuldades para ampliar suas lavouras de soja no sul do país por causa da indisponibilidade e do elevado preço da terra, muitos produtores gaúchos, catarinenses e paranaenses rumaram para o Cerrado do Brasil central estimulados pela abundância de terras baratas na região, o que lhes permitiu adquirir, com o dinheiro auferido com a venda das suas propriedades no sul, áreas no Cerrado dezenas de vezes maiores.
No afã de ampliar suas lavouras de soja, esses desbravadores chegaram à nova fronteira com determinação e sem muito perguntar sobre as dificuldades que enfrentariam na nova terra: clima tropical, solo ácido e com elevados índices de alumínio tóxico, além de pobre em nutrientes essenciais e com baixo teor de matéria orgânica. Pior, que soja plantar nessa nova fronteira, se as variedades que cultivavam no sul não serviam para o Cerrado: não cresciam e produziam muito pouco. 
A solução foi cobrar respostas urgentes e enfáticas às instituições oficiais de pesquisa, as quais responderam com êxito no desenvolvimento de um conjunto de tecnologias adequadas para produção de soja nas condições de climas tropicais e solos inférteis, incluindo variedades que não são induzidas a florescer precocemente nas condições de baixa latitude da região. Essas variedades não são adaptadas ao Cerrado porque resistem aos climas tropicais, mas porque têm menor sensibilidade aos dias mais curtos da primavera/verão, nessas latitudes. 
A soja, uma planta restrita a climas temperados e subtropicais até 1970, foi exitosamente transformada em planta tropical, hoje capaz de produzir a mesma quantidade de grãos em qualquer ponto do extenso território brasileiro (34°S ou 5°N). 
“O desenvolvimento do Cerrado deve ser considerado um dos maiores eventos do século XX”, afirmou Norman Borlaug, Prêmio Nobel da Paz de 1960, em uma de suas inúmeras visitas à região.
  

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