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CRIATIVIDADE DE MENINO


Paulo Lot Calixto Lemos

Vejo a meninada de hoje e fico pensando: “é, nos antigamente é que era bom... Que televisão que nada! Era fazenda, rua, cavalo e bicicleta o dia todo. Novela? Fui conhecer isso só depois de recriado. Videogame? O negocio era bolinha de gude, jogo de triangulo, futebol de botão. Enfim, para brincar era preciso ter muita criatividade. Mas que os meninos de hoje são muito mais inteligentes, contestadores e bem informados, lá isso são!” Chego então a conclusão que é melhor não tentar provocar uma guerra entre gerações, pois não vou chegar a lugar nenhum. Assim, não tentando comparar, mas já comparando a criatividade de hoje com a de ontem, inicio a minha prosa:

A casa da vó Ritoca e do vô Feres era lá na rua Formosa. Casarão grande, cozinha enorme, um monte de quartos, e um quintal que no Japão seria considerado uma “fazenda”. Afinal, eram 13 filhos, que iam desde a tenra infância, passando pela adolescência até a idade de casamento, a se revezarem na bagunça dia e noite.

Um deles, classificado ainda como infante, era um dos mais levados. Mas o que Ricardo tinha de levadeza tinha também de criatividade e espontaneidade. Ricardo, apelidado Dida, era e ainda é um apaixonado por fazendas, cavalos e lida de gado.

Nessa ocasião ele já tinha seu cavalo, ou melhor, seu potro, o danado era mesmo pachola, um cabo de vassoura todo encerado que era uma beleza! Possuía uma cor castanha que inté lumiava! Mas, por se tratar de um “pordo”, ainda era um animal bravio, arisco que só vendo! Como estava ainda em fase de doma, toda manhã Ricardo o montava para o costumeiro repasse. Pra chegar nele só com muito jeito, de mansinho, falando sempre seu nome: Corisco, Corisco, Corisco... Apenas depois de acalma-lo é que o Dida o arreava e montava. Ai o tempo fervia! O bicho bufava, corcoveava, esperneava, mas firme no cutiano, o infante Dida terminava sempre por doma-lo.

Certa manhã, após o “repasse”, Dida conclui que já era hora de ensina-lo a marchar. Fala então para o irmão Tatãozinho:

- Vô rudiá o quarteirão com o Corisco, ensiná ele a marchá, senão esse animal vai acabá virando cavalo andadô... Não conta nada pra mãe não! – e saiu de trote pra empreitada...

As horas passam, a meninada entretida no quintal, não dá falta do Dida até que batem na porta:

- Por favor, o seu Feres está?

- Não, ele está pra fazenda e só chega à tardinha, mas a dona Ritoca não serve? – pergunta a empregada Tiana.

- É que eu preferia falar com o seu Feres, é sobre um menino que está dizendo que é seu filho...

Dona Ritoca que estava por perto, ouvindo isso, vem logo à porta:

- Pode falar comigo mesmo, principalmente se for coisa ruim, que o Feres não tem coração pra essas coisas não!

Sem jeito, o senhor então fala:

- Não é coisa séria não, mas tem um menino machucado ali na casa do seu Bruno dizendo que é seu filho. Acontece que estão todos da família pra fazenda, então achei melhor vir até aqui verificar...

Correram então, todos pra casa do seu Bruno. Era um casarão também, logo ali na rua Olegário Maciel... Assim que entraram deram com Ricardo com o rosto ainda todo sujo de sangue, urrando que nem um doido, chorando e gritando:

- Eu não sou dessa casa não! Eu não sou dessa casa não!

Vó Ritoca, com sua autoridade e sabedoria de sempre, acalma logo o menino, mas antes de leva-lo, faz com que ele na presença de todos, relate o acontecido:

- Agora nos diga meu filho, o que é que aconteceu com você?

- Eu tava repassando o Corisco mãe, ensinando ele a marchar na beirada da sarjeta. Ai veio vindo esse homem de bicicleta, veio chegando, chegando, na hora que ele chegou pertinho de mim o Corisco refugou e deu um pulo pro meio da rua! A bicicleta pegou nele e eu caí de testa na quina da sarjeta...

- Entendi... Mas porque você veio pra cá e não pra sua casa?

- Foi esse povo mãe! – disse já começando a chorar de novo – eles me seguraram e falavam sem parar: Ôoo menino feio! Só pode ser filho do Bruno! Ôoo menino feio! Só pode ser filho do Bruno!

Tentando agora agradar o filho, dona Ritoca passa então a dizer-lhe:

- Ricardo, sabe de uma coisa? Vou falar com o Feres, e hoje nós vamos à missa de carro! Você deve de estar cansadinho, né?

- Cansado eu tô mãe... Mas num precisa ir de carro não! Eu vou montado no Corisco, uai!

Paulo Lot calixto Lemos

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