
Pratápolis amanheceu em festa, naquele tempo ainda era comum aparecerem nas pequenas cidades de então, circos de tourada itinerantes. Era um dia de domingo, e todos sabiam que por toda semana teriam diversão. Alias a diversão já começara... Ao som de marchinhas que se pretendiam espanholas, o circo se exibia pela rua “do Meio”. Os toureiros vestidos a caráter assanhavam as donzelas, os palhaços divertiam as crianças e, os touros bravios, puxados em carroções fechados, impressionavam os adultos.
O comentário era geral. Todos falavam do toureiro do circo, tido como o mais famoso do Brasil. Um tal Antonio Mesquita, popularmente chamado por “Antõe Corajoso”. O homem era “um massa”, mal cabia em sua fatiota, sua fustigada indumentária de toureiro parecia que a qualquer momento podia estuporar. O que aguçava ainda mais a curiosidade das moçoilas.
Passado o desfile foram se instalar lá no alto da cidade, ao lado do cemitério, e acima da “rua de Cima”. Com a prática de quem sabe fazer o que tem que ser feito, em poucas horas a arena já estava montada e cercada, as arquibancadas armadas e a bilheteria instalada. A peleja estava marcada para iniciar às 6 horas da tarde. Em ponto.
Lá embaixo, na “rua de Baixo”, rua do comercio, dos bares e botequins, acomodados no bar do Piscula, estavam bebendo e proseando, o Najibe e o compadre Neca Ribeiro.
- Najibe, nois temo que ir na tourada hoje. – dizia o compadre Neca.
- Eu não perco tempo com essa bobice não compadre! E oçê acha que eu vou largar minha “branquinha” pra ver toureiro de meia tigela?
- Ai é que tá imbecil! Ocê viu a metideza daquele toureirinho, aquele tal de Antõe Corajoso? Eu quero é conferir se aquele sujeitinho entende memo do riscado, e se precisar eu pulo prá dentro e dou umas lição nele!
E assim aconteceu... Quando o compadre Neca chegou, mais pra lá do que pra cá, a tourada já havia começado. Antõe Corajoso estava lá, todo garboso, dando o que tinha pra domar o touro. Era um touro preto, jaquanez de branco, que era uma fera! A platéia arregalada, soltava suspiros em coro, quando Antõe se esquivava dos mortais chifres pontiagudos do bicho.
Mas o compadre Neca não se conformava, a cada investida do touro, ou a cada esquivada do toureiro, gritava:
- Oooh molenga! Pega o bicho pelo chifre!
- Toureirinho de merda, vai tourear suas galinhas!
- Monta nele Antõe medroso! Quer que eu pulo aí dentro pra te ensinar?
Foi essa chateação o tempo todo. Terminada a peleja, encostado num poste logo na saída, Antõe Corajoso aguardava... Quando o compadre Neca saiu todo alegrão do recinto da tourada não teve tempo nem de piscar. Um bofetão lhe anuviou as vistas, e de cata cavacos focinhou de cara no chão. Levantou, quis falar qualquer coisa e outro bofetão o arremessou a três metros de distancia. Levantou de novo, mas dessa vez tomou outro rumo, desceu destrambelhado ladeira abaixo até a “rua de Baixo”. Chegou esbaforido no boteco do Piscula onde ainda se encontrava o amigo Najibe, que acompanhado por suas “branquinhas”, escutou compenetrado o relato do esfolado compadre Neca, e emendou:
- Isso não pode ficar assim compadre! Vamo lá ensinar esse tipinho que em terra de macho, toureiro tem berrá é que nem vaca! Vamo andando que o “38” tá na cintura!
E lá foram os dois ladeira acima. Sérios, prontos para o que der e vier... Chegando, avistaram o brutamontes, já de banho tomado, sentado na sarjeta, fumando um cigarrinho... Tentando impostar a voz Najibe falou:
- Foi o senhor que bateu aqui no meu comadre Neca Ribeiro?
O homem levantou-se, e de cima seus quase 2 metros de altura respondeu:
- Foi, porque?
Apalpando a “cintura”, como que ameaçando puxar de lá, alguma arma, Najibe continuou:
- Por que eu quero ver se o senhor tem coragem de fazer isso de novo...
Não teve tempo nem de terminar a fala, e um novo “sopapo” estalou surdamente no ouvido do coitado do compadre Neca...
Por baixo do paletó, com a mão agarrada à cintura, num gesto de que, agora sairia “alguma coisa” de lá, Najibe repetiu:
- Agora que eu quero ver! Bate de novo se ocê for homem!
Antõe Corajoso não se fez de rogado, imediatamente outro bofetão, ainda mais forte, aninhou de vez o pobre compadre Neca na poeira do chão.
Com a mão ainda agarrada à cintura, Najibe correu até o alquebrado compadre Neca. Agachou e disse baixinho ao seu ouvido:
- Compadre, vamo embora que esse homem acaba te matando!
Paulo Lot Calixto Lemos