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TARDÔ, MAS NUM FARTÔ


Paulo Lot Calixto Lemos

A profissão de chofer de praça era muito requisitada naqueles tempos. Levar doente pra hospital, bandido pra cadeia, fazendeiro pra fazenda, beata pra igreja... Enfim, ser taxista era um bom negócio. O ponto de táxi da praça da matriz concentrava os mais requisitados motoristas da época. Dentre outros, lá faziam ponto o famoso Balaucho, os calmos Tonico e Juca da Inocência, o sabe-tudo Normélio, o desengonçado Tião Cumunheira, o come-quieto Duxinho, alem do esquentado Mané Fernandes.

Personagem dessa historia, Mané Fernandes, chamado por todos de Mané Tetéia, aflito que só, era um especialista em atalhos e desvios. Gaba-se de ser o mais rápido de todos, enquanto outros motoristas gastavam um dia em algum trajeto, ele em poucas horas já estava de volta ao ponto. Conhecia todos os caminhos e atalhos de todas aquelas estradinhas vicinais do município. E, por isso mesmo era o terror dos fazendeiros, pois em seus atalhos passava por invernadas ou lavouras, deixando porteiras abertas, arrombando cercas, misturando gados ou deixando animais saboreando algum tenro milharal.

Francisco da Silva Maia, o famoso coronel Chico Pitinho, um dos grandes chefes políticos que Passos já teve, era um dos maiores “fregueses” das inoportunas passagens de Mané Tetéia, pois um dos atalhos mais utilizados por ele passava por suas terras. O apodo, Chico Pitinho, tinha razão de ser, pois o coronel não desgrudava de seu pito, um tipo de cachimbinho, o qual mesmo quando não estava fumando, não saia do canto de sua boca. De pequena estatura, fala baixa porem rápida e enérgica, Chico Pitinho comandava dos bastidores, todos os escalões do poder municipal daquela época. Certo dia...

- Coroné – vem aflito lhe comunicar o camarada Antõe José – só pode ser obra do tar do Mané Tetéia... A porteira do pasto da taboca tava aberta de novo, foi uma danação só, o gado tá todo misturado, dano um trabaião que só vendo!

- Compadre Antõe, peça pra trazerem da cidade um cadeado bem reforçado, põe um correntão de amarrá cana nele, e me tranque aquela porteira hoje mesmo!

Passados alguns meses de calmaria, vem de novo, agora esbaforido, o compadre Antõe José:

- Num tem basa coroné! O sinhô aquerdita que o desembestado do Mané Tetéia arrombô o cadeado? Certeza que é ele, mode que ele foi visto passando praquelas banda... O que é que nois faiz agora coroné?

- Hmmm... Compadre Antõe. Faça o seguinte: arranje um bruta moirão de aroeira, um desses marrudo memo, e finque ele bem fundo e bem no meio da passagem. Vamos ver se assim o homem respeita...

Mané Tetéia era um motorista prevenido. Carregava toda uma traia de ferramentas no porta malas de seu carro: alicate, torquês, facão, corda, corrente, enxada, enxadão e tudo mais que pudesse ter serventia. Afinal aquelas estradas eram traiçoeiras, em dia de chuva nem se fala! Só tatu com chuteiras ou Mané Fernandes conseguiam transitar...

Tal previdência não tardou a ser necessária. Dali alguns dias, em outra de suas corridas, Mané Tetéia topou com o poste de aroeira bem no meio de sua passagem predileta. Não se fez de rogado. Imediatamente retirou o enxadão do porta malas, cavou, cavou, sempre ao redor, até que o moirão bambeou. Amarrou a corrente nele e o arrastou com o carro, deixando-o jogado a margem do caminho...

- Minha nossa senhora! – vem desta vez, completamente alarmado, o compadre Antõe José – não é que o home rancô fora o moirão e jogô ele puma banda coroné! Fez uma anarquia pra cramunhão nenhum botá defeito... Mas é só o sinhô mandá coroné, que na próxima veiz nois esbarra o infeliz na bala ou na borracha!

- Carece não compadre Antõe... deixa tudo como está.

- Mas e o moirão coroné? Nois finca ele traveiz?

- Como eu disse compadre, deixa tudo como tá. Apenas mande entupir o buraco com cascáio bem batido. Pode tardá, mas num vai fartá o dia pra que a mesma mão que tirô, colocá ele de vorta no lugá. Certinho, certinho...

Dito pelo não dito, os anos foram se passando... Num belo dia o ponto da matriz amanheceu em polvorosa: o esquentado Mané Tetéia perdeu a cabeça numa briga de bar e foi enjaulado, foi preso sem direito a sursis, pois até tiro de revolver teve. A coisa tava preta pro lado dele...

Uma comitiva de parentes e amigos logo se formou: vamos falar com o coronel Chico Pitinho, pois ele é o único que pode dar um jeito na situação do Mané! – Diziam empolgados – E lá foram eles falar com o coronel Francisco da Silva Maia:

- Coronel Francisco – disse o parente mais gabaritado – viemos aqui pedir ao senhor que interceda a favor do Manuel Fernandes, ele é uma boa pessoa... E nós sabemos que só o senhor tem autoridade suficiente pra tirar o Mané da cadeia...

- Eu? Pois vocês estão muito enganados, dessa vez o trabalho depende só do próprio Mané!

- Como do Mané coronel? Ele tá preso!

- Fácil... Diz pra ele que é só ele ir lá na fazenda e colocá no lugá o que ele tirô, há munto tempo atrás! Vai e fala, que ele vai sabê dereitinho o que, que é...

Até hoje ninguém sabe ao certo se o Mané teria preferido comer algum tempo de cadeia, ou ter tido que enfrentar o chão de cascalho batido e fincar sozinho aquele baita moirão de aroeira. Certinho, certinho...

Paulo Lot Calixto Lemos

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