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CAFEZINHO ABENÇOADO


Paulo Lot Calixto Lemos

Caetano em Passos não significa apenas o nome ou sobre-nome de uma das mais tradicionais famílias dessas paragens, antes disso é um estado de espírito, um modo de ser e de levar a vida. Ser Caetano exige genes. Está no sangue desta obstinada raça tanto o trabalho, a honestidade e a honradez, como a teimosia, a prosa boa, a fala arrastada e a calma infinita...

Com certeza trata-se de genes dominantes, pois mesmo após sucessivas gerações este traço peculiar da família continua a vigorar na grande maioria dos Caetanos, até hoje. É, a coisa vem de longe...

Ainda na década de 20, Caetano Machado, grande fazendeiro e invernista, morava com os filhos e a esposa dona Francina na fazenda Santo Antonio, localizada numa região de terras de cultura, com invernadas formadas em capim Gordura e apinhadas de bois de engorda.

Francina era exatamente o oposto do marido: muito brava, enérgica, e aflita. O que, acredito eu, equilibrava a balança, ele com sua calma e ela com sua aflição...

Num belo dia, chega na fazenda de supetão uma comitiva de visitantes. Eram pessoas importantes da cidade, políticos e autoridades, todos acompanhados de suas respectivas famílias. E, como era costume na época, vieram para pernoitar uma ou duas noites, pois tinham urgentes assuntos de campanha a tratar com o coronel Caetano Machado.

Após os comprimentos de praxe, veio logo da parte da aflita dona Francina o convite para entrarem e se acomodarem, que o cafezinho viria logo... Passados alguns minutos dona Francina vem da cozinha vermelha e afobada, e chama o marido num canto:

- Caetano! Revirei a cozinha de cabeça pra baixo. Não tem açúcar!

- E o que é que tem isso mulher?

- Como o que é que tem isso Caetano?! Tenho que providenciar o café pras visitas! Monta agora mesmo o melhor animal e corra até o engenho do Juquinha Lins buscar açúcar. Mas vá depressa heim! Um pé lá e outro cá!

O engenho do coronel Juquinha ficava bem próximo, no máximo uma légua da fazenda Santo Antonio. Pra lá marchou o sô Caetano...

- Coroné Caetano! Quanta honra! – vem pessoalmente recebe-lo Juca Lins.

- A honra é só minha coroné... Mas a demora é pouca. Vim a mando da muié... Ela tá carecendo de açúcar pra cuá café pr’umas visita...

- Antão pode apeá que o senhor bateu na porta certa. Mas antes quero que o amigo conheça uma novilhada que comprei recentemente. Coisa fina, viero lá da Franca do Imperador...

- Deve de sê coisa da maió qualidade... Acaso viero do criatório do coroné Totonho Jacintho?

- Exatamente Caetano. Vamo nos acomodá lá no quiosque do Curralinho que o peão rodeia o gado pra nois vê...

E lá foram eles. Além de sossegado, Caetano Machado era uma sala cheia, prosa boa que só vendo! Prosa vai, prosa vem, lembranças, causos, risadas e etc, o sol já se despedia do dia quando o sô Caetano lembra do açúcar:

- Minha nossa coroné Juquinha! A Francina tá esperando o açúcar pra cuá café pras visita! Carece d’eu ir embora agorinha!

- Ora coroné Caetano, daqui lá é um pulinho... A janta já tá servida. O senhor num vai injeitá uma costelinha assada, num é? Vai ser uma desfeita se o senhor fizé isso...

Pressionado, entre a brabeza da mulher e a costelinha assada do Juquinha Lins, falou mais alto o ronco na barriga...

- Não é que amigo tem razão! Há essa hora a Francina já deve de tá servindo a janta, e o café só vai tê serventia memo depois da janta, uai!

A costela do capado estava assando ainda... Então, nada melhor que sentar na varanda e bebericar uma branquinha pra abrir o apetite, mais prosa, mais causos, mais risadas... Até que foram interrompidos para saborear o quitute, deleite que durou quase uma hora, até se darem por satisfeitos.

- Meu amigo Juquinha Lins, a prosa tava boa, a costela melhor ainda, mas eu tenho que ir agora!

- O senhor deve de tá ficando doido coroné! A essa hora da noite? De jeito maneira! Enfrentar esses caminhos numa noite sem lua... O senhor posa por aqui e amanhã bem cedinho o senhor vai! Afinal ninguém vai bebê café a essa hora da noite, uai!

No outro dia, até que enfim, o sô Caetano parte com o açúcar devidamente embalado na cabeça do arreio. Porém, não saiu sem antes conhecer a mula preta marchadeira do coronel, como também, sem mais alguns kilometros e kilometros de prosa...

Já era tarde do dia quando o sô Caetano chega na sua fazenda... E para sua sincera surpresa não havia mais nenhuma visita por lá. Havia sobrado apenas a brabeza da dona Francina...

Passados alguns dias, por acaso, Caetano encontra novamente com Juquinha Lins:

- Coroné Caetano! Como tem passado? Olhe, o senhor tá me devendo uma... – foi logo falando o coronel Juquinha.

- Tô passando bem meu amigo. Mas me diga, o que eu lhe devo coroné?

- Naquele dia, assim que o senhor saiu, chegaro lá o memo povo que tava esperando o seu café... Acontece que, infelizmente eu não tenho esse probrema de farta de açúcar.Antão, acabô que sobrô pra mim... Fui mordido em 50 mil réis pra tar de campanha política! Eta cafezinho abençoado esse teu coroné!

Paulo Lot Calixto lemos

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