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MISSA NA USINA


Paulo Lot Calixto Lemos

José Barbosa de Andrade e Silva, o grande artista e o para sempre querido Zé da Beca saiu de casa bem cedo naquele dia. Tinha ainda que apanhar o tio João Barbosa e juntos partirem rumo a usina açucareira Rio Grande. Afinal eram mais de 30 quilômetros de estrada de terra a serem vencidos pelo “fordinho”, e no convite, o comendador Francisco Avelino Maia era enfático: a missa e a benção de inauguração do novo engenho de cana, a serem celebrados pelo saudoso monsenhor Matias, iria ter inicio impreterivelmente às 10:00 horas daquela manhã de 1956. Em seguida seguiriam todos para o casarão sede do comendador, onde sua esposa dona Cotinha serviria auspicioso almoço de confraternização.

Próximo à usina, onde existe até hoje um rincão chamado Cachoeira, morava Tonico da Cecília. Fazendeiro bonachão e simplório até o cerne, corpulento e da fala grossa. Enfim, um caipira nato, tanto da gema como da clara! Ao passarem por lá, Zé da Beca e João Barbosa toparam com ele arreando seu cavalo, também de partida para a festa. Então, nada mais natural que lhe oferecessem uma garupa:

- Oh Tonico! A festa hoje é de gente importante! Onde já se viu ocê chegar lá montado nesse pangaré! – brincou o Zé da Beca.

- Ora Zé da Beca, aposto 100 por 1 que eu e meu alazão chegamo lá premero de que ocê qu’esse monte de lata! – retrucou Tonico, já gargalhando.

- Deixa disso compadre Tonico – ralhou seo João Barbosa – entra logo senão ocê chega lá todo empoeirado, uai!

Assim que chegaram, o conhecido vozeirão do monsenhor Matias já se fazia ouvir de longe, e com carranca de sempre, já havia começado a “mastigar” as primeiras rezas da missa. Quando a celebração já estava por terminar, o circunspeto sacristão, alarmado deu falta do Hissope. Instrumento indispensável para a realização da benção, e que nada mais é que um tipo de colherzinha toda perfurada, que deve ser encharcada na água benta, para que esta possa ser pulverizada por todo canto do lugar a ser bento.

Atento, Zé da Beca notou o embaraço do sacristão. Aproximou-se dele indagando-lhe do ocorrido:

- O que se passa homem de Deus, parece até que ocê viu o capeta!

- Minha nossa Senhora sô Zé! Eu esqueci o hissope, o monsenhor vai me matá!

- Não afoba não que isso é coisa à toa sacristão! Corre ali na horta e me traga um chumaço de folhas de arruda.

Enquanto a arruda não vinha, Zé da Beca tirou o cabo de um rebenque que sempre trazia consigo, um cabinho todo trabalhado, delicado e enfeitado. Amarrou o chumaço de folhas numa ponta, e pronto! Estava improvisado um “hissope” tipo pincel que ficou uma jóia! E que daria pra benzer meio mundo.

Assim, mais uma vez Zé da Beca fez valer seus já reconhecidos dotes artísticos, e tudo correu nos conformes. Dentro do horário previsto foi servido o lauto almoço para os convivas.

O que o comendador Chico Avelino tinha de trabalhador, seriedade e autoridade, tinha também de “piadista”, ou melhor, não era um contador de piadas, era sim um grande ouvinte delas, adorava dentro do razoável ouvir piadas e charadas, e se derretia de tanto rir das brincadeiras.

Assim, terminado o almoço, todos ainda sentados na imensa mesa da sala de jantar, o monsenhor Matias sentado numa ponta da mesa e ele na outra, começa a provocar, e quem melhor para se provocar do que o Tonico da Cecília?

- Compadre Tonico, o senhor tá meio amuado hoje! Conte alguma nova pra nós! – provoca rindo baixo o comendador.

Tonico da Cecília fez a cara mais boa do mundo. “Até que enfim esse povo vai prosear prosa que presta” – Pensou. Se ajeitou no banco da mesa e mandou uma logo de cara pro monsenhor Matias:

- Monsenhô Matia! O sinhô que é munto sabereta, me responda: qualé o santo que só trepa na cerca?

Emburrado, e já “mordendo o freio”, o monsenhor Matias repreende:

- Deve de ser o demônio de sua devoção, e com certeza, aqui é só o senhor que reza o terço dele!

- Num tem nada de demonho não padre! É São Caetano! Aquela prantinha trepadera que dá em tudo quanto é cerca! – e caiu na gargalhada...

Diante do clima criado, todos se seguravam a mais não poder, ou senão cairiam na risada também... Até que foram salvos pelo comendador:

- Vamos agora que eu quero que todos conheçam uma nova variedade de cana, muito mais produtiva...

Ouvindo isso, Tonico da Cecília foi o primeiro a passar a perna pelo banco e se levantar. Fazendo uma chiadeira danada pra limpar os dentes e batendo forte na barriga avantajada, fala bem alto:

- Êh trem bão! Comi que nem um padre!

Ouvindo mais esta afronta, o monsenhor Matias retruca com a carranca mais feia que pode arrumar:

- Melhor dizer que comeu como um burrrrro!

- Ara monsenhô, é a mema coisa!

Paulo Lot Calixto Lemos

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