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Cooperativismo de crédito rural com interação solidária chega ao Mato Grosso do Sul


Edivan Júnior Pommerening
          Quarta-feira, 29 de abril de 2015, véspera de um evento aguardado há 10 anos. O veículo atravessa rapidamente os 3600 metros da ponte Ayrton Senna, que liga o Paraná ao Mato Grosso do Sul. A partir dali, as rodovias riscam o planalto em linhas retas e perpendiculares. Do lado direito, cana-de-açúcar, do esquerdo, milhares de nelores nem fazem conta do movimento intenso de caminhões nos dois sentidos da estrada. Cem quilômetros à frente o cenário muda: os bois que estavam na esquerda passam para a direita e uma babilônica usina de álcool surge no horizonte, expelindo vapor quente pelas chaminés como gêiseres no deserto.
          Glória de Dourados encontra-se em festa. A Expoglória, exposição agropecuária e industrial do município, alcança sua 27ª edição. Em paralelo, outro grande, mas por hora restrito evento, está por acontecer. Aspirado com sofreguidão, o acontecimento é o ápice de dias e dias dedicados por uma comissão organizadora para pulverizar quase uma centena de reuniões na metade inferior do Mato Grosso do Sul. Destarte, reivindicou de seus membros estratosférica capacidade de mobilização social, assim como a abelha-rainha faz com suas operárias, se bem que nesse caso não pelo vínculo de subordinação e sim pela causa comum.
          No horário marcado, 22 abnegados tomaram seus assentos na sede do sindicato dos trabalhadores rurais de Glória de Dourados. Ao final assinariam um livro de presenças, junto com mais duas dúzias de agricultores familiares, para definitivamente estabelecer um divisor de águas na história da região. Antes da abertura do ato alguns ainda permaneciam céticos, o que é normal para quem aguarda algo por tanto tempo. Mas o ceticismo foi virando pó à medida que a ordem do dia estampada no edital de convocação ia sendo despachada com destreza pelo Mestre, ao sabor das aprovações por unanimidade.
          Duas horas atrás, no sítio do Komori, a família de macacos residente e domiciliada numa enorme touça de bambus não apareceu para receber os visitantes, o que foi prontamente compensado pela hospitalidade nipônica. Lá da cozinha o cheiro do café, produzido ali mesmo, procurou sutilmente as narinas dos forasteiros. Recusar sua degustação seria no mínimo negligência da nossa parte. Enquanto isso o japonês falava com orgulho da carta da terra, cujos 16 princípios reproduziu em igual número de painéis e encapou internamente um dos pavilhões da Expoglória. Em suma, os princípios visam garantir que os nossos filhos, e os filhos dos nossos filhos, possam usufruir daquilo que hoje a terra nos oferece.
          As palmas e assovios ecoaram na sala de reuniões no exato momento em que o Mestre declarou em alto e bom som que a cooperativa de crédito rural com interação solidária estava enfim constituída. Todos ali sabiam que o cooperativismo de crédito, se não o maior, é um dos maiores instrumentos de alavancagem econômica, financeira e social. Algo que não se basta em si mesmo, pois somente cumpre sua função quando impelido pelo preparo, perseverança e espírito de solidariedade de quem o faz. Neste ambiente, o bigode do Ferrari foi o paradouro das lágrimas que brotaram durante seu breve e contundente discurso. Lágrimas que encontravam-se represadas há mais de uma década, quebrando definitivamente o paradigma de que homem não chora.
          Os sócios-fundadores não se importaram com o horário bem avançado do meio-dia e aguardaram pacientemente a hora de assinar os documentos que formalizariam a constituição da cooperativa de crédito. Mesmo a Kátia, que precisava maquiar as vacas para expor na feira logo mais à noite. É fato que nos anais do Banco Central do Brasil e da Junta Comercial de Mato Grosso do Sul ela será “uma cooperativa de crédito”, mas na vida dos agricultores familiares de dois quartos daquele estado será “a cooperativa de crédito”. Cooperativa que nasce pequena, e nem tem grandes pretensões acerca de tamanho, ressalvado o dogma de que o bom velhinho faz grande mesmo aquilo que o homem considera pequeno.
          No retorno, ao pé da cheia, a lua crescente ainda acompanhou o veículo por três horas antes de dar lugar ao sol. Na memória dos sulistas, ainda fresca, a imagem dos pioneiros em êxtase com o galgo de mais um degrau na escada que leva à sua cooperativa de crédito. Se na ida a história do cooperativismo de crédito solidário no sul do Brasil consumiu centenas de quilômetros, contada pelo Mestre com uma impressionante riqueza de detalhes, na volta as aulas de fundamentos gerais de filosofia consumiram pelo menos o dobro. Aristóteles dividia a pauta com Paulo Freire, causando uma reviravolta naquilo que o aprendiz defendia até então.
          As diversas idas e vindas do sul ao centro-oeste imitaram o sobe e desce do martelo do carpinteiro, sendo as últimas marteladas muito firmes, a ponto de deixar a cabeça do prego a milímetros da madeira. Dali só restou aguardar, em metáfora bíblica, a segunda carta de Paulo (do Banco Central) aos sul-mato-grossenses, que recheada de formalística iniciou com a seguinte frase: “Manifestamos nosso parecer favorável ao funcionamento da cooperativa de crédito rural...” E assim como num ato assemblear, mas com o sentimento de que a ordem do dia ainda teria muitos assuntos a tratar, declara-se momentaneamente encerrada esta crônica.

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