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Bases para o Programa "Fome Zero"



Valdo França

O PROGRAMA ”FOME ZERO”

Valdo França

I. Alimentando o coitadismo social?

Movimentos populares e de cidadania se sucedem no decorrer da história, buscando mobilizar forças sociais do país no caminho da solidariedade. Na campanha da “Cidadania Contra a Fome", organizada pelo saudoso Betinho, milhares de organizações e cidadãos reviveram com entusiasmo a esperança da nacionalidade e do compromisso social por todo o país. Apesar de alguns resultados parciais vitoriosos desta campanha, a população hoje se sente frustrada por mobilizações como esta, que levam a nada ou quase nada frente ao tamanho do desafio, que é o de acabar com a fome no país.

Neste momento, o governo Lula apresenta ao Brasil o badalado programa “Fome Zero”, trazendo de volta a esperança da possibilidade de, finalmente, encontrarmos o caminho para resolver esta questão vergonhosa.

É necessário, porém, aproveitar o momento para politizar, discutir e refletir o Programa com a sociedade. O seu ponto mais discutível é a distribuição de cupons à população carente para aquisição de alimento. É inconcebível que ainda hoje haja dúvidas com relação ao atraso que esta ferramenta representa no processo de combate à fome. Ela coloca o cidadão como coadjuvante e não como o ator principal na busca da resolução de seus problemas.

A distribuição de cupons não possibilita que o mesmo exerça o direito de priorizar suas necessidades, já que somente alimentos podem ser adquiridos. Por que o beneficiário não pode optar, por exemplo, por comprar roupa ou sapato que o permita se apresentar melhor na conquista de um emprego melhor? Ao mesmo tempo, quem garante que um alimento legalmente adquirido não pode ser mais tarde trocado por bebida, cigarro, dinheiro ou prostituição? Os cupons só podem ser usados para compra de alimentos de comerciantes cadastrados, excluindo a compra direta de pequenos produtores locais, o que estimula e organiza a produção e o comércio local.

O Programa não exige contrapartida por parte do beneficiário. O que traz cidadania é a compensação da miséria via programas que exija do beneficiário prestação de atividades de interesse público e social, participação em palestras e treinamentos que o capacitem para o exercício pleno da cidadania. Cursos de planejamento e responsabilidade familiar, higiene doméstica e ambiental, prevenção de endemias e doenças sexualmente transmissíveis, hortas caseiras, educação alimentar, cultura culinária, cooperativismo como forma de empreender popular, ética, política e participação em conselhos municipais, são alguns exemplos de capacitações que podem substituir o vicio da mendicância, do assistencialismo e do “coitadismo social” pela ação pró-ativa das massas populares.

Programas como o Bolsa-Escola pecam quando não exigem mais que a presença das crianças na escola, já prevista como responsabilidade e obrigação constitucional das famílias. Uma contrapartida real significa reforçar o trabalho como valor primordial da cidadania. O retorno em trabalho, mesmo que simbólico, poderá ser definido pelo serviço de promoção social de cada município, e prestado diretamente nas instituições locais de interesse público e social. Da mesma forma, as participações nos cursos e capacitações poderão ser definidos de acordo com a necessidade sócia econômica da família.

A distribuição simplória de benefícios vicia ou envergonha o cidadão, com o risco de estarmos estimulando a criação de uma população de “coitados” e incapazes sociais, que necessitarão da sustentação e tutela eterna do estado.

II. A educação alimentar como base para a erradicação da fome

Para aglutinar e ampliar mais segmentos da sociedade em busca de transformações estruturais para extirpar a miséria de nosso povo é necessário e prioritário discutir a inter-relação do processo da miséria e fome com o aniquilamento cultural do país.

O país está sendo colonizado por agriculturas e culinárias alienígenas.

