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CIDADE X CIDADE


Paulo Lot Calixto Lemos

Silvio Santos vem ai, lá lá lá lá lá! Ele ainda trabalhava para o Roberto Marinho, e na época seu programa “Cidade contra Cidade” era, talvez, o maior sucesso da rede Globo de Televisão. Os gritos de “quem serão os próximos adversários? É com você Lombardi!” eram esperados por todo canto do Brasil. Até que chegou a vez da nossa cidade. Passos iria disputar com a cidade de Garça num domingo de 1969...

Lembro-me como se fosse hoje, a cidade ficou em polvorosa. As regras e as modalidades já eram bem conhecidas, o que fazia todo mundo querer participar, ou com palpites, ou nas comissões organizadoras ou mesmo como competidores.

Algumas modalidades causaram muita polemica. Sem dúvida, o “jogo de sinuca” e a prova do “touro de raça” foram as que mais deram falatório, pois Passos possuía vários bons jogadores e muitos criadores de gado:

- O Antôe do Correio (o popular “Conde”), é o melhor! Ele é o que tem mais sangue frio pra enfrentar a parada... – diziam uns.

- Que nada! Ocês tão ficando doido! O Conde mal sabe segurar um taco de sinuca! Quem deveria ir é o Antôe Brandão, aquele sim, tem classe pra jogar! – argumentavam outros.

- É porque ocês nunca viram o “Papinha” jogar! Esse é um verdadeiro profissional, um jogador completo. Tem sangue frio, tem classe e põe a bola 7 onde ele quiser!

No fim, o escolhido foi o Conde: infelizmente perdeu... Sobre o boi o papo era o seguinte:

- O Quinca Alexandre tem muito gado, com certeza ele vai ter um touro no rebanho! – diziam uns.

- O negocio não é quantidade, mas qualidade! O dono do melhor touro da cidade é o João Quirino! – falavam outros.

- Era! Hoje em dia, o melhor touro da região é do Zé Dó! É levar e ganhar!

No fim, acabou indo o touro do Zé Dó: perdeu... Imerecidamente, pois o touro Gir do Zé Dó perdeu para o famoso “boi de Garça”, um touro da raça Santa Gertrudes que era uma feiúra. Seu umbigo chegava a arrastar pelo chão... de tão ruim, tal boi virou jargão aqui em Passos. Para tudo o que era feio, esquisito ou desengonçado era falado: “sai pra lá boi de Garça!”.

Entre os locutores de Passos, foi escolhido como nosso apresentador oficial, o saudoso Ferreira Dias, que voltou com o apodo de “Banana” após não ter sabido responder a famosa pergunta feita por Silvio Santos: do que é que macaco mais gosta? – respondeu galho, macaca, etc, menos banana...

Mas rebuliço mesmo foi a prova do dinheiro. Explico: a cidade que conseguisse arrecadar mais dinheiro, e o levasse ao programa em notas de um cruzeiro, para ser doado à Santa Casa da outra cidade, ganharia 2 pontos.

Garça tomou de lavada, pois como todos sabem, Passos sempre se orgulhou de ser uma cidade hospitaleira e generosa, especialmente pra gente de fora... Assim, essa prova veio de encomenda! A população se engajou de tal forma que foi preciso colocar urnas para arrecadar dinheiro em diversos pontos da cidade, e vejam só como Passos ainda era uma cidade tranqüila: não se registrou nenhuma tentativa de arrombamento ou um único furto sequer em tais urnas!

Tem mais! Não só os passenses residentes aqui, como também varias colônias residentes em outras cidades contribuíram enviando dinheiro para o evento.

Uma delas, a colônia de passenses de Araçatuba, foi a que mais dinheiro mandou. Os Maia, os Lemos, os Beraldo, os Cardoso e etc, então abonados invernistas da noroeste de São Paulo, se juntaram e fizeram uma “caixinha” doando a pequena fortuna de um mil e quinhentos cruzeiros!

Coincidentemente, estavam em Araçatuba, mas já retornando pra Passos, Ferinho Calixto, o então proprietário do famoso bar Primor, e seu amigo Zé Negrinho, o melhor violeiro cantador que Passos já teve, cujos dotes artísticos foram muito bem aproveitados, pois foi ele o escolhido e o vencedor da prova de melhor interprete musical.

Requisitados, atenderam prontamente o pedido dos conterrâneos: entregar em mãos, a preciosa encomenda.

Zarparam logo no dia seguinte. Era uma quinta-feira, saíram bem cedinho, pois tinham que estar em Passos ainda em horário de Banco! Antes, preocupados combinaram:

- Ferinho, num me fala em dinheiro não heim! Até chegar em Passos vamos fazer de conta que esse pacote aí é de rapadura! Tá falado?

- Que graça, eu ia te falar a mesma coisa! O aperto é grande mas a responsabilidade é maior...

A viagem correu tranqüila, conforme o combinado, até que chegaram em São José Rio Preto...

- Ferinho, já que nós estamos passando por aqui, você podia me fazer um favor...

- O que é que ocê quer fazer aqui em Rio Preto Zé Negrinho?

- Coisa rápida, preciso acabar de combinar um show numa boate daqui.

- Boate? A essa hora Zé? São 9 horas da manhã, não vai ter ninguém acordado essa hora não sô!

- Oh bicho! Essa funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana! Pode ficar tranqüilo...

Bem, a tal boate na verdade era uma casa, ou melhor, uma mansão... Jardins paradisíacos, piscina em formato de coração, saunas, bares, dezenas de suítes e prestimosos garçons pra todo lado, e... mulheres! Muitas mulheres! Gatíssimas, verdadeiros monumentos, cada uma mais linda que a outra! Enfim, um verdadeiro jardim do Edem!

- Que coisa maluca Zé! Vamos logo com isso ai, que esse lugar tira qualquer um do sério, pô!

- Senta ai na beira da piscina Ferinho, num minutinho eu volto...

É, a intenção pode ser boa, mas a carne é fraca... Entre um wiskyzinho e outro, um “chamego” e outro, uma sauninha e outra, o minutinho do Zé Negrinho durou, de comum acordo, até terça feira da semana seguinte...

Ah! O pacote de rapadura foi entregue direitinho, em mãos! Pela metade, é claro. Mas foi!

Paulo Lot Calixto Lemos

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