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A MALA PRETA


Paulo Lot Calixto Lemos

Pedro Pioroni é uma pessoa a quem podemos chamar “de bem com a vida”. Alegre, prestativo e muito trabalhador, seu Pedro construiu, ao longo da vida, considerável patrimônio no setor rural. Ele e dona Mirthô, sua esposa e companheira há mais de quarenta anos, sempre se deram muito bem. Mas não é que num belo dia dona Mirthô acorda cismada, dizendo que estava na hora de dividir o patrimônio entre seus filhos!

- Pedro – insistia ela – nós já estamos mais pra lá do que pra cá, muito mais lógico e inteligente dividirmos o que construímos agora a deixar esta incumbência à eles.

- Ocê tá louca mulher?! Eu não faço isso de jeito nenhum! Depois que morrermos eles é que se virem! Ora essa...

- Ora essa, digo eu! Você já viu quantas desavenças são criadas nesse momento? Nossa família sempre foi unida, e os responsáveis para que tudo continue assim, mesmo depois que nós formos, somos nós!

- Mirthô, minha decisão é definitiva, eu não vou dar nada meu pra filho nenhum. Se ocê quiser, então que doe você, a sua parte! E vou lhe dizer porque. Você se lembra do coronel Juca Batista? Nós ainda éramos jovens, na flor da idade.

Seu Pedro começou então a lembrar sua esposa daquela historia, que tantos comentários trouxe na época...

Juca Batista foi um dos maiores fazendeiros daquelas bandas do arraial das Formigas. Exímio negociante, muito bem afamado, contava com inúmeros amigos. Mas um em especial, que apesar de morar noutra cidade, era o seu melhor amigo e compadre. Coronel Nenzico Barbosa, também grande fazendeiro e possuidor de imensa fortuna.

Tudo corria nos conformes até que Juca Batista se enviuvou. Muito triste com a perda, considerando que sua missão já estava cumprida, resolveu repartir todo o seu patrimônio entre seus filhos. Afinal eram jovens e muito bem casados. Assim decidido. Assim feito.

Até algum tempo após o processo da partilha, Juca batista se considerou um homem de sorte, um felizardo. Que respeito! Que carinho! Tão querido que a disputa pela sua atenção gerava brigas homéricas: – Nos próximos 6 meses seu Juca vai morar conosco! Bradava Manoela – Agora é a minha vez! Gritava Antonieta.– Lá em casa o papai se sente mais à vontade! Bajulava Leonardo. Bastava pensar nalguma coisa, manifestar alguma vontade, que era filho, genro, nora a se desdobrar para atender a menor de suas vontades. Era tanto mimo que seu Juca até se esqueceu da morte da esposa.

Os meses foram se passando e as mudanças começaram a acontecer... Entre paredes passou a escutar com freqüência: – Leonardo, já faz 36 dias que seu pai está conosco, e a folgada da Antonieta lá no bem bom! Ou então: Seu pai tá ficando velho e implicante Manoela, só porque gosto de acordar mais tarde deu de insinuar que homem que é homem levanta cedo! E a coisa foi só se complicando e a implicância com o velho só aumentando, até que um dia o convocaram para um conselho de família.

- Seu Juca – iniciou o genro mais velho – todos nós temos o maior apreço pelo senhor. Por isso, pensando no seu próprio bem estar, construímos uma casinha só para o senhor. É uma casinha simples, é verdade, mas lá o senhor terá seu próprio espaço, sua própria...

- Já entendi – atalhou o velho Juca Batista – ninguém precisa dizer mais nada. Ondé que é essa tal casinha que minha trouxa já tá pronta.

A “casinha” era realmente uma casinha. Piso de cimento vermelhão, com 3 minúsculos cômodos. Um que servia de sala, copa e cozinha, um quarto, e um banheirinho sem azulejo com chuveirinho de plástico. E pior! Localizada num bairro distante, longe da praça central, onde ele se encontrava diariamente com seus amigos de prosa fiada. Enfim, nada mais restava a seu Juca, há não ser se sentar à tardinha na porta da casa e pensar... Lembrar... Pois os sonhos haviam desaparecido.

Passado algum tempo, sem mais nem menos, aparece em Formiga, o amigo Nenzico Barbosa, que foi logo dando falta e perguntando pelo velho companheiro. Bem informado do acontecido, Nenzico vai até a tal casinha. De longe, reconhece o antes altivo coronel Juca, sentado à soleira da porta, cabisbaixo, com uma varinha na mão, riscando o chão de terra batida...

- Compadre Juca! O que é que significa isso meu amigo? – rosnou Nenzico Barbosa com o vozeirão de sempre.

Surpreso com a inesperada visita, Juca Batista responde apenas:

- Fiz uma burrada compadre Nenzico, e agora espero sozinho a morte chegar...

- Não, não, não! Isso não vai ficar assim! Nois temo que dá um jeito nisso compadre!

- Tem mais jeito meu amigo. Dei tudo o que tinha pros meus fio, só me resta o pedacinho do tumulo onde minha patroa tá enterrada...

- Aqui, cê me dá 2 dias que eu vorto com a solução. Num se aveche não que ocê ainda vai ter muita vida boa pela frente.

- O compadre tá delirando, mas pode, eu espero vivo esses 2 dias.

Dois dias depois, logo cedinho, chega o compadre Nenzico carregando uma mala preta.

- Abra essa mala compadre Juca. Disse.

Ao abrir a tal mala Juca Batista deu de cara com um monte de dinheiro. Milhões em notas de hoje... Arregalado, gaguejou:

- Ocê ficou doido compadre? Ondé que ocê lá vai com essa dinheirama toda? Oh! Se tiver algum tostão disso ai pra mim, saiba que o senhor tá me ofendendo!

- Carma coroné! Num é nada disso não. O negocio é o seguinte: Ocê dá um jeito de trazer seus fio aqui e mostra pr’eles essa mala cheia de dinheiro e bizzzzzzzz, bizzzzzzzz, bizzzzzz. Amanhã eu vorto prá buscá meus cobre.

Assim fez Juca Batista. Bastou verem aquela dinheirama toda, seus filhos genros e noras, que já haviam dilapidado grande parte da fortuna recebida, já queriam de imediato leva-lo de volta, mas seu Juca, agora senhor da situação, determinou:

- Não, eu não quero incomodar. A gente vai ficando velho e implicante, melhor continuar morando sozinho mesmo. Não aqui, mas no casarão da praça, onde esse dinheiro ficará seguro. Há! Outra coisa, pra não precisar mexer mais nesse dinheiro. Que um dia será de vocês! Preciso de 10 mil contos todo mês. Coisa pouca, só prá minhas despesinhas...

Com medo do velho dar outro rumo àquela dinheirada, concordaram com tudo e se foram na maior boa vontade.

No dia seguinte, aparece novamente Nenzico Barbosa com outra mala preta, igualzinha a primeira...

- Prá que essa outra mala compadre? Tô vendo que agora o senhor endoidou de vez!

Mas ao abrir a nova mala, agora entendendo tudo, Juca Batista enfim sorriu... A mala estava lotada de papel cortado e embalado que nem nota de verdade.

Rindo alto, Nenzico Barbosa ainda recomendou:

- Compadre, agora vê se aprende! Só me tira as vista dessa mala dispois de morto heim!!!

Paulo Lot Calixto Lemos

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