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A SÉTIMA ARTE


Paulo Lot Calixto Lemos

Entre todos os grandes inventos do século passado, o cinema talvez tenha sido o que mais alento e esperança trouxe à vida de muitas pessoas. Foi sem duvida, o que mais glamour e fantasia trouxe ao cotidiano delas. Sua popularização se deu de modo vertiginoso. As salas de exibição se multiplicaram por todos os cantos desse Brasil. Toda cidade, vila ou arraial que se prezasse, tinha que ter seu próprio cinema. Entre as décadas de 40 e 60 ir ao cinema, muito mais que um simples entretenimento, era um programa “chic”, culto, para o qual as pessoas se aprontavam como que para ir a um baile ou à missa de Domingo. Para muitos era quase um sonho conviver, mesmo que por alguns momentos, com os ícones sagrados de Hollyhood...

Nessa época, Orlando Pereira, então um jovem carismático que exercia incontestável liderança em Jacuí, sua terra natal, fazendeiro e um empreendedor nato, já possuidor de um vasto patrimônio, decide que era tempo de Jacuí possuir também seu próprio “cinema”. Entra então em contato o Sr. José Figueiredo – o popular Zé Magro – o mais renomado e experiente empresário de cinema que nossa região já teve.

- Sr. José, já passa da hora de Jacuí ter um cinema. Tenho certeza que vai ser um sucesso por lá. Mas como isso é uma coisa nova, eu vim aqui tirar umas opiniões com o senhor...

- Isso é coisa à toa, Orlando! É só arrumar uma sala, uma maquina pra passar a fita, fechar as janelas e exibir o filme!

- Isso eu imagino sô Zé, mas e essa máquina com essa tal fita? Onde é que eu arranjo isso? Pelo que sei, essas coisas vem é do estrangeiro!

- Fácil! Arranja comigo mesmo. Eu lhe arrumo a maquina, contanto que o senhor me alugue os filmes e pelo menos um seriado a cada três meses...

Sim, pois naquela época era praticamente obrigatório passar, como uma novela, um capítulo de algum seriado após a exibição do filme em cartaz.

Assim, de um modo muito mais fácil que Orlando Pereira pensara, o negocio foi logo fechado, e ficou combinado que daí a 2 semanas o Sr. José Figueiredo lhe enviaria uma lata do filme do seriado e outra do filme em cartaz propriamente dito.

Foram 2 semanas de expectativa intensa. Em Jacui não se ouvia outra prosa que não fosse a abertura do cinema. Especulava-se de roda em roda qual seria o filme e quem seria o artista a estar em Jacui pela primeira vez: “Vai sê um cobói de lascá, e o mocinho vai sê o tar de Jonvaine” – diziam uns. “Que nada, ouvi dizê que vai sê firme de amor com uma lindura de moça chamada Dilamar” – diziam outros.

Enfim, chega o grande dia, ou melhor, a grande noite. Era uma noite de sábado e os ingressos já estavam esgotados. Só quem levasse sua própria cadeira e se acomodasse em algum canto da sala poderia conseguir alguma entrada extra.

Num tabuleiro fixado na parede do cinema foram colocados dois cartazes. Um anunciando o filme do dia: “Sangue e Areia”, com Tyrone Power e Rita Hayworth. E outro anunciando o seriado: “Buck Jones – o homem da lei”.

Na sala de projeção a correria era enorme, ninguém ainda entendia direito o funcionamento daquela geringonça, mas com jeitinho no horário marcado tudo parecia estar em ordem, e às 7:00 horas daquela noite de sábado a exibição do “filme” se inicia...

Domingo, 7:00 horas da manhã, o sino da igreja não parava de bater. O padre, impaciente e irritado, indagava às beatas pelo paradeiro dos fieis. Até que do outro lado da praça, saindo do cinema, começa aparecer gente bocejando, olhos vermelhos, cabelos atrapalhados, cadeiras sendo carregadas... Enfim, de tão surrealista, a cena faria corar de inveja o mais criativo dos cineastas. Porém, assunto era o que não faltava entre os agitados tresnoitados:

- Uai, mais aquele tar de Buquijonis é danado memo sô! Cê viu a hora qu’ele acertô o bandido bem no meio dos óio?

- E a hora daquele tiroteio? Ieu inté iscondi por di tráis das cadera! Cruiz credo, ave Maria sô!

- Eu gostei memo foi da hora qu’ele sarvô a mocinha... Num fosse a intiligença dele, unha hora dessa a coitada tava mortinha, mortinha...

- Êh trem bão esse negóço de firme sô! Ieu num saía daquela sala in antes di terminá de jeito manera!

- Aqui, nem num carecia desse firme ser tão bão assim, mode que firminho cumprido esse sô!!!

Foi a gafe mais bem sucedida que se tem noticia até hoje. Ao invés do filme em cartaz, foi exibido, de uma só vez, todo o seriado do Buck Jones. Assim, por um longo tempo, “BuquiJonis” foi o herói mais querido (e temido) em toda aquela região...

Paulo Lot Calixto Lemos

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