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DIA DE TOURADA


Paulo Lot Calixto Lemos

Pratápolis amanheceu em festa, naquele tempo ainda era comum aparecerem nas pequenas cidades de então, circos de tourada itinerantes. Era um dia de domingo, e todos sabiam que por toda semana teriam diversão. Alias a diversão já começara... Ao som de marchinhas que se pretendiam espanholas, o circo se exibia pela rua “do Meio”. Os toureiros vestidos a caráter assanhavam as donzelas, os palhaços divertiam as crianças e, os touros bravios, puxados em carroções fechados, impressionavam os adultos.

O comentário era geral. Todos falavam do toureiro do circo, tido como o mais famoso do Brasil. Um tal Antonio Mesquita, popularmente chamado por “Antõe Corajoso”. O homem era “um massa”, mal cabia em sua fatiota, sua fustigada indumentária de toureiro parecia que a qualquer momento podia estuporar. O que aguçava ainda mais a curiosidade das moçoilas.

Passado o desfile foram se instalar lá no alto da cidade, ao lado do cemitério, e acima da “rua de Cima”. Com a prática de quem sabe fazer o que tem que ser feito, em poucas horas a arena já estava montada e cercada, as arquibancadas armadas e a bilheteria instalada. A peleja estava marcada para iniciar às 6 horas da tarde. Em ponto.

Lá embaixo, na “rua de Baixo”, rua do comercio, dos bares e botequins, acomodados no bar do Piscula, estavam bebendo e proseando, o Najibe e o compadre Neca Ribeiro.

- Najibe, nois temo que ir na tourada hoje. – dizia o compadre Neca.

- Eu não perco tempo com essa bobice não compadre! E oçê acha que eu vou largar minha “branquinha” pra ver toureiro de meia tigela?

- Ai é que tá imbecil! Ocê viu a metideza daquele toureirinho, aquele tal de Antõe Corajoso? Eu quero é conferir se aquele sujeitinho entende memo do riscado, e se precisar eu pulo prá dentro e dou umas lição nele!

E assim aconteceu... Quando o compadre Neca chegou, mais pra lá do que pra cá, a tourada já havia começado. Antõe Corajoso estava lá, todo garboso, dando o que tinha pra domar o touro. Era um touro preto, jaquanez de branco, que era uma fera! A platéia arregalada, soltava suspiros em coro, quando Antõe se esquivava dos mortais chifres pontiagudos do bicho.

Mas o compadre Neca não se conformava, a cada investida do touro, ou a cada esquivada do toureiro, gritava:

- Oooh molenga! Pega o bicho pelo chifre!

- Toureirinho de merda, vai tourear suas galinhas!

- Monta nele Antõe medroso! Quer que eu pulo aí dentro pra te ensinar?

Foi essa chateação o tempo todo. Terminada a peleja, encostado num poste logo na saída, Antõe Corajoso aguardava... Quando o compadre Neca saiu todo alegrão do recinto da tourada não teve tempo nem de piscar. Um bofetão lhe anuviou as vistas, e de cata cavacos focinhou de cara no chão. Levantou, quis falar qualquer coisa e outro bofetão o arremessou a três metros de distancia. Levantou de novo, mas dessa vez tomou outro rumo, desceu destrambelhado ladeira abaixo até a “rua de Baixo”. Chegou esbaforido no boteco do Piscula onde ainda se encontrava o amigo Najibe, que acompanhado por suas “branquinhas”, escutou compenetrado o relato do esfolado compadre Neca, e emendou:

- Isso não pode ficar assim compadre! Vamo lá ensinar esse tipinho que em terra de macho, toureiro tem berrá é que nem vaca! Vamo andando que o “38” tá na cintura!

E lá foram os dois ladeira acima. Sérios, prontos para o que der e vier... Chegando, avistaram o brutamontes, já de banho tomado, sentado na sarjeta, fumando um cigarrinho... Tentando impostar a voz Najibe falou:

- Foi o senhor que bateu aqui no meu comadre Neca Ribeiro?

O homem levantou-se, e de cima seus quase 2 metros de altura respondeu:

- Foi, porque?

Apalpando a “cintura”, como que ameaçando puxar de lá, alguma arma, Najibe continuou:

- Por que eu quero ver se o senhor tem coragem de fazer isso de novo...

Não teve tempo nem de terminar a fala, e um novo “sopapo” estalou surdamente no ouvido do coitado do compadre Neca...

Por baixo do paletó, com a mão agarrada à cintura, num gesto de que, agora sairia “alguma coisa” de lá, Najibe repetiu:

- Agora que eu quero ver! Bate de novo se ocê for homem!

Antõe Corajoso não se fez de rogado, imediatamente outro bofetão, ainda mais forte, aninhou de vez o pobre compadre Neca na poeira do chão.

Com a mão ainda agarrada à cintura, Najibe correu até o alquebrado compadre Neca. Agachou e disse baixinho ao seu ouvido:

- Compadre, vamo embora que esse homem acaba te matando!

Paulo Lot Calixto Lemos

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