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DEPOIMENTO DE UM PAI


Paulo Lot Calixto Lemos

O pai moderno muitas vezes, perplexo e angustiado, passa a vida inteira correndo como um louco em busca do “futuro”, esquecendo-se do agora. Com prazer e orgulho, a cada ano preenche sua declaração de bens para o imposto de renda. Cada nova linha acrescida foi produto de muito trabalho. Lotes, casas, fazendas, casa na praia, automóvel do ano. Tudo isso custou dias, semanas, meses de luta, mas ele está sedimentando o futuro de sua família. Se partir de repente, já cumpriu sua missão e não vai deixa-la desamparada.

Para ir escrevendo cada vez mais linhas na sua relação de bens, ele não se contenta com uma atividade só, é preciso ter duas, três ou mais, não tirar férias, levar serviço para casa. É um tal de viajar, almoçar fora, fazer reuniões, preencher a agenda. Afinal, ele é um executivo dinâmico e competente, não pode fraquejar.

Esse homem se esquece de que a verdadeira declaração de bens, o valor que efetivamente conta, está em outra pagina do formulário do imposto de renda. Naquelas modestas linhas, quase escondidas, em que se lê: RELAÇÃO DE DEPENDENTES. São filhos que colocou no mundo, a quem deve dedicar o melhor do seu tempo. Os filhos, novos demais, não estão interessados em propriedades ou no aumento da renda. Antes, eles querem um pai para conviver, dialogar, brincar...

Os anos passam, os pequeninos crescem e o pai nem percebe, porque se entregou de tal forma na construção do “futuro”, que não participou de suas pequenas alegrias e tristezas. Não os levou ou os buscou ao colégio, nunca participou de suas brincadeirinhas nem ouviu suas queixas. Afinal, um executivo não deve desviar sua atenção para tais bobagens. Seus filhos se tornam nada mais que órfãos de pais vivos. Criaturinhas crescendo sem dialogo, sem confiança, sem a convivência que solidifica a fraternidade, que abre caminhos no coração, que apara as arestas, que é a base de todo entendimento e conhecimento mutuo.

Depois de uma dramática experiência pessoal e familiar vivida, a mensagem que tenho a dar é: não existe tempo melhor aplicado, do que aquele destinado aos filhos. Dos 22 anos de casado, passei 20 absorvido por muitas tarefas, envolvido em varias ocupações e totalmente entregue a um objetivo único e prioritário: garantir o futuro para meus três filhos e minha esposa.

Agora estou aqui com o resultado de tanto esforço. Construí o futuro, mas não sei o que fazer com ele depois da perda de Luis Otavio e Priscila. De que vale tudo isso que ajuntei, se estes meus dois filhos não estão mais aqui para desfrutar isso conosco? Se esse resultado de 20 anos de trabalho fosse consumido agora por um incêndio, e desses bens todos, não restassem nada mais que cinzas, isso não teria a menor importância. Porque minha escala de valores mudou, e o dinheiro passou a ter peso mínimo e relativo. Se o dinheiro não foi capaz de comprar a cura de meu filho que se drogou, adoeceu e morreu. Se não foi capaz de evitar a fuga de minha filhinha, morta em um acidente de carro. Para que serve? Para que ser escravo dele? Eu trocaria, explodindo de felicidade, todas as linhas da minha declaração de bens pelas 2 únicas que tive que retirar: os nomes de Luis Otavio e Priscila da lista de dependentes. E como doeu retirar essas duas linhas da declaração de 1.996, ano base 1.995. Luis Otavio morreu aos 19 anos e Priscila um mês antes de completar 20...

Este dramático depoimento foi prestado por um contribuinte ao preencher sua declaração de imposto de renda no exercício de 1.996, um empresário de Belo Horizonte, que preferiu deixar seu depoimento a relacionar seus bens e direitos.

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