
Ações equivocadas do “Fome Zero”
Valdo França
No inicio da implantação do Programa “Fome Zero”, estamos assistindo a reuniões, entrevistas, viagens de ministros e personalidades políticas, artísticas, esportivas e empresariais com conotado sentido de marketing e propaganda. Em curto prazo, essa ação pode produzir bons resultados para imagem do governo, mas a médio e longo prazo, a cobrança de resultados concretos por parte da sociedade pode ter um custo político elevado. Um governo legitimado por dezenas de milhões de votos e que nasce bancado por grande estoque de credibilidade, esperança e respeito da população, não deveria se arriscar em pirotecnia, e sim ousar em prudência, competência e criatividade administrativa.
Ações assistencialistas como a distribuição de sopa, leite, pão, cesta básica, sobras de restaurantes e alimentos doados por supermercados, cooperativas e particulares, não necessitam da tutela governamental. Esse tipo de ação caritativa sempre foi bem realizada por igrejas, centros espíritas, clubes de serviço e ongs em todo território nacional.
A Pastoral da Criança e outras Ongs já realizam, a custo reduzido, ações significativas de acompanhamento, educação e complementação nutricional de crianças nas populações carentes. São ações baseadas no trabalho voluntário de milhares de pessoas, que visitam e ensinam casa-a-casa e em associações comunitárias, noções básicas de higiene e saúde, aproveitamento integral dos alimentos e complementação da dieta através do uso criativo de fontes alimentícias alternativas regionais. A Pastoral já está presente hoje, parcial ou totalmente, em cerca de 67% dos municípios selecionados para serem atendidos pelo Programa Fome Zero. O apoio governamental visando ampliar a abrangência desta ação é uma medida inteligente e econômica, que traria resultados imediatos para a população.
A figura do agente de segurança alimentar proposta pelo ministro José Graziano é, portanto, totalmente desnecessária, vista a existência e capilaridade da Pastoral da Criança, ongs e entidades municipais de saúde, que atuam através dos agentes comunitários. O governo pode e deve contribuir, qualificando melhor estes recursos humanos e dando sustentação logística para que atuem a contento.
A doação de grandes quantidades de alimentos pelas cooperativas agrícolas do sul e centro sul do país, foi seguida de defesas simplórias da necessidade de crédito especial para que as mesmas possam alimentar a massa faminta. Os custos de transporte e da burocracia necessária para ordenar e controlar a distribuição, podem sair mais caros que o próprio valor desses alimentos, portanto irracional como política de combate a fome. Parte significativa da população famélica provém do êxodo rural e da falência da agricultura familiar. Os alimentos doados poderiam ser leiloados e os valores arrecadados podem auxiliar na organização e viabilização da agricultura familiar das regiões mais pobres.
A melhoria do sistema de crédito para agricultura familiar, com assistência técnica, acesso à tecnologia adaptada, infra-estrutura de armazenamento, comercialização e transporte, garantem a produção. A proposta de renda mínima do senador Eduardo Suplicy pode garantir o mercado consumidor, e essas ações juntas, podem gerar uma economia regional saudável com potencial de se tornar auto sustentada.
Esse programa de suplementação de renda mínima deve beneficiar todos os brasileiros com renda abaixo da linha de pobreza e exigir contrapartidas reais dos beneficiários. A participação do beneficiário em programas de educação e capacitação para a cidadania e economia solidária, em organizações coletivas como cooperativas ou associações e a prestação de trabalho social em entidades de interesse público e social, são requisitos essenciais para possibilitar a inclusão social.
O governo federal deveria também estar centrando esforços na unificação dos cadastros e dos programas compensatórios existentes, considerando obviamente critérios para erradicação do trabalho infantil, permanência de toda criança e jovem na escola, acompanhamento pré e pós parto de mulheres, recém nascidos e crianças. O órgão de assistência e promoção social, juntamente com o comitê social gestor municipal, poderiam ser responsáveis pela triagem das famílias para compor o cadastro único. Estes entidades conhecem bem os atendidos dos programas assistenciais, e podem evitar a duplicação do atendimento. Muitos municípios já unificaram os seus cadastro para atendimento mais eficiente dos carentes.
Se não existe razão para o governo atuar nas ações caritativas, sobra motivos e responsabilidade para centrar fogo nas ações políticas e administrativas estruturantes da economia e da organização social, gerando resultados mais eficientes no combate a fome, que a simples pirotecnia de marketing.
Valdo França é engenheiro agrônomo, consultor nas áreas de meio ambiente, agricultura ecológica, mediação e arbitragem. É Fellow da Ashoka Innovators for the Public, fundador da ELAE - Escola Livre de Agricultura Ecológica, e organizador dos Simpósios “Alternativas Contra a Fome”. [email protected]