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Cianobactérias:Eutrofização, Usos da Água e Saúde Pública


Gina Luísa Boemer Deberdt

Artigo enviado por: SePRONews*

Adegradação da qualidade da água vem criando situações insustentáveis do ponto de vista de desenvolvimento, principalmente em regiões urbanizadas. Muitos rios e reservatórios encontram-se comprometidos pelos anos que serviram como meio de descarga e transporte dos efluentes antropogênicos. Em algumas regiões mais populosas, mesmo que todos os lançamentos de esgotos sejam interrompidos, serão necessários muitos anos e altos investimentos em ecotecnologias para que esses ecossistemas sejam recuperados.

Aeutrofização é condutora dos problemas de qualidade da água e os corpos d’água são classificados, principalmente, de acordo com seu grau de trofia. O processo de eutrofização cultural ocorre como resultado do aumento de nutrientes, da produtividade, da matéria orgânica e sedimentos oriundos da bacia de drenagem. Em resposta ao enriquecimento de nutrientes, há um aumento na produtividade da comunidade fitoplanctônica, que passa a apresentar um crescente aumento na dominância, principalmente por espécies de cianobactérias, sendo cada vez mais comum a ocorrência de um crescimento intenso de cianobactérias na superfície dos corpos d’ água, conhecido como floração ou “bloom.”

As cianobactérias pertencem a um antigo grupo de microrganismos, presentes no planeta há 3 bilhões de anos, apresentando uma combinação de propriedades encontradas tanto em algas como em bactérias.

As florações de cianobactérias causam um amplo impacto social, econômico e ambiental, não apenas por sua biomassa contribuir para problemas estéticos como as "natas" verdes na superfície e o odor desagradável, mas, também, por alterar o sabor da água tratada para abastecimento. Adecomposição das florações de algas leva a desoxigenação, alterando a química da água e afetando a capacidade de sobrevivência de muitos animais aquáticos. Aprodução de metabólitos secundários bioativos, com altas propriedades tóxicas, pode afetar, direta ou indiretamente, a saúde de muitos animais, inclusive do homem1. As florações de cianobactérias tóxicas comprometem a disponibilidade hídrica para os usos mais nobres como abastecimento público, dessedentação animal, recreação de contato primário e irrigação de hortaliças.

Um crescente aumento no número de registros de danos causados à saúde da população e do ambiente, pelo desenvolvimento de populações de cianobactérias, tem sido relatado ao longo dos anos, dentre eles, casos graves de intoxicação humana ocorridos no Canadá, Austrália e Reino Unido. Inúmeros são os casos de intoxicação seguida de morte de animais silvestres e domésticos, sendo que o caso mais antigo encontrado na literatura data de 1878².

No Brasil, o caso mais grave ocorreu em Caruaru, em 1996, quando cinqüenta e cinco pessoas submetidas a hemodiálises morreram por intoxicação hepática causada pela microcistina, toxina produzida por cianobactérias3. Outro episódio que se destacou, foi a ocorrência de 2000 casos de gastroenterite, sendo que 88 resultaram em mortes, na região de Paulo Afonso, Bahia4. Na região do semi-árido, a situação é bastante alarmante, pois vários açudes utilizados para o abastecimento das comunidades apresentam frequentes florações de algas tóxicas. Relatos da ocorrência de florações de cianobactérias têm sido obtidos em vários estados do país, sendo Microcystis aeruginosa a espécie mais comum.

Em ambientes aquáticos, as cianotoxinas normalmente permanecem contidas nas células das cianobactérias e são liberadas após a lise celular. Contudo, a ocorrência de espécies potencialmente produtoras dessas substâncias, em nossos ambientes aquáticos, precisa ser investigada e monitorada a fim de evitar danos à saúde animal, humana e do próprio ecossistema como um todo.

Os fatores ambientais promotores de florações de algas tóxicas geralmente são os mesmos que promovem florações da maioria das espécies de cianobactérias. Todavia, a produção de toxinas pode não ser influenciada por estes fatores na mesma dimensão que a formação de florações. Sabe-se que apenas um fator isolado não age como um real promotor. Em geral, as condições ambientais que favorecem as cianobactérias incluem: moderados a altos níveis de nutrientes inorgânicos essenciais como nitrogénio e fósforo, temperatura da água entre 15°C e 30°C, e pH entre 6 e 9 ou mais5.

