
Como pai de duas meninas, estou vivendo e aprendendo a conviver novamente com a adolescência. Vários fatos, passagens e acontecimentos me fazem relembrar esta incoerentemente lógica fase da vida. Esta conturbada e multicolorida idade que eu também já tive. O “friozinho” gostoso na barriga que teimava em aparecer sem mais nem menos... Os sonhos, os ideais, a estranha certeza de que o mundo poderia sim, ser diferente... A permanente sensação de que alguma coisa estava prestes a acontecer... O rubor na face ante a menor situação que podia parecer constrangedora... O calor e os solavancos do coração à simples menção ou visão do ser amado e, como não poderia deixar de ser: a quentura gelada percorrendo o corpo ao ouvir o toque do telefone...
Sim, poucos acontecimentos do dia de um adolescente podem ser comparados a um simples telefonema. Segundo “especialistas” eles tem o poder de iluminar (ou escurecer) o seu dia, melhorar (ou piorar) o humor e a pele, curar (ou dar) dor de cabeça. Porém, há tempos não sou mais um adolescente, e convenhamos: existe coisa mais chata que um telefone tocando sem parar? O dia todo! Existe?
Por isso, na tentativa de obter uma melhor harmonia em casa, providenciei outra linha de telefone. Pois a que já existia ficava permanentemente conectada à internet, e assim meu celular poderia enfim estar desocupado para mim, meus amigos e meus clientes.
Elaborei então, um pequeno manual para resolver de vez todo o problema:
1- Passar para as “amigas” apenas o numero do novo telefone.
2- Nunca mais fornecer o numero do meu celular a ninguém! (dizer que eu perdi o aparelho)
3- Ao primeiro toque do telefone novo, alguma delas (a que estiver mais próxima) correr para atender.
4- Alem da sala de TV, colocar no quarto de cada uma, uma extensão do novo numero.(com aparelho de design e cores exclusivas)
5- E por fim, uma promessa: nunca, sob hipótese alguma, ouvir na extensão a conversa de qualquer uma delas.
Bem, o que é combinado, não é caro. Mas alguma coisa ficou esquecida, e só fui perceber quando a historia passou a se repetir. Trata-se das muitas vezes em que o telefone toca e nenhuma delas está em casa. Aí a coisa pega! Ainda não tinha encontrado a solução, até que um dia...
- Pai, alguém me ligou?
Atarefado com meus afazeres, penso e lembro que alguém ligou.
- Sim. Alguém ligou.
- Quem?
- Não me lembro o nome...
- Mas era homem ou mulher?
- Homem.
- Mas quem era??
- Sei lá, um nome com R!
- Roberto?
- Sei lá, não me lembro. Acho que não.
- “Derrr!!” Mas o que ele falou?
- Perguntou por você.
- E o que você falou?
- Que você tinha saído.
- E ele, deixou recado?
- Não.
- Mas, você falou que eu voltava logo?
- Não né filha! Porque que eu haveria de falar isso?
- Mas como ele falou?
- Como! Como?
- É! Repete a conversa, exatamente.
- Uai, ele perguntou de você e eu falei que você não estava!
- Mas, falou que eu não estava ou que eu tinha saído?
- Ah tenha dó! É cada uma... Espera que ele liga de novo!
- Mas, a voz dele parecia como?
- Como assim?!
- Parecia nervoso ou calmo? Era um menino de voz fina, normal ou de voz grossa?
- Que saco! Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe!
- Só pode ser o “Bill” do Renatinho ou “podre” do Reinaldo... Mas ele falou alguma coisa tipo assim: tá bom, então eu ligo depois?
- Filha, se você não tem mais o que fazer, EU TENHO!
- Tá bom pai, mas pra ficar “per”, antes você tem que me prometer uma coisa: COMPRE UM BINA VAI!
Paulo Lot Calixto Lemos