CI

DE GRÃO EM GRÃO TAMBEM SE ESVAZIA O PAPO


Paulo Lot Calixto Lemos

Antigamente, antes de vigorar a lei que obrigou todas as salinas do Brasil a adicionar Iodo ao sal de cozinha, milhares pessoas eram acometidas pelo terrível mal provocado pela deficiência deste mineral. Doença esta, que tem como grave conseqüência o crescimento exagerado da glândula tireóide, que fica localizada junto à base do pescoço. Enfim, provocar o bócio ou o popularmente conhecido “papo”.

Não se sabe bem qual a razão, mas nos antigos rincões do sertão de Jacui, a incidência desse mal era enorme, fora do comum. Dizem que o incomum por lá era não ter papo – discriminado, era quem era chamado pejorativamente de “pescoço liso”.

Pois bem, nas vizinhanças de Jacui, existia uma região chamada Serra da Gaita, cujo maior fazendeiro e chefe político era um tal major Juventino Mendes, que apesar de muito rico e respeitado, tinha um grande problema: seu PAPO. Como diz o outro: um “mundo véio” de papo! Era tão grande que aquilo debruçava sobre seu peito até emendar com a barriga. De tão pesado que era, o obrigava a caminhar encurvado pra frente, meio que corcunda, a sofrer tonturas e fortes dores nas costas... Por isso, o maior sonho do major era, um dia, se ver livre do famigerado papo que tanto desconforto lhe trazia. Assim sendo, mesmo não sendo este o costume, mandou seu único filho pra São Paulo estudar para virar “doutor”. Dizia:

- Deus há de ajudá! Vai sê de munta serventia meu fio vortá logo, dotô formado e deplomado. Seu primeiro serviço vai ser rancá fora esse papo, mode eu ficá livre desse peso...

Os anos foram se passando, e o papo do major, a cada dia, parecia ainda maior... Até que num belo dia chega o tão esperado telegrama: – Chego a Paraíso trem das 11:00 – Benção – Alfredo.

De tão alegre, o coração do major mal cabia no peito, parecia estar ainda maior que seu próprio papo... Emocionado gritava e dava ordens:

- Chiquinho da Quitéria! Guariba o carro de boi que eu quero a condução nos trinque. Encerada, azeitada e engraxada!

- Sô Zico! Dê um balaio de mio e escove o pêlo dos boi carrero. Eu quero a boiada mais bem apareada que essa região já viu!

- Sá Quitéria! Manda matá um capado gordo, e aprepara a massa da quitanda. Ajeita tudo no gosto do meu fio!

Foi aquele corre-corre até o dia seguinte... Logo cedo, bem de madrugadinha, o major Juventino, sô Zico e Chiquinho da Quitéria, saíram rumo à estação ferroviária de São Sebastião do Paraíso, dar boas vindas e buscar o doutor. Às onze horas em ponto a “Maria Fumaça” apontou buzinando alto, logo na primeira curva. Estacionou, e Alfredinho agora Doutor Alfredo, saltou todo elegante e bem paramentado da primeira classe. Após comprimentos emocionados, a benção do orgulhoso major, e um abraço caloroso em Chiquinho, seu amigo de infância, seguiram contentes para a fazenda da Gaita.

Satisfeito, já durante a viajem, o major fala a seu filho:

- Meu fio, ocê sabe muito bem pruque q’eu te mandei pra Sum Paulo... Eu tô que num tô agüentando mais carregá esse meu papo, inda mais agora que ele danô a chiá... Entonces, se aprepara que de hoje a 8 dia, nois bamo pra cidade mode ocê cortá fora esse incomodo.

- Meu pai, depois do senhor, sou eu quem mais quer lhe operar. Estou preparado para isso. Porem, qualquer cirurgia carece de um exame mais detalhado. Se tudo estiver nos conformes, lhe garanto que o senhor vai se livrar desse peso.

Mas o doutor Alfredo estava preocupado. O papo do major havia aumentado ainda mais durante sua ausência. Estava enorme! Alfredinho passava horas observando o pai... Verificou preocupado o quanto estava difícil pra ele caminhar, observou que o peso fez com que ele alterasse por completo seu referencial de postura. Seu senso de equilíbrio estava totalmente alterado...

Chiquinho era um rapaz esperto, ativo e observador, regulava em idade com o doutor, e logo percebeu que o amigo estava amuado e pensativo. Assim, tentando ajudar, se achegou ao patrão e companheiro:

- O que se passa meu amigo? Tá cum cara de burro fujão! Acaso deixou a contra-gosto argum amor nas terra de São Paulo?

- Não é nada disso não Chiquinho! Eu estou é preocupado com meu pai. Infelizmente a cirurgia não vai ser possível...

- Tá variando doutor? Se o sinhô num operá ele, vai ser o fim!

- É isso que tá me acabando... Mas se ele for operado, nunca mais vai conseguir andar.

- Uai! E pruque não dotô?

- O peso que ele carrega é muito grande, e abalou por completo seu senso de equilíbrio, funciona agora como um contra-peso, sem ele, toda vez que tentar ficar de pé, ele vai cair de costas!

- Minha nossa senhora! Agora tô entendendo... O major vai “bolear”!

- Isso mesmo Chiquinho... Já pensei de tudo. Não há solução para o caso.

Mas o esperto Chiquinho não se conformou, pensativo, após alguns minutos voltou a falar:

- Dotô, o sinhô se alembra da cascatinha no pé da serra que nois dois costumava nadar?

- Sei. E o que é que tem isso Chiquinho?

- Então, lá dá um cascaio deferente, umas pedrinha danada de iguarzinha...Viu uma, viu outra, do memo peso e do memo tamaninho!

- Agora é você que tá variando Chiquinho! Que conversa é essa de pedrinha?

- O sinhô arranca fora o papo do major. E pr’ele num boleá. O tanto que tirá de papo, o sinhô enche um emborná com o memo tanto da tar pedra, e amarra no pescoço do véio. Ai manda ele, todo dia, jogá uma fora. Certeza! Na hora que o peso manerá de vez, o véio já vai tá andando no prumo certinho... Que nem moirão de cerca!

Dito e feito. A técnica “Francisco da Quitéria” foi um temendo sucesso!

Paulo Lot Calixto Lemos

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.