
A queda nos estoques de alimentos e a preocupação de organismos internacionais com o aumento da fome no mundo dominaram os noticiários das últimas semanas, sobretudo por contrapor a produção de comida à de biocombustíveis. A verdade é que essa discussão traz enviesados interesses de grupos e países, não muito contentes com a importância que a bioenergia adquiriu ultimamente e com o fato de que terão de abrir seus mercados ou perder parte de seu comércio para nações em desenvolvimento como o Brasil.
Sobre isso, já falamos anteriormente. Mas acho importante que essa suposta crise de alimentos possa ser vista pelo Brasil como uma oportunidade para aproveitarmos o potencial que dispomos. Há duas semanas tive a oportunidade de assistir a uma palestra do professor da Faculdade de Administração e Economia da USP, Marcos Fava Neves, a senadores franceses, em Ribeirão Preto. E a apresentação trouxe dados interessantes sobre o crescimento da população mundial, da renda e da demanda por alimentos.
Em 2050, estima-se que a população mundial será de 9 bilhões de pessoas e apenas 10% delas estarão vivendo nos países desenvolvidos. Noventa por cento estarão nos países emergentes, que serão responsáveis também por 50% do PIB mundial em 2030. Haverá também elevação nos rendimentos: hoje são 200 milhões de pessoas nos países emergentes que ganham mais de US$ 3 mil/ano (classe média). Em 20 anos serão 2 bilhões.
O crescimento da população, a expansão da economia dos países emergentes e conseqüente aumento de renda de seus habitantes demandarão mais alimentos. Ainda segundo a ONU, a produção de cereais, que foi de 2,2 bilhões de toneladas em 2005, terá de aumentar 921 milhões/toneladas para fazer frente à demanda em 2025. A produção de oleaginosas, que foi de 595 milhões/ton em 2005, terá de crescer outros 155,9 milhões/tons. A oferta de carnes, que foi de 264,7 milhões/ton em 2005, terá de alcançar 376,4 em 2025.
Ou seja, a oferta de alimentos terá de crescer de forma importante assim como o de energia. E exatamente nesses dois quesitos o Brasil tem participação marcante e um potencial extraordinário. Somos os maiores exportadores de soja, açúcar e etanol, carne bovina e de frango, café, tabaco e suco de laranja. Em relação a este último produto, o Brasil detém 83% do comércio mundial e nos demais, em média 30%.
E nenhum outro país do mundo apresenta condições tão favoráveis para a produção: disponibilidade de área e água, clima e relevo propícios e tecnologia. Do território brasileiro, que soma 850 milhões de hectares, apenas 33% são ocupados com lavouras e criações (211 milhões/ha de pastagens, 70 milhões/ha com lavouras). A cana ocupou na safra passada 7 milhões/ha e seu crescimento ocorreu principalmente sobre as áreas de pastagens degradadas.
Um indício de que a cana não está prejudicando a produção de alimentos é que a safra de grãos será recorde, com 140 milhões de toneladas, e a de cana também, perto de 532 milhões, segundo estimativas da Datagro. Com o uso de tecnologia, o crescimento será essencialmente vertical, basta lembrarmos que na safra 1977/78, quando os grãos ocupavam 36,5 milhões/ha, a produtividade foi de 1.045 kg/ha e vinte anos depois, colhemos 3.014 kg/ha em 46,7 milhões/ha.
Assim, o Brasil dispõe de condições privilegiadas para ampliar seu espaço no fornecimento de alimentos e também de energia nesse cenário de expansão da demanda. Será necessário, no entanto, resolver questões internas, como a precariedade da infra-estrutura e as altas cargas tributárias. O que o mundo enxerga como crise, o Brasil pode encarar como uma oportunidade e fazer do limão, uma limonada.