O gerenciamento e controle de cianobactérias nos sistemas aquáticos podem ser de caráter preventivo ou corretivo (erradicação da floração). Aprevenção é a mais desejável das duas abordagens. É economicamente mais viável minimizar o impacto das florações no ambiente, a ter que remover as algas durante as etapas do tratamento da água para o abastecimento público.

Existe uma série de alternativas que podem ser implementadas objetivando a redução dos impactos decorrentes da ocorrência de florações de cianobactérias potencialmente tóxicas:

• diminuição das causas do processo de eutrofização, visando a

minimização do aporte de nutrientes para os corpos d’água;

• controle dos efeitos oriundos do processo de eutrofização de lagos

e reservatórios, através de técnicas que minimizam o

desenvolvimento de florações de cianobactérias;

• remoção de cianobactérias e cianotoxinas da água bruta destinadas

ao abastecimento público, através de processos de tratamento

realizados pelas estações de tratamento de água (ETAs).

Dentre as ações conjuntas capazes de controlar o processo de

eutrofização, podem ser citadas6:

• boas práticas agrícolas designadas para controle de erosão, uso

racional de agrotóxicos e de fertilizantes;

• tratamento de esgoto com remoção de fósforo e nitrogênio;

• economia de água, manejo ambiental para aumentar a capacidade

de retenção de água na bacia hidrográfica;

• monitoramento contínuo do sistema, incluindo vigilância por

satélite;

• treinamento permanente de técnicos operadores de sistemas

relacionados aos recursos hídricos, para otimização da quantidade

e qualidade da água;

• interação contínua entre projetistas, gerentes e cientistas a fim de

endereçar mudanças, atualizar planejamentos e estratégias;

• desenvolver parcerias entre os setores públicos e privados, para

melhorar ações de manejo de bacia hidrográfica;

• campanhas de conscientização e envolvimento da comunidade

para produzir mudanças culturais e melhorar atitudes que

envolvem questões ambientais.

Algumas alternativas de caráter emergencial podem ser utilizadas para reduzir a densidade de cianobactérias na água bruta captada para o abastecimento público, tais como: alteração do ponto de captação, aeração da coluna d’água, remoção mecânica da nata ou manejo de vazão. Caso a água captada contenha células de cianobactérias tóxicas, deve-se ter cuidado na escolha do método de tratamento aplicado.

Para remoção de células inteiras, o processo convencional pode ser usado com sucesso, desde que não se faça pré-cloração. Aremoção de toxinas dissolvidas exige tratamentos avançados, como processos de adsorção em carvão ativado ou oxidativos (ozonização, aplicação de cloro livre ou permanganato de potássio).

A Portaria do Ministério da Saúde n° 1469, de 29/12/2000, consiste em enorme avanço para o país, pois além dos padrões de potabilidade, estabelece procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para o consumo humano. Dentre as inovações da norma, está o controle da qualidade da água bruta, junto o ponto de captação, em manancial superficial, incluindo o monitoramento de cianobactérias.

Antes que qualquer medida seja tomada, deve-se conhecer e compreender o funcionamento do ecossistema para que se possa garantir a eficiência do tratamento, sem por em risco a saúde do ambiente e dos seus usuários, devendo-se priorizar prevenção da proliferação de algas. Entretanto, em muitas regiões isto já não é mais possível, devido às grandes cargas de nitrogênio e fósforo acumuladas ao longo dos anos, podendo ser imprescindível a aplicação de ecotecnologias associadas à recuperação dos recursos hídricos e controle das florações de cianobactérias.

Enfim, devido ao grande impacto à saúde dos ecossistemas, as ocorrências de florações de cianobactérias devem ser monitoradas e controladas para que se evitar danos à saúde humana e animal. Um esforço conjunto entre os vários segmentos sociais se faz necessário para a elaboração de diretrizes visando o controle do processo de eutrofização, principalmente para definição de estratégias a serem aplicadas em reservatórios que já apresentam intensas florações de cianobactérias.

5 YOO, R. S., W. W. CARMICHAEL, R. C. HOEHN & S. E. HRUDEY, 1995. Cyanobacterial (blue-green algal) toxins: a resource guide. AWWA Research Foundation, U.S.A., 229pp.

6 STRASKRABA, M., J. G. TUNDISI, & DUNCAN, A. (ed.), 1993. State-of-art of reservoir limnology and water quality management. Comparative Reservoir Limnology and Water Quality Management.

Kluver Academic Publishers, Dordrecht, p. 213-288.

* - SePRONews é uma publicação da SePRO do Brasil Ltda.

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