As formas de agricultura e alimentação regionalizadas estão sendo desprezadas pela população e aniquiladas pelas políticas públicas do setor. Cada vez mais, se consome o trigo no país do milho, da batata-doce, mandioca, carás, pupunheiras, inhames, aboboreiras, bananeiras e tantas outras plantas nativas ou que se adaptam muito bem ao solo e clima brasileiro.

Cada vez mais se bebe refrigerantes e refrescos, sem nenhum valor nutricional e com potencial risco para a saúde, na terra da fruticultura. A propaganda e os programas oficiais de compensação alimentar desinformam e deseducam, incentivando o consumo de alimentos super processados, desvitalizados na indústria e encarecidos pela embalagem. Cada vez mais os alimentos regionais, in natura e da época cedem lugar ao artificialismo preconizado na TV.

Um programa de combate à fome deve disponibilizar informação crítica e educação alimentar para que o cidadão possa otimizar os recursos obtidos. Alguns conceitos simples e essenciais são importantes neste processo de educação:

1. O leite materno é o alimento mais equilibrado, higiênico e forte para o desenvolvimento físico e afetivo do bebê.

2. A escovação e outros cuidados de higiene com a dentição devem ser iniciadas na primeira fase do bebê, pois a saúde bucal propicia boa mastigação, que é essencial para a digestão e assimilação dos alimentos.

3. Dietas baseadas em ingestão diária de frutas, hortaliças, cereais, farelos e sementes diversas suprem as necessidades da nutrição humana (OMS).

4. Os alimentos in natura ou pouco processados são preferíveis para a saúde e economia do consumidor.

5. As frutas e verduras da estação e ou produzidas na região, são preferíveis para a saúde e a economia do consumidor.

6. A ingestão de farelos de arroz ou trigo, à base de uma colher de sopa em cada refeição, garante o suprimento de fibras, sais minerais e vitaminas do complexo B, perdidos no "beneficiamento" dos cereais, e

7. A ingestão de farelos de arroz e trigo controla o colesterol e regulariza o funcionamento do intestino.

8. As folhas verdes escuras da mandioca, abóbora, batata-doce, vinagreira, ora-pro-nobis, couve, agrião, dente de leão, caruru, jambú, taioba e outras hortaliças regionais são ricas em vitamina A, ferro e cálcio, importantes para a saúde plena de gestantes, crianças, jovens e adultos e todas as idades.

9. Os sucos naturais de frutas e hortaliças são ricos em vitaminas, sais minerais e açúcares e são preferíveis no acompanhamento de refeições e lanches diversos.

10. As bebidas ricas em vitamina C, como os sucos de frutas cítricas, abacaxi, acerola, pitanga, carambola e outras devem ser ingeridas preferencialmente 30 a 60 minutos antes das refeições, contribuindo para uma melhor assimilação do ferro pelo organismo.

11. As verduras e frutas devem ser consumidas, de preferência, cruas ou cozidas no vapor. Quando cozidas em água, o caldo pode ser utilizado no preparo do arroz ou sopa.

12. O fubá de milho torrado, misturado à farinha de trigo ou mandioca e farelos de trigo e arroz torrados e pó de folhas verdes escuras constitui ótima massa para desmame.

13. Pó de casca de ovo é um ótimo complemento alimentar rico em cálcio, podendo ajudar a mulher da 3ª idade no combate à osteoporose.

Sendo os canais de rádio e TV concessões públicas, é legítimo que o Governo exija que os mesmos cumpram sua função social e participem desse processo de educação, permeando sua programação de interesse popular com estes conceitos. Através de uma educação alimentar permanente, cada cidadão se tornará um agente ativo no desafio da erradicação da fome e melhoria da nutrição e saúde da população.

Valdo França é engenheiro agrônomo, consultor nas áreas de meio ambiente, agricultura ecológica, mediação e arbitragem. É Fellow da Ashoka Innovators for the Public, fundador da ELAE - Escola Livre de Agricultura Ecológica, e organizador dos simpósios “Alternativas Contra a Fome”. [email protected]